GRUPO DE ESTUDOS ABA RIO GRANDE DO SUL
ROSSANA SOARES TIMM DA MOTTA
O DANO MORAL NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Porto Alegre
2023
O DANO MORAL NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Rossana Soares Timm da Motta[1]
INTRODUÇÃO
A Previdência Social Brasileira tem como objetivo principal o atendimento ao cidadão em termos de seguridade social, entretanto a realidade do serviço prestado ao segurado ou aos seus dependentes muitas vezes carece de qualidade, resultando em ações judiciais indenizatórias pelo dano moral suportado.
Não restam dúvidas que o segurado ou os seus dependentes não podem ser prejudicados por atitudes equivocadas que venham a ser tomadas pelos representantes da Autarquia Previdenciária devendo ser analisados os motivos que dificultam o reconhecimento pelos Magistrados e a importância da correta aplicação do Dano Moral Previdenciário.
A CONTEXTUALIZAÇÃO DO DANO MORAL PREVIDENCÁRIO
Ao analisarmos o tema denota-se, de plano, que estamos diante de uma matéria controversa, haja vista que existem decisões favoráveis aos segurados e seus dependentes e existe uma gama de entendimentos diversos, que deixam de reconhecer o dano moral previdenciário causando muitas vezes uma desesperança nos demandantes (principalmente aos operadores do direito), por não alcançarem a devida e esperada reparação moral, que amenizaria os efeitos e traria a valoração da dignidade perdida frente aos atos perpetrados pelo ofensor.
Existe uma correspondência entre a doutrina e a jurisprudência favoráveis que entendem que deva ser aplicado o dano moral previdenciário em favor do demandante pelas atitudes dos servidores da autarquia previdenciária, por exemplo, quando: na análise do processo administrativo previdenciário ou assistencial acabam por agir com desídia e realizam a avaliação sem a devida atenção dos documentos apresentados ou dos direitos que o postulante possui; deixam de impulsionar o processo em um tempo aceitável (morosidade), solicitam documentos desnecessários, ou, em alguns casos, deixam de conceder benefícios de maneira injustificada, mesmo quando a parte já conta com todos os requisitos necessários para a sua concessão.
A brilhante lição da especialista na matéria, Wânia Alice Ferreira Lima Campos, esclarece ponto fundamental acerca do dano moral previdenciário, pois afirma com exatidão que “O benefício previdenciário deverá ser concedido a todos que dele dependam e que dele façam jus, sem qualquer vício na sua concessão, caso contrário deverá ser indenizado pelo abalo moral que eventual vício lhe causar.”.[2]
Restando demonstrado que o agir da Autarquia Previdenciária venha a ferir a dignidade dos administrados ou a legalidade do processo administrativo previdenciário deverá o ofendido manejar por meio de um processo judicial a busca pela reparação moral sofrida, eis que inadmissível aceitar conduta diversa daquela que deveria ser prestada pelo administrador, buscando inibir novas condutas semelhantes, por meio das sanções a serem impostas pelo Poder Judiciário, uma vez que na esfera administrativa ainda não existe espaço ou previsão para tal reparação.
Conceito
A reparação por danos morais está prevista nos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal de 1988:
“Artigo 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”[3]
O termo dano é derivado do latim damnum, sendo este proveniente do verbo damnare que significa causar dor, molestar, acarretando algum mal. Sabe-se que a expressão moral oriunda do latim moralis está diretamente relacionada ao conceito do que é honesto ou virtuoso.
Os autores Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador ensinam em sua obra que “Dano é uma diminuição do patrimônio, tanto material quanto moral.”[4]
Em seus ensinamentos, demonstram perfeitamente que a configuração do dano moral é a alteração no bem-estar psicofísico do indivíduo, de modo que se o ato de outra pessoa acarretar alteração desfavorável, causando-lhe dor profunda que modifique seu estado anímico, teremos aí o início da busca pelo dano moral. (AGOSTINHO e SALVADOR).
Por sua vez, Wânia Alice Ferreira Lima contextualiza o dano moral nos seguintes termos:
“A conceituação de dano moral é complexa, eis que difere dos danos materiais, estes fisicamente demonstráveis, visíveis e quantificáveis, enquanto aqueles por vezes não podem ser demonstrados, não são aparentes e guardam um problema em sua quantificação.”
(…)
“Com efeito, o abalo moral é aquele que atinge a órbita interna da pessoa, gerando um sentimento de derrota e pesar que lhe impõe uma alteração de comportamento ou psíquica, causando prejuízo à sua parte social ou afetiva.”[5]
Resumindo os ensinamentos de Alexsandro Menezes Farineli e Fabia Maschietto que concluem com exatidão a finalidade da “indenização por danos morais que, de um lado reconforta o ofendido e, de outro, pune o ofensor, constituindo medida pedagógica que visa evitar novos danos a terceiros.”[6]
Demonstram, ainda, sabiamente que:
“Os danos de natureza moral estão relacionados à esfera íntima do indivíduo, e por isso mesmo, muitas vezes são de difícil constatação. São aquelas lesões que repercutem na moral e na tranquilidade mental da vítima.
(…)
Para se caracterizar o dano moral é preciso estar-se diante de situação que exorbite o patamar do socialmente aceitável. Necessário é que a conduta do agente provoque emoção negativa intensa ao lesado, abalando sua psique normal.”[7]
Já Humberto Theodoro Júnior muito bem ensina:
“De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana, ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua.”[8]
Pelos conceitos expostos acima podemos compreender que a expressão dano moral engloba aquilo que causa a perturbação da paz interior do indivíduo, causando sério abalo a sua personalidade e a sua dignidade, devendo a indenização a ser concedida pelo magistrado alcançar alguma compensação, ou amenizar a dor íntima daquele que foi ofendido por conduta nociva da Autarquia Previdenciária.
Aplicação
Sempre que restar demonstrado que a conduta dispensada pela Autarquia no desenvolvimento do processo administrativo previdenciário não serviu plenamente ao fim destinado, principalmente em razão de grave vício no procedimento, poderemos estar diante da necessidade do reconhecimento e da aplicação de uma indenização pela ocorrência do dano moral previdenciário.
Nesse sentido, Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador ensinam:
“No dano moral, cujo fato lesivo feriu a psique, alterou o ânimo, causou tristeza, pavor, medo, dor, vergonha, angústia, haverá um aumento do patrimônio da vítima, a título de indenização, para que seus sentimentos negativos sejam amenizados, embora o restabelecimento ao estado anterior seja impossível.”[9]
Em sua obra Dano Moral Previdenciário, os autores Alexsandro Menezes Farineli e Fabia Maschietto demonstram que a reparação do dano moral, mais do que qualquer outro tipo de indenização, deve ser imposta a partir do mesmo fundamento da responsabilidade civil, haja vista que não visa o enriquecimento ou a criação de fonte de renda sem causa, pois, segundo os mesmos:
“Tratam os direitos previdenciários de direitos básicos para a sobrevivência das pessoas, possuem natureza alimentar, devem ser de aplicação imediata quando da ocorrência do fato gerador e sua efetivação deve ser concreta respeitando o “PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.”[10]
E ainda, como bem ilustra José Antonio Savaris:
“A realização judicial do Direito Previdenciário deve orientar-se por uma racionalidade material aberta às exigências de Justiça do caso concreto e, por isso, igualmente aberta às consequências externas da decisão.
(…)
Deve-se buscar, portanto, segundo a ética da responsabilidade, as consequências externas da decisão que reforcem os princípios que alicerçam o sistema jurídico. Especificamente em relação à problemática previdenciária, cumpre investigar, na solução judicial do caso concreto, as consequências que respeitam ou prestigiam o conjunto de (normas – valores – princípios) que fundamentam ou justificam a existência de um sistema de proteção previdenciária.”[11]
Ademais, cabe lembrar que, conforme mencionado por Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador, “Não existe responsabilidade, dever de indenizar, se não houve dano, culpa ou nexo causal.”[12]
Assim, sempre que não restar demonstrado o preenchimento de todos os requisitos para concessão da indenização postulada, acabará por ser indeferido o pedido de indenização por danos morais na esfera previdenciária, cabendo aos aplicadores do direito ter atenção especial e dedicação plena no momento da elaboração da inicial, apresentação das provas e manejo do processo, para que aos poucos aumente por parte do judiciário o reconhecimento e a atenção a ser dispensada aos processos que versem sobre a matéria.
Valoração
Não resta qualquer dúvida que, para a fixação do montante indenizatório pelo julgador na esfera de indenização/reparação moral pelos direitos previdenciários feridos, deve sopesar, especialmente, o ato que causou o abalo a ser indenizado e os efeitos a serem suportados pelo ofendido. Destaque-se, outrossim, que meros dissabores, devem ser suportados pela vítima e não são passíveis de qualquer arbitramento a título de indenização.
Nesse sentido, ensina Humberto Theodoro Júnior:
“A vida em sociedade obriga o indivíduo a inevitáveis aborrecimentos e contratempos, como ônus ou consequências naturais da própria convivência e do modo de vida estabelecido pela comunidade. O dano moral indenizável, por isso mesmo, não pode derivar do simples sentimento individual de insatisfação ou indisposição diante de pequenas decepções e frustrações do quotidiano social.”[13]
Vale transcrever o que foi bem pontuado por Renato Mehanna Khamis:
“Temos, pois, que dano moral não é qualquer aflição ou desconforto emocional que o indivíduo venha a sentir em razão da ação ou omissão de outro. A sensibilidade é exclusiva de cada um e, sem sombra de dúvida, diferente em cada indivíduo.”[14]
Por sua vez, Alexsandro Menezes Farineli e Fabia Maschietto afirmam sabiamente que:
“… só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.”[15]
Para Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador, a maior dificuldade acerca do Dano Moral está na quantificação do valor econômico a ser reparado ao ofendido, haja vista que a apuração do quantum indenizatório é de difícil medição monetária, eis que o bem lesado, neste caso a honra, os sentimentos, o nome, não são medidos monetariamente, pois não possuem dimensão econômica ou patrimonial.[16]
Ademais, Alexsandro Menezes Farineli e Fabia Maschietto muito bem ilustram que:
“O valor fixado deve ter caráter pedagógico, para que no caso em discussão o INSS e União, não voltem a cometer atos eivados de vícios que acarretem lesão aos segurados ou seus dependentes, evitando-se assim causar danos a estes. A fixação do valor do dano moral deve ter caráter punitivo, sendo maior sua fixação em casos de reincidência.”
(…)
A reparação por danos morais tem o condão de reconfortar o indenizado pelos injustos danos experimentados, compensando assim a angústia e aflição sofridas com montante pecuniário que lhe traga consolo.”[17]
Nesse sentido, sobressai o ensinamento de Renato Mehanna Khamis:
“…é bom de se observar, que a reparação do dano moral não tem por objetivo refazer o patrimônio, mas sim dar ao ofendido uma compensação pelo que sofreu ao ser atingido em seus bens íntimos e subjetivos.”[18]
Assim, a fixação do montante a ser arbitrado a título de indenização por danos morais previdenciários deve objetivar o caráter pedagógico/punitivo, buscando coibir a repetição da conduta lesiva e ser majorado conforme a reincidência do agente e dos danos causados pela conduta ao agredido, sem causar um enriquecimento sem causa ao ofendido ou contribuir para a distribuição em massa de ações que versem sobre o tema e que não possuam qualquer fundamento legal para o seu acolhimento.
Por se tratar de verba de origem alimentar (os benefícios a serem analisados e concedidos pelo INSS – previdenciários ou assistenciais), não podemos deixar de mencionar que a indenização a ser arbitrada dificilmente irá alcançar a recomposição dos danos experimentados pelo segurado ou seus dependentes, os quais se veem privados de um direito que reflete diretamente em sua rotina, (na maioria das vezes o benefício previdenciário é a única fonte de renda da família) modificando vários aspectos de suas vidas, colocando em risco a sua subsistência, causando prejuízos e sentimentos diversos aos ofendidos que devem ser reparados de uma maneira que evite nova conduta idêntica ou similar pelo ofensor e sirva para aliviar os graves fatos suportados pelas vítimas.
Como bem assinalou Wânia Alice Ferreira Lima Campos em sua obra, não temos como repor um dia de fome, uma sensação de injustiça, uma dor na alma ou uma tristeza profunda causada em decorrência da não concessão ou de uma equivocada concessão de um benefício previdenciário.
Nesse aspecto, importante apresentar uma valiosíssima lição de Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador:
“O grau de culpa, a gravidade, extensão e repercussão da ofensa, a intensidade do sofrimento, a culpa concorrente como fator de atenuação da responsabilidade, a situação patrimonial das partes e a eventual vantagem do lesante com a prática do ilícito são alguns fatores determinantes no estabelecimento da quantia reparatória. E mais, a indenização por danos morais, além do caráter compensatório, deve englobar também um aspecto didático-punitivo, a fim de reprimir a repetição de condutas lesivas. É a chamada ‘teoria do desestímulo’.”[19]
Assim, o julgador ao analisar o caso concreto deverá, no momento do arbitramento do valor da indenização, atentar ao sofrimento impingido ao ofendido analisando sua extensão, repercussão e gravidade, sempre buscando compensar os danos experimentados pelos administrados e coibindo as condutas lesivas, principalmente protegendo os demais usuários do sistema Previdenciário, para que não sofram as mesmas amarguras.
Cabe ser destacada a lição de Alexsandro Menezes Farineli e Fabia Maschietto, os quais demonstram que: “Embora existam previsões legais a respeito, ficará a critério do Juiz a fixação do valor de danos morais, dentro dos parâmetros requeridos na ação judicial.”[20]
Já para Renato Mehanna Khamis o entendimento é que: “Quanto à reparação, propriamente, competirá ao Juiz, usando de equidade e dos princípios de Justiça, arbitrar, prudentemente, o valor pecuniário que caberá ao lesado, se for o caso.”[21]
Mais uma vez, Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador nos ensinam que:
“… os valores sim devem ser razoáveis, arbitrados com prudência, cautela, bom senso, sem olvidar do status social da relação previdenciária perfilhada no processo, além do nítido caráter alimentar; e mais que toda discussão previdenciária encontra campo de pouso no constitucional princípio da dignidade da pessoa humana.”[22]
Com clareza, Alexsandro Menezes Farineli e Fabia Maschietto demonstram que:
“… a reparação do dano moral, ainda que pecuniária, não indeniza satisfatoriamente, nem poderia, o dano íntimo sofrido pela vítima, a angústia em não receber o segurado o seu benefício a que teria direito, com medo até de passar fome pela não concessão indevida pelo INSS ao seu benefício previdenciário como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte, aposentadoria por idade, causando-lhe sentimento de injustiça, revolta, tristeza entre outros.”[23]
Sabemos que valorar o dano moral na esfera previdenciária pode apresentar-se muito mais complexo que nos demais ramos do Direito, por lidar com sentimentos de desvalia frente ao administrador e por necessitar que o caso seja avaliado em todos os seus alcances, merecendo um tratamento individualizado com a análise de todos os fatos que forem apresentados ao magistrado por ocasião do processo indenizatório.
A PRESTAÇÃO DEFEITUOSA DO SERVIÇO
O agir equivocado ou a inércia do preposto da autarquia ré será na maioria das vezes decisivo para a ocorrência do dano moral previdenciário, que deverá ser reparado/compensado pelo magistrado responsável por avaliar a demanda levada ao seu conhecimento.
Nesse sentido assinala Alexsandro Menezes Farineli e Fabia Maschietto:
“É de clareza afirmar que a atividade autárquica do INSS tem caráter essencial não só para seus segurados, mas sim, para toda sociedade no sentido de promover a igualdade e a justiça social. Neste diapasão, pode gerar inúmeros danos aos que dependem dos benefícios por ele geridos.”[24]
Diante disso, caberá aos operadores do direito detectar a prestação defeituosa do serviço capaz de ensejar reparação moral, pois, como sabemos, já está consolidado na jurisprudência pátria que o mero indeferimento ou o cancelamento do benefício na esfera administrativa não apresenta condão capaz de gerar efeito indenizatório pretendido em uma ação de reparação moral, uma vez que o mero dissabor ou os aborrecimentos causados pelo indeferimento/cancelamento de um benefício previdenciário não servem para comprovar o abalo ou eventual sofrimento acarretado à vítima.
A lição bem ensinada por Alexsandro Menezes Farineli e Fabia Maschietto deixa a certeza que:
“O prejudicado por ato estatal sempre terá o direito à indenização a ser pleiteada contra a Fazenda Pública ou contra a pessoa jurídica privada prestadora de serviço público a que pertencer o agente causador do dano. A ação nunca é dirigida contra o agente público ou de quem faz as suas vezes. Estes limitam-se a responder regressivamente em casos de dolo ou culpa.”[25]
Caso ocorra um erro grosseiro ou falha não justificada por parte da autarquia no momento do cancelamento ou do indeferimento do benefício postulado o mesmo deverá ser demonstrado pela vítima, elencando sem qualquer margem de dúvida, durante o processo judicial, os abalos sofridos para que possa caracterizar o dano moral suportado e assim alcançar eventual indenização que lhe seja devida e, também, coibir que novas condutas semelhantes sejam perpetradas pelo ofensor.
Ato Administrativo Vinculado
Para que se possa buscar junto ao Poder Judiciário a reparação pelos danos morais suportados, o ofendido deverá demonstrar inequivocamente a conduta desenvolvida pelo ofensor, comprovando o nexo necessário entre o agir do administrador e o dano suportado pelo administrado.
É de conhecimento geral que o INSS está classificado como o maior litigante do país, respondendo a um absurdo número de demandas, muitas delas relacionadas com o agir da autarquia frente àqueles que necessitam dos serviços por ela oferecidos.
Não nos restam quaisquer dúvidas que, em boa parte dos requerimentos encaminhados junto a Autarquia Previdenciária, possivelmente ocorrerá algum tipo de dificuldade a ser enfrentada pelo requerente, desde o indevido tratamento dispensado ao postulante, o não cumprimento dos prazos ou preceitos estabelecidos na legislação pátria, entre outros.
Assim, desatendido qualquer requisito, comprometida estará a eficácia do ato administrativo vinculado, eis que o mesmo estabelece um único comportamento a ser seguido pelo administrador diante dos casos concretos, devendo dispensar igual tratamento a todos os administrados.
Sempre que ficar claramente demonstrado que o ato administrativo está eivado de vício ou embasado em um erro grave em sua análise por parte do INSS deverá ocorrer o reconhecimento do dano moral previdenciário.
Caráter Indenizatório
O julgador deve sempre primar e buscar atingir com a sua análise sobre os fatos ocorridos que o valor a ser arbitrado tenha como finalidade alcançar o caráter pedagógico e punitivo, visando evitar que tais condutas sejam novamente repetidas e venham a atingir ou alcançar novas vítimas, como forma de proteger toda a coletividade.
Neste sentido, Clayton Reis, ensina com exatidão que:
“No caso do dano moral, em que se torna impossível a restituição ao seu statu quo ante, a indenização far-se-á atendendo ao princípio da equivalência formulado pelo art. 953, parágrafo único, ou em conformidade com o texto ‘…caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização.’
(…)
O valor da indenização pelos danos extrapatrimoniais ficará a critério de cada julgador, que não devem se distanciar dos elementos valorativos presentes na mens legis, na doutrina e em sua sensibilidade para captar o sofrimento da vítima e conferir a ela a justa indenização.”[26]
Como muito bem destacado por Humberto Theodoro Júnior:
“Quanto à prova, a lesão ou dor moral é fenômeno que se passa no psiquismo da pessoa e, como tal, não pode ser concretamente pesquisado. Daí porque não se exige do autor da pretensão indenizatória que prove o dano extrapatrimonial. Cabe-lhe apenas comprovar a ocorrência do fato lesivo, de cujo contexto o juiz extrairá a idoneidade, ou não, para gerar dano grave e relevante, segundo à sensibilidade do homem médio e a experiência da vida.”[27]
Por sua vez, Renato Mehanna Khamis muito bem ensina que:
“…o que se deve entender é que o que o lesado pleiteia é uma indenização pecuniária em razão do dano, sem estipular preço para sua dor, na verdade deseja um lenitivo que atenue, em parte, as consequências do prejuízo sofrido. Na reparação do dano moral o dinheiro não aparece com a real correspondência equivalente, quantitativa ou qualitativa, ao bem atingido.”[28]
Assim, resta cristalino que o valor econômico alcançado com a demanda (reparação pelo dano moral) deve ser considerado de menor importância, pois o maior objetivo a ser conquistado com a procedência das ações indenizatórias por dano moral previdenciário é estabelecer a mudança de comportamento do ofensor, para que com o passar dos anos deixem de ocorrer condutas reprováveis e novas vítimas tenham que experimentar danos indesejáveis e/ou desnecessários.
A APLICABILIDADE NOS BENEFÍCIOS ESPECÍFICOS
Na atual legislação, os segurados ou os seus dependentes podem contar com dez espécies de benefícios previdenciários, quais sejam: aposentadoria por tempo de contribuição nas regras de transição da Emenda 103/2019, aposentadoria especial, aposentadoria programada, aposentadoria por incapacidade permanente, auxílio por incapacidade temporária, auxílio-acidente, auxílio-reclusão, salário-família, salário-maternidade e pensão por morte, e duas espécies de benefícios assistenciais que são destinados às pessoas com deficiência e aos idosos (com idade superior aos 65 anos), desde que preenchidos os requisitos necessários para sua concessão.
Os benefícios de prestação continuada assistenciais (BPC/Loas) foram aqui elencados (apesar da natureza assistencial) pelo fato de serem exclusivamente encaminhados, avaliados e concedidos ou não com a intervenção da Autarquia Previdenciária, que conduzirá todo o processo administrativo e na incidência de fatos geradores de reparação de ordem moral, também poderão ser passíveis de indenização pelos danos morais suportados, tendo no polo passivo, como réu, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
Mais uma vez citamos Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador: “Assim, nesta estreita relação previdenciária de cunho eminentemente protetivo, a eficiência do serviço público se mostra necessária para assegurar ao administrado um acