Resumo: Este artigoobjetiva discorrer sobre um assunto muito atual, o crime de redução a condição análoga à de escravo, o qual vem ocorrendo frequentemente, sendo os casos trazidos à mídia, deixando a população estarrecida ao se deparar com a dura realidade dos trabalhadores urbanos. Não deve-se excluir a hipótese de condição de trabalho análoga à de escravo em meios ruais, porém quando nos deparamos com esta realidade em pleno século XXI, é importante conhecermos e ressaltarmos quais são as características que configuram tal crime, para que o mesmo seja denunciado. A metodologia utilizada para a construção deste trabalho foi a bibliográfica. Através de livros, da jurisprudência e legislações foi possível chegar à conclusão.
Palavras-chave: Direito Penal, Trabalhor, condição análoga à escravo.
1 . INTRODUÇÃO
O presente artigo discorre sobre um tema muito importante, a redução a condição análoga à de escravo.
Em pleno século XXI, a sociedade jamais imaginaria que poderia vivenciar um mal que surgiu há muitos anos na humanidade. Um indivíduo submeter outro à escravidão, é crime previsto pelo código penal brasileiro.
O indivíduo muitas vez não observada que está sendo vítima de crime cometido pelo seu empregador, mas ao entender quais são as suas características que configuram o crime, bem como trazendo à luz os direitos do trabalhador, e ainda o dever do empregador de fornecer boas condições de trabalho, entre outros, afasta a impunidade e a continuidade de tal crime.
Portanto, esta é a grande problemática, a qual será esclarecida por meio da metodologia escolhida, qual seja, a bibliográfica, por meio de livros, jurisprudência e legislações atuais e em vigor.
O restante do artigo está organizado da seguinte maneira: o item 2 (dois) sobre a previsão legal e hipóteses de configuração do delito. O item 3 (três) discorre sobre o objeto material e bem juridicamente protegido. O item 4 (quatro) sobre o sujeito ativo e sujeito passivo. O item 5 (cinco) sobre a pena e a ação penal. O item 6 (cinco) a conclusão e o item 7 (seis) a referência bibliográfica.
2 . PREVISÃO LEGAL E HIPÓTESES DE CONFIGURAÇÃO DO DELITO
Inicialmente, cabe ressaltar o que dispõe o art. 149 do Código Penal, o qual cuida do delito de redução a condição análoga à de escravo, se não vejamos:
“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1 u Nas mesmas penas incorre quem: 1 – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § zu A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: 1 – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”
Com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, procura-se identificar as hipóteses em que se configura o mencionado delito.
Nesse passo, são várias as maneiras que, analogamente, fazem com que o trabalho seja comparado a um regime de escravidão. A lei penal assevera que se reduz alguém à condição análoga à de escravo, dentre outras circunstâncias, quando: o obriga a trabalhos forçados; impõe-lhe jornada exaustiva de trabalho; sujeita-o a condições degradantes de trabalho; restringe, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Ao longo do século XX, foram realizadas várias conferências pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o fim de erradicar a escravidão, servidão e trabalhos forçados, culminando com a edição de várias convenções, a exemplo da Convenção nº 29, adotada na 14ª sessão da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, a 28 de junho de 1930. O art. 1º da mencionada Convenção determina:
“Art. 1º- Todos os membros da Organização Internacional do Trabalho que ratifiquem a presente Convenção se comprometem a suprimir o trabalho forçado ou obrigatório, sob todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo.”
Da mesma forma, o art. IV da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1948, também determina:
“Art. IV – Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.”
E, especificamente com relação ao trabalho, diz o inciso XXIII:
“XXIII – [ … ]: 1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.
Outrossim, há previsão na Convenção nº 29, adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, traduziu o conceito de trabalhos forçados, dizendo, em seu art. 2º:
“Art. 2º. Para fins da presente Convenção o termo ‘trabalho forçado ou obrigatório’ designará todo o trabalho ou serviço exigido a um indivíduo sob ameaça de qualquer castigo e para o qual o dito indivíduo não se tenha oferecido de livre vontade.”
