O DIREITO FUNDAMENTAL A CONVIVÊNCIA FAMILIAR

Por: Dr. Guilherme da Silva Martins – OAB/RJ – 233.707

  1.  INTRODUÇÃO

A Constituição Federal do Brasil promulgada em 1988 assegurou a criança, ao adolescente e ao jovem o direito a convivência familiar. Comando reafirmado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que garantiu a criação no seio familiar natural, incomumente, em família substituta, assegurando a convivência familiar e comunitária.

Assim como os demais direitos sociais constitucionais, a convivência familiar deve ser tutelada pelo Estado, garantindo sua devida efetivação. Para além, exige a participação conjunta do corpo social e da família na busca da defesa e promoção do melhor interesse das crianças e adolescentes.

A noção de família se apresenta fundamental para a vida em sociedade e concretização do ideal de Estado de Direito. Porém, a família contemporânea abraça a diversidade e o pluralismo. Nesse contexto o afeto passa a ser a base da integração familiar, que pode ser formada pelas mais variadas configurações.

O objetivo deste trabalho é lançar luz sobre a importância da convivência para os diversos tipos de famílias, entendendo-se como um direito de todos: pais e mães, filhos e filhas, irmãos e irmãs, avôs e avós, todos os considerados familiares independente de laços consanguíneos.

  • BREVE HISTÓRICO SOBRE LEGISLAÇÃO INFANTO JUVENIL NO BRASIL

As primeiras legislações tratando da infância e juventude no Brasil visavam somente a responsabilização penal como no caso do Código de Menores de 1979. O próprio Código Civil de 1916 utilizava noções de pátrio poder enfatizando na figura do pai o chefe da família, além de distinguir filhos legítimos, legitimados e legalmente reconhecidos. [1]

            Sobre o Código de Menores de 1979, nos trouxe Beloff (1998, p.13-15), apresenta como características: a definição negativa das crianças e adolescentes enquanto “menores”, tomados como objetos de proteção, incapazes, de opinião irrelevante, apego ao assistencialismo sempre vinculado ao ramo penal, além de não atribuir às crianças e adolescentes todas as garantias que se atribui aos adultos.

            Desta maneira, a Constituição Federal de 1988 inaugurou um novo entendimento quando trouxe em seu artigo 227 direitos e garantias das crianças e adolescentes [2].

            Esta nova visão ganhou força no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, dispositivo este que dispõe sobre sua proteção integral [3]. A partir deste momento crianças e adolescentes passam a ser entendidos como sujeitos de direito, não mais meros destinatários da proteção Estatal, mas sim atuantes e possuidores de garantias jurídicas e sociais.

3 – A TUTELA DO DIREITO A CONVIVÊNCIA FAMILIAR

A convivência busca atender o melhor interesse da criança e do adolescente, por isso mesmo a legislação e jurisprudência moderna estendem o convívio a toda e qualquer pessoa por quem haja relação de afeto incluídos neste rol avós, bisavós, tios, primos e padrinhos entre outros.

Nos ensinamentos da Des. Maria Berenice Dias [4]:

“Quando a Constituição e o ECA asseguram o direito a convivência familiar, não estabelecem limites. Como os vínculos parentais não se esgotam entre pais e filhos, o direito de convivência estende-se aos avós e a todos os demais parentes, inclusive colaterais.”

De muitos temas abordados no Estatuto da Criança e do Adolescente, mereceu destaque o direito à convivência familiar. Este sistema de proteção trouxe uma percepção ampliada do conceito de família abrangendo todos aqueles que mantém um vínculo de afinidade e afetividade. Inclusive nos casos excepcionais, antes de optar pela integração em família substituta, o estatuto busca a manutenção ou reintegração da criança ou adolescente na família natural ou extensa. Outrossim, prevê várias formas de auxílio inclusive psicológico para preservar a convivência familiar.

Por outro lado, a convivência familiar é também um direito-dever decorrente do poder familiar. Tanto que se persegue a continuação da convivência com todos os membros da família mesmo em caso de separação dos pais. A Convenção sobre os Direitos da Criança – UNICEF, determina em seu artigo 09, 3, que toda criança, incluindo a que foi separada de um ou ambos os genitores, possui o direito manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos [5].

Deve-se ter em conta que em determinados casos é necessária uma prévia análise de fatos e circunstâncias, antes da regulamentação de um regime de convivência já que se busca a primazia do melhor interesse da criança e do adolescente. Nada obsta, porém, que haja formulação judicial para regulamentação de convivência, pelos avós, tios, padrasto e madrasta, padrinhos, irmãos e demais parentes. Como previamente observado a convivência como descrita na Constituição Federal de 1988 traz uma forma ampla, não restrita apenas aos pais.

Existe ainda referência ao direito de convivência no artigo 1.589 do Código Civil, ainda que de forma mais limitada aduz a possibilidade de o genitor que não detém a guarda do filho visitá-lo e tê-lo em sua companhia [6].

4 – A IMPORTÂNCIA DO AFETO NA CONVIVÊNCIA FAMILIAR

Fato é que na construção psíquica do ser humano, principalmente nos anos iniciais da infância, é marcante as relações e convivência com seus semelhantes. A construção e manutenção de vínculos afetivos pela convivência familiar ajuda no desenvolvimento social e emocional de crianças e adolescentes.

Sob outra perspectiva, a fragilidade na construção destes laços afetivos podem gerar consequências no seu desenvolvimento e criar dificuldades de relacionamento mesmo fora do círculo familiar. Segundo Bauman [7]“os laços inter-humanos, que antes teciam uma rede de segurança digna de um amplo e contínuo investimento de tempo e esforço, e valiam o sacrifício de interesses individuais imediatos (ou do que poderia ser visto como sendo do interesse de um indivíduo), se tornam cada vez mais frágeis e reconhecidamente temporários”.

Sobre o tema, nos ensina Tartuce [8]:

”De início, para os devidos fins de delimitação conceitual, deve ficar claro que o afeto não se confunde necessariamente com o amor. Afeto quer dizer interação ou ligação entre pessoas, podendo ter carga positiva ou negativa. O afeto positivo, por excelência, é o amor; o negativo é o ódio. Obviamente, ambas as cargas estão presentes nas relações familiares.”

 O reconhecimento afetivo tem sido cada vez mais usado como fundamento em decisões judiciais no Brasil, em especial no direito de família. Como exemplo temos que o reconhecimento de vínculos afetivos possibilita o reconhecimento de parentalidade socioafetiva e de outra maneira nos casos de abandono afetivo é possível buscar a indenização por dano moral.

5 – CONCLUSÃO

O direito a convivência familiar é uma importante garantia que hoje é defendida pela maioria da doutrina e encontra amparo na jurisprudência e no ordenamento jurídico brasileiro. É importante que não só o Poder Estatal, mas todos os cidadãos busquem ao máximo estimular o convívio de crianças e adolescentes tanto com a sua família (natural e ampliada), quanto com sua comunidade.

O convívio é benéfico para o desenvolvimento do ser humano, traz um sentimento de pertencimento e ajuda no desenvolvimento psíquico e social. No âmbito jurídico, tutela um direito constitucional fundamental para que crianças e adolescentes não sejam privados de construir relações afetivas com seus familiares.

Os laços afetivos por sua vez não dependem exclusivamente de relações consanguíneas, podem ser desenvolvidos em relação a família extensa ou em casos excepcionais a família substituta, mas dependem sim de uma convivência harmoniosa.

NOTAS:

[1] BRASIL. Código Civil 1916. Artigo 233, in verbis: O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos. Competindo-lhe: a representação legal da família; a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher que ao marido incumbir administrar, em virtude do regime matrimonial adotado, ou de pacto antenupcial; o direito de fixar o domicílio da família; e prover a manutenção da família.

[2] BRASIL. Constituição Federal 1988. Artigo 227, in verbis: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

[3] BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Artigo 19, in verbis: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

[5] UNICEF – Convenção Sobre os Direito da Criança. Artigo 9,3, in verbis: Os Estados Partes devem respeitar o direito da criança que foi separada de um ou de ambos os pais a manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, salvo nos casos em que isso for contrário ao melhor interesse da criança

[6] BRASIL. Código Civil. Artigo 1589, in verbis: Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

REFERENCIAS:

[7] BAUMAN, Zigmunt. Tempos Líquidos. Ed. Editora Schwarcz – Companhia das Letras: 2007

Beloff, Mary. Op. Cit. PP. 13 – 15

[4] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Pag 691.

[8] TARTUCE, Flavio. O Princípio da Afetividade no Direito de Família. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/121822540/o-principio-da-afetividade-no-direito-de-familia#:~:text=De%20in%C3%ADcio%2C%20para%20os%20devidos,ter%20carga%20positiva%20ou%20negativa. Data da consulta: 07/06/22

UNICEF – Convenção Sobre os Direitos da Criança. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca Data da consulta: 06/06/22



Guilherme da Silva Martins – OAB/RJ – 233.707

Graduado pela Universidade Estácio de Sá. Pós-Graduado em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade Estácio de Sá. Membro da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões da Associação Brasileira de Advogados do Rio de Janeiro (ABA/RJ). Membro do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias (IBDFAM). Advogado atuante na área Cível, Direito do Consumidor e Sucessões.

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