Pós-Leilão: Desafios e Soluções na Baixa de Gravames

Introdução

Nos últimos anos, diversos investidores, na busca de diversificar seus investimentos, vêm apresentando maior interesse na aquisição de imóveis em leilão. O interesse se estende, ainda, para pessoas que pretendem adquirir moradia própria.

Assim, os leilões de imóveis, atualmente, são de fundamental importância para o mercado imobiliário, na medida em que oferecem maior liquidez e rapidez nas transações, além de oportunidades de aquisição a preços competitivos.

Ademais, é uma ferramenta eficaz para a recuperação de créditos, principalmente para instituições financeiras, e ajudam a diversificar o mercado, aumentando a oferta de imóveis.

Nesse contexto, é essencial garantir a segurança jurídica da arrematação, para que o arrematante adquira o imóvel de forma legítima, sem riscos de perder o investimento devido a problemas legais.

Destarte, um dos pontos principais a serem observados antes e depois da arrematação diz respeito aos gravames, que constituem ônus que impede o pleno exercício da propriedade até que todas as obrigações financeiras vinculadas a este ônus sejam quitadas.

Dentre os gravames, destacam-se os mencionados no art. 889 do CPC, as indisponibilidades averbadas sobre o imóvel, além dos gravames resultantes de sequestro criminal.

Cada um desses gravames será melhor detalhado neste artigo.

Embora a baixa de gravames seja uma etapa crucial para a regularização do imóvel, os advogados do arrematante frequentemente enfrentam dificuldades junto aos cartórios, bem como ao Judiciário para efetuar essa baixa.

Nos cartórios, é comum que processos burocráticos atrasem o procedimento, com exigências de documentação adicional ou interpretações diversas dos requisitos legais. No âmbito judicial, por sua vez, a interpretação deturpada da lei, o cumprimento de prazos e a emissão de ordens claras para a liberação dos gravames nem sempre ocorrem de forma célere, resultando em entraves que retardam a obtenção plena da posse e da propriedade do imóvel arrematado.

Esses obstáculos podem gerar frustração para o arrematante, que, até a efetiva baixa do gravame, permanece impossibilitado de exercer plenamente seus direitos sobre o imóvel, comprometendo os benefícios esperados da aquisição em leilão.

  1. Da Baixa dos Gravames apontados no art. 889 do CPC. Da importância de observação do procedimento previsto em lei.

O art. 889, do CPC, trata acerca da exigibilidade de cientificação prévia de sujeitos que tenham algum direito real sobre o imóvel que será levado à leilão, direitos estes devidamente registrados na matrícula do imóvel, tais como, mas não se limitando, o coproprietário e o credor hipotecário.

Assim, a ausência de prévia cientificação dos sujeitos apontados nos incisos do dispositivo legal acima mencionado tornam nula a arrematação se, uma vez detectado o vício, o detentor do direito real requerer a nulidade dentro do prazo legal.

O que se tem observado em muitas situações é a falta de diligência do Judiciário no sentido de determinar a prévia notificação do detentor do direito real que, muitas vezes, a despeito da existência de ônus na matrícula, se dá em razão da falta de análise prévia da certidão de registro do imóvel, ou mesmo por se deixar ludibriar por petições apresentadas pelo exequente que, na ânsia de ver o crédito satisfeito, informa nos autos a inexistência de ônus na matrícula. Tais situações resultam na disponibilização do imóvel em leilão sem a devida observância da lei.

Desta feita, o arrematante, sem prévio conhecimento e, principalmente, sem orientação de advogado especializado, arremata o imóvel e encontra empecilho para a regularização do imóvel.

Isso porque, os pedidos de nulidade do leilão pelo detentor de direito real sobre o bem em regra, suspendem os atos posteriores à arrematação em razão do poder geral de cautela. Aliás, se o procedimento de notificação do detentor de direito real, de fato, não for observado, há uma enorme chance de nulidade do leilão.

É importante destacar ainda que, muitas vezes, essa suspensão ocorre mesmo quando o titular de direito real foi devidamente notificado sobre a alienação do bem antes do leilão. Nestas situações, ainda que não tenha apresentado oposição no momento oportuno, ele o faz após a realização do leilão, mesmo que seu direito já tenha precluído. O que torna esta situação ainda mais preocupante é que, por equívoco do Judiciário, os atos posteriores ao leilão são suspensos, também, sob o argumento do poder geral de cautela. Um flagrante afronta à lei.

Não só isso, ainda que o detentor do direito real não questione o leilão, a regularização do imóvel se esbarra no cartório de registro de imóveis que, muitas vezes, emitem nota de análise questionando a notificação prévia ao leilão do detentor do direito real sobre o imóvel.

Noutros casos, a baixa do gravame é prejudicada em razão do desconhecimento de que a aquisição de imóveis em leilão caracteriza-se como aquisição originária da propriedade, o que, portanto, libera o imóvel dos ônus até então incidentes (precedentes do STJ).

Assim, a falta de uma abordagem cuidadosa e o desconhecimento sobre a natureza da aquisição originária em leilões, acirram ainda mais esses desafios. Portanto, é crucial que tanto o Judiciário quanto os cartórios atuem com maior diligência e precisão para garantir que os direitos dos envolvidos sejam respeitados e que a arrematação seja realizada de acordo com a lei, protegendo assim a segurança jurídica do mercado imobiliário.

2. Das indisponibilidades averbadas sobre o imóvel e a impossibilidade de registro da carta de arrematação.

A indisponibilidade averbada sobre o imóvel é medida que resulta em restrições legais sobre a propriedade, geralmente com o objetivo de assegurar o cumprimento de obrigações ou proteger direitos de terceiros. Estas indisponibilidades podem surgir de decisões judiciais, como averbações premonitórias, penhoras, arrestos, e devem ser devidamente registradas na matrícula do imóvel para garantir a publicidade e a segurança jurídica de eventual negócio imobiliário envolvendo o imóvel.

Assim, quando um imóvel está sujeito a uma indisponibilidade averbada, qualquer tentativa de realizar a transferência de sua propriedade, enfrenta obstáculos significativos e, com a carta de arrematação a dificuldade não poderia ser diferente.

Nesse contexto, destaca-se que a carta de arrematação é documento que formaliza, perante o cartório, a aquisição de um bem em leilão e serve como base para o registro da nova propriedade.

Ocorre que, como apontado acima, a despeito da aquisição de imóveis em leilão caracterizar-se como aquisição originária, a presença de indisponibilidades averbadas na matrícula, costumeiramente, inviabilizam o registro deste documento e, portanto, da propriedade em nome do arrematante.

Dessa forma, cabe ao Juízo que determinou a indisponibilidade do imóvel determinar a baixa da mesma. É salutar apontar, no entanto, que, embora seja evidente, não sendo este o Juízo responsável pela alienação do bem, cabe ao arrematante requerer àquele a baixa da indisponibilidade, instruindo seu pedido com todos os documentos que comprovam a arrematação perfeita e acabada. O mesmo pode ser feito pelo Juízo que alienou o bem, mediante a expedição de ofício ao Juízo responsável pela determinação da indisponibilidade.

Ocorre que, considerando que a indisponibilidade, em regra, representa impedimento legal para o registro de transferência de propriedade, exigindo-se, portanto, que, antes de efetuar o registro de qualquer transferência de propriedade, sejam resolvidas todas as pendências legais e restrições que recaem sobre o imóvel, não raro, o cartório de registro de imóveis se nega a proceder com o registro da carta de arrematação até que essas restrições sejam removidas ou formalmente resolvidas e, mais uma vez, isso se dá por total desconhecimento sobre a já comentada natureza de aquisição originária de arrematação.

Nos casos acima, ainda que, mediante determinação judicial e apresentação do argumento da natureza da arrematação (aquisição originária) o cartório se negue a dar baixa na indisponibilidade, cabe a suscitação de dúvida a ser analisada por Juízo competente.

Desta feita, as indisponibilidades averbadas sobre um imóvel muitas vezes representam um obstáculo significativo para o registro da carta de arrematação e a consecução da plena propriedade. A análise prévia ao leilão da certidão de registro do imóvel e o suporte jurídico adequado são, portanto, essenciais para evitar surpresas e garantir a segurança jurídica na arrematação.