Assim, trabalho forçado diz respeito àquele para o qual a vítima não se ofereceu volitivamente, sendo, portanto, a ele compelido por meios capazes de inibir sua vontade. José Cláudio Monteiro de Brito Filho, comentando o conceito traduzido pela OIT, esclarece com precisão: “A nota característica do conceito, então, é a liberdade. Quando o trabalhador não pode decidir, espontaneamente, pela aceitação do trabalho, ou então, a qualquer tempo, em relação à sua permanência no trabalho, há trabalho forçado, (…) o trabalho forçado é caracterizado tanto quando o trabalho é exigido contra a vontade do trabalhador, durante sua execução, como quando ele é imposto desde o seu início. O trabalho inicialmente consentido, mas que depois se revela forçado.”[1]
Corroborando com o acima exposto, não somente trabalhar forçosamente, mas também impor a um trabalhador jornada exaustiva de trabalho, isto é, aquela que culmina por esgotar completamente suas forças, minando-lhe a saúde física e mental, configura-se no delito em comento.
Da mesma forma, há trabalhos que sujeitam as vítimas acondições degradantes, desumanas, ofensivas ao mínimo ético exigido. O procurador Regional do Trabalho, José Cláudio Monteiro de Brito Filho, com o viés de esclarecer o conceito de trabalho em condições degradantes, aduz ser:
“aquele em que há a falta de garantias mínimas de saúde e segurança, além da falta de condições mínimas de trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação. Tudo devendo ser garantido o que deve ser esclarecido, embora pareça claro – em conjunto; ou seja, em contrário, a falta de um desses elementos impõe o reconhecimento do trabalho em condições degradantes. Assim, se o trabalhador presta serviços exposto à falta de segurança e com riscos à sua saúde, temos o trabalho em condições degradantes. Se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador, como o direito de trabalhar em jornada razoável e que proteja sua saúde, garanta-lhe descanso e permita o convívio social, há trabalho em condições degradantes. Se, para prestar o trabalho, o trabalhador tem limitações na sua alimentação, na sua higiene, e na sua moradia, caracteriza-se o trabalho em condições degradantes”.[2]
Atividade que se tornou muito comum, principalmente na zona rural, diz respeito ao fato de que o trabalhador, obrigado a comprar sua cesta básica de alimentação de seu próprio empregador, quase sempre por preços superiores aos praticados no mercado, acaba por se transformar em um refém de sua própria dívida, passando a trabalhar tão somente para pagá-la, uma vez que, à medida que o tempo vai passando, dada a pequena remuneração que recebe, conjugada com os preços extorsivos dos produtos que lhe são vendidos, torna-se alguém que se vê impossibilitado de exercer seu direito de ir e vir, em razão da dívida acumulada.
O parágrafo primeiro do art. 149 do CP ainda responsabiliza criminalmente, com as mesmas penas cominadas ao caput do mencionado artigo, aquele que: cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. Nesses casos, a pena será aumentada de metade, nos termos do parágrafo único do art. 149 do diploma repressivo, se o crime for cometido: contra criança ou adolescente; por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
3 . OBJETO MATERIAL E BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO
Bem juridicamente protegido pelo tipo do art. 149 do Código Penal é a liberdade da vítima, que se vê, dada sua redução à condição análoga à de escravo, impedida do seu direito de ir, vir ou mesmo permanecer onde queira. Conforme o alerta proclamado pelo Ministério Público do Trabalho: “quando se fala em escravidão, muitos lembram de correntes e senzalas. Mas o trabalho escravo de hoje adquiriu novas características, sendo a principal delas a proibição direta ou indireta do direito de ir e vir”.[3]
Entretanto, quando a lei penal faz menção às chamadas condições degradantes de trabalho, podemos visualizar também como bens juridicamente protegidos pelo art. 149 do diploma repressivo: a vida, a saúde, bem como a segurança do trabalhador, além da sua liberdade. Objeto material do delito em estudo é a pessoa contra a qual recai a conduta do agente, que a reduz à condição análoga à de escravo.
4 . SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO
Após a nova redação do art. 149 do Código Penal, levada a efeito pela Lei n” 10.803, de 11 de dezembro de 2003, foram delimitados os sujeitos ativo e passivo do delito em estudo, devendo, agora, segundo entendemos, existir entre eles relação de trabalho.
Assim, sujeito ativo será o empregador que utiliza a mão de obra escrava. Sujeito passivo, a seu turno, será o empregado que se encontra numa condição análoga à de escravo.
5 . PENA E AÇÃO PENAL
Conforme o art. 149 do Código Penal, é previsto uma pena de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência, tanto para as hipóteses previstas em seu caput como naquelas elencadas pelo parágrafo primeiro, vale dizer, nos casos em que há o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador com o fim de retê-lo no local de trabalho, bem como quando o agente mantém vigilância no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador com o fim de retê-lo no local de trabalho.
A lei penal ressalvou, ainda, a hipótese de concurso de crimes entre a redução à condição análoga à de escravo e a infração penal que disser respeito à violência praticada pelo agente. A ação penal é de iniciativa pública incondicionada.
Neste sentido, em sendo a ação penal de iniciativa pública incondicionada, significa que a eventual queixa a ser apresentada perante o Ministério Público, não fica condicionada somente à vítima do crime, mas toda e qualquer pessoa pode apresentar a queixa, sendo assim possível resguardar o direito do trabalhador que não consegue sair do local de trabalho por exemplo.
Merece destaque o fato de que existe uma fiscalização, a qual é de suma importância para erradicar este delito. A Portaria nº 265, de 6 de junho de 2002, do Ministério do Trabalho e Emprego, estabeleceu normas para a atuação dos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel (GEFM), compostos por Auditores Fiscais do Trabalho, que têm por finalidade o combate ao trabalho escravo, forçado e infantil e tem atuação em todo o território nacional.[4]
6 . CONCLUSÃO
Analisada a redação do artigo 149, do Código Penal Brasileiro, é possível concluir que é clara em nosso ordenamento jurídico a previsão do crime de redução a condição análoga à de escravo.
Deve ser concluído que o que configura o delito, muitas vezes está mais próximo de nós do que imaginamos, pois não é apenas a liberdade o direito maior violado, mas sim há outro, mais amplo, qual seja, o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes.
Portanto, o princípio contitucional violado é o da dignidade da pessoa humana, principalmente, quando da redução do trabalhador à condição análoga à de escravo. Tanto no trabalho forçado, como no trabalho em condições degradantes, o que se faz é negar ao homem direitos básicos que o distinguem dos demais seres vivos.
Em incidindo a falta de liberdade, o homem é tratado como um bem, como coisa que pertence ao tomador dos serviços. No caso do trabalho em condições degradantes, da mesma forma. Embora não exista a restrição à liberdade, o homem, ao ter negadas as condições mínimas para o trabalho, é tratado como se fosse mais um dos bens necessários à produção; e, podemos dizer sem dúvidas, “coisificado”.
Por todo o exposto, cabe ressaltar que o objetivo deste artigo não é exaurir o tema em questão, mas sim, esclarecer de forma sucinta quanto à existêcia do crime contra o ser humano quando se encontra na posição de trabalhador.
6 . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial – Volume 2. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 12 mar. 2016.
BRASIL. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 13 mar. 2016.
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução do homem a condição análoga à de escravo e dignidade da pessoa humana. Disponível em: www.pgt.mpt.gov.br /publicacoes.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
[1] BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução do homem a condição análoga á de escravo e dignidade da pessoa humana. Disponível em: www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/escravo.html.
[2] BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução do homem a condição análoga à de escravo e dignidade da pessoa humana. Disponível em: www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes.
[3] Disponível em: www.mpt.gov.br.
[4] De acordo com notícia veiculada no jornal O Globo, “o Brasil tem cerca de 20 mil trabalhadores em condição análoga à escravidão” (O BRASIL tem 20 mil trabalhadores em condição análoga à escravidão. O Globo, 27 maio 2011. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011105127 /brasil-tem-20-mil-trabalhadores-em-condicaoanaloga-escravidao-924549388.asp>
Por Bruna Feitosa dos Santos de Carvalho, advogada, graduada pela Universidade Cândido Mendes, possui especialização em direito público, direito da saúde e direito contratual. Há mais de 7 anos atuando na advocacia cível, colocando em prática além de suas especialidades, atuando também no direito sucessório e imobiliário. Autora do livro “A ação civil pública e o controle de constitucionalidade pela editora Alemã Novas Edições Acadêmicas.