VENDA CASADA NA LIBERAÇÃO DE CRÉDITO RURAL: ABUSIVA E ILEGAL

Quando um fornecedor condiciona a venda de um produto ou serviço a outro produto ou serviço ocorre a chamada “venda casada”.  Na atividade rural não haveria por ser diferente. Frequentemente os escritórios de advocacia recebem clientes do setor do Agronegócio queixosos, alegando que foram vítimas de tal situação, não sabendo mais como se esquivarem dessa prática. Como exemplo, muitos citam a liberação de crédito rural condicionada à compra de outros produtos e serviços bancários, tais como título de capitalização, seguros e aplicações financeiras.

A venda casada, além de abusiva e ilegal, é proibida pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90, artigo 39, inc. I), eis que encarece toda a cadeia setorial, trazendo prejuízos principalmente para quem está exercendo a atividade agrícola, o tomador do crédito – consumidor –, o produtor rural.

A partir daí, o custo da atividade encarece, trazendo prejuízos no setor primário e elevando, ao fim e ao cabo, o já tão dispendioso custo Brasil.

Para se verem livres de tal situação, os consumidores muitas vezes têm então que buscar no judiciário a quebra de tais amarras, por vezes tendo êxito, como no exemplo que se colaciona a seguir:

Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. JUROS REMUNERATÓRIOS. Os juros remuneratórios são encargos financeiros do período da normalidade e, por isso, incidem a partir do momento da contratação. Dessa forma, é lícita a cobrança dos juros remuneratórios antes do período de inadimplência. JUROS. ALEGAÇÃO DE COBRAÇA EM DUPLICIDADE. Inexistência. A cláusula contratual que estipula a cobrança de juros de 4,5% ao ano diz respeito aos juros remuneratórios incidentes no período de normalidade, denominado pelo instrumento contratual de “ENCARGOS FINANCEIROS”. Para o período de mora, há previsão de encargos para o período de inadimplência; a cláusula denominada “INADIMPLEMENTO” prevê a exigência de comissão de permanência “em caso de descumprimento de qualquer obrigação legal ou convencional, ou no caso de vencimento antecipado da obrigação”. Em relação à comissão de permanência não há insurgência da parte. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. A capitalização mensal de juros em títulos de crédito rural, industrial e comercial é admissível quando houver cláusula contratual expressa, hipótese dos autos. VENDA CASADA. SEGURO DE VIDA. Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. STJ – Resp 1639320/SP. No caso, depreende-se, a partir das alegações das partes, que o banco condicionou o fornecimento do empréstimo à contratação do seguro de vida impugnado. Por conseguinte, conclui-se a existência de venda casada, razão pela qual o valor cobrado a título de seguro deve ser repetido à parte-autora. CORREÇÃO MONETÁRIA. A correção monetária não é acréscimo, e sim recomposição da moeda a fim de evitar a sua desvalorização. No caso, da análise do cálculo da execução, não se verifica a incidência de correção monetária. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. Na hipótese de sucumbência mínima do pedido, o outro litigando deverá responder, por inteiro, pelas despesas processuais e honorários advocatícios (art. 86, parágrafo único, do CPC). Honorários advocatícios fixados de acordo com os parâmetros legais aplicáveis. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS. [1].

Porém, como a situação se apresenta muitas vezes no ato da assinatura de uma liberação de crédito (casada, portanto), e por vezes o consumidor encontra-se sozinho no ato, sem sequer uma testemunha para respaldar seu direito,  a prova do ilícito torna-se deveras complicada, ficando tão difícil de ser produzida que pode conduzi-lo à frustração na esfera jurídica. Registre-se que até mesmo a inversão do ônus da prova encontra limites, devendo ser insculpida, no mínimo, em fundados indícios.

A fim de coibir essa prática nefasta, deveria incidir a competente fiscalização, o que também é muito difícil, pois a administração pública até pode ser efetiva em muitos casos – e tem sido noticiado que o governo pretende “fechar o cerco” a esse tipo de situação – mas não há como ser onipresente.

Em julho do ano passado, em entrevista à Jovem Pan (https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/governo-venda-casada-credito-agricola.html), o presidente da Confederação Nacional da Agricultura, João Martins, chamou de absurda a postura das instituições financeiras, cobrando uma posição mais firme da Febraban para vetar a venda casada.

Sem dúvida, é importante que todos se unam contra essa prática, que encarece toda a cadeia produtiva, desestimulando o agronegócio e encarecendo os juros.

Porém, além da necessidade do debate, cada vez mais é preciso denunciar. Sinale-se que tal mecanismo vem sendo gradativamente utilizado com mais frequência. Com a efetiva denúncia, a prática tende a diminuir consideravelmente. Hoje, e especialmente, então, falando dos produtores rurais, tem-se várias ferramentas que motivam a denúncia, como por exemplo, a forma ANÔNIMA de denunciar.

Podem os produtores utilizar a plataforma oficial do governo – consumidor.gov.br – para relatar a venda casada, visando solucionar conflitos com as instituições financeiras, ou, ainda, registrar uma reclamação anônima, que pode ser feita diretamente no site da CNA (https://www.cnabrasil.org.br/formularios?form=vendacasada).

Havendo pressão governamental, somada à efetiva fiscalização e às denúncias através dos mecanismos supramencionados, certamente as estatísticas sobre relatos de instituições que condicionam a liberação do crédito agrícola à aquisição de outros produtos financeiros mostrará um acentuado decréscimo, auxiliando diretamente o interessado (tomador do crédito), mas também a toda a coletividade, que acaba beneficiada com a desoneração do setor produtivo.  


[1] Apelação Cível, Nº 70082779828, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 04-02-2021

Por Raul Ritterbusch Mello, advogado inscrito na OAB/RS nº 73.159. Pós-graduando em Direito Agrário e do Agronegócio pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Atual Secretário de Eventos da ABA Passo Fundo, RS.

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