3. Do sequestro de bens pela justiça criminal.

Como dito, a arrematação em leilão judicial envolve complexidades jurídicas, especialmente quando diante de gravames de sequestro na matrícula do imóvel.

Para os arrematantes, a desoneração dos ônus sobre o imóvel arrematado é imperativa, dado o caráter de aquisição originária da propriedade – tese basilar para o enfrentamento de eventuais negativas pelos juízos que determinaram a constrição de bens. No entanto, a diversidade de entendimentos do Judiciário sobre o tema emerge a necessidade de uniformização da jurisprudência para garantir a tão almejada segurança jurídica.

Assim sendo, sem olvidar a vigência e relevante aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, ainda que observado, consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial, subsiste uma preocupação com a razoabilidade e proporcionalidade nas decisões a serem encontradas para a busca do melhor resultado no âmbito das hastas públicas.

O impasse foi objeto de julgamento no Conflito de Competência nº 175033 – GO, pelo Superior Tribunal de Justiça que reafirmou a validade da arrematação mesmo em face de gravames anteriores, nos termos do artigo 903, do CPC, e ressaltou a primazia da constrição penal no recebimento dos valores obtidos com a hasta.

Além disso, vemos com preocupação a tese da má-fé do arrematante frequentemente utilizada nas manifestações de juízos, procuradorias e até das defensorias públicas. Tese esta que se baseia na aplicabilidade dos efeitos da aquisição derivada às alienações judiciais, e evidentemente representa um grande risco à segurança jurídica dos leilões judiciais.

Inicialmente, comporta registro que no sistema globalizado em que a ciência do direito se encontra situada, a interpretação e aplicação do direito passou a exigir maior atenção e observância dinâmica nas situações jurídicas que, mormente, são apresentadas no meio social.

Neste sentido, as teses de aquisição originária e boa-fé do arrematante estão estreitamente relacionadas ao rol exemplificativo do artigo 889 do Código de Processo Civil, que embora não preveja o sequestro de bens, é aplicável na prática, pois os Juízos Criminais devem ser intimados do leilão assim como os demais interessados ali elencados.

Nesta lógica, considerando a aplicabilidade subsidiária do Código de Processo Civil ao processo penal, o arrematante na qualidade de terceiro interessado, deve invocar o artigo 926 do Código de Processo Civil, que determina que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”, tanto em suas peças processuais como nos despachos com os magistrados e procuradores.

Em contrapartida, deve o arrematante providenciar o registro da carta de arrematação, – momento em que se concretizará o cancelamento indireto dos ônus existentes sobre o imóvel. Porém, há implicações práticas da ausência do cancelamento direto, como a dificuldade na alienação a terceiros e na obtenção de financiamento imobiliário. Isto é, a despeito da importância da transferência imobiliária ao arrematante, o cancelamento direto dos gravames se faz indispensável, pois impacta no interesse de possíveis licitantes.

Assim posto, os trâmites para a baixa dos gravames, é um tema complexo que envolve diversos aspectos jurídicos e desafios aos profissionais da área. A aplicação dos efeitos de aquisição originária e a presunção de boa-fé do arrematante são fundamentais para assegurar a segurança jurídica e o estímulo na participação nos leilões judiciais.

A boa notícia é que como visto, os tribunais superiores que têm se mostrado inclinados a proteger a credibilidade das hastas públicas, e, portanto, é fundamental que os advogados atuantes na área estejam empenhados a dispor das estratégias necessárias a cada caso concreto.

Patricia Pastor Pinheiro Carneiro

Advogada atuante no Direito Imobiliários há 12 anos;

Especializada em leilão de imóveis;

Membro do Instituto de Direito Imobiliário – IBRADIM e da comissão de leilões do referido Instituto;

Membro da Associação Brasileira de Advogados – ABA e da comissão de leilões da referida Associação

Laís Macucci

Advogada desde 2015 e com mais de 12 anos de experiência na área jurídica, sócia fundadora do escritório Laís Macucci Advocacia na Capital de São Paulo, pós graduada em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito, Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Ipiranga em São Paulo/SP, Membro da Comissão Nacional de Leilões da ABA e associada do IBRADIM.

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