Saturação e Concorrência Desleal Ameaçam Sustentabilidade da Advocacia Brasileira

A profissão jurídica, por muito tempo vista como uma das mais respeitadas e promissoras no Brasil, enfrenta hoje um dos seus maiores dilemas: o excesso de profissionais no mercado e a crescente concorrência desleal. Com mais de 1,3 milhão de advogados registrados na OAB, o Brasil se tornou o país com a maior densidade de advogados por habitante no mundo, segundo dados do Conselho Federal. Essa hipercompetição tem causado um impacto direto na captação de clientes, na precificação justa de honorários e na viabilidade financeira dos escritórios — especialmente dos pequenos e médios.

Embora o aumento do número de advogados reflita o avanço do acesso à educação superior e à democratização da carreira jurídica, também escancara problemas estruturais. Entre os desafios mais citados por profissionais em atuação estão: clientes que buscam “jeitinhos” jurídicos, a proliferação de ofertas gratuitas ou com preços simbólicos e a atuação de profissionais não registrados ou sem qualificação adequada, o que enfraquece o prestígio e a confiança no serviço jurídico.

A Realidade nos Escritórios de Advocacia

Para muitos advogados, principalmente os iniciantes, manter um escritório ativo se tornou uma tarefa hercúlea. Sem apoio, estrutura ou orientação em gestão, marketing jurídico e precificação estratégica, muitos acabam subestimando o valor do seu próprio trabalho. Essa insegurança, somada à pressão do mercado, leva à prática comum de cobrar honorários muito abaixo da média, ou até oferecer consultas gratuitas sem qualquer plano de fidelização.

O resultado é preocupante: escritórios que trabalham muito, faturam pouco e enfrentam grande rotatividade de clientes, além de um desgaste emocional crescente. “O que temos visto é uma verdadeira corrida pela sobrevivência, em que o profissional do Direito não é mais reconhecido como agente transformador da sociedade, mas como prestador de um serviço que precisa ser barato para ser aceito”, afirma o advogado e professor Esdras Dantas de Souza, presidente da Associação Brasileira de Advogados (ABA).

Concorrência Desleal: um Obstáculo à Ética e à Qualidade

A concorrência desleal se manifesta de várias formas: profissionais que atuam sem inscrição regular na OAB, escritórios que anunciam serviços jurídicos em desacordo com o Código de Ética da profissão e plataformas digitais que prometem “soluções jurídicas automáticas” por valores simbólicos, sem considerar a complexidade técnica e humana do trabalho do advogado.

“Além de violar a ética profissional, essas práticas criam uma falsa percepção de que o serviço jurídico pode ser banalizado, o que é extremamente perigoso”, pontua Esdras. Ele destaca ainda que muitos clientes são prejudicados por orientações incorretas ou decisões apressadas, que não levam em consideração o contexto legal e os riscos envolvidos.

O Papel da ABA no Enfrentamento do Problema

Atenta a esse cenário, a Associação Brasileira de Advogados (ABA) tem atuado de forma ativa e estratégica em defesa da valorização da profissão. A entidade oferece programas de capacitação em precificação, posicionamento de marca, negociação com clientes e gestão financeira para advogados, além de mentorias coletivas e eventos sobre boas práticas de mercado.

Entre as ações promovidas pela ABA estão:

  • Mentorias com especialistas em gestão de escritórios e marketing jurídico;
  • Cursos de precificação estratégica, com simulações reais;
  • Campanhas públicas de valorização da advocacia, reforçando o papel social do advogado;
  • Denúncias institucionais contra práticas informais e ilegais no mercado jurídico.

“Não podemos permitir que a advocacia perca sua relevância. É preciso reagir com inteligência, ética e estratégia. Valorizar-se é também valorizar o cliente, porque um serviço jurídico bem remunerado é um serviço jurídico melhor prestado”, enfatiza o presidente da ABA.

Caminhos para uma Advocacia Sustentável

Especialistas alertam que a superação desse quadro exige mudanças em várias frentes. Além da atuação institucional e da autorregulação de mercado, os advogados precisam desenvolver novas competências — como inteligência emocional, negociação, liderança e uso de tecnologia com ética. Também é essencial criar redes de apoio e colaboração entre colegas de profissão, trocando experiências, formando parcerias e fortalecendo o senso de classe.

Como lembra Esdras Dantas de Souza, a advocacia deve, mais do que nunca, se reinventar: “Não se trata de competir no preço, mas de competir em valor, em especialidade, em atendimento humano e estratégico. O futuro da profissão depende da coragem que temos hoje para nos posicionar.”

Da Redação

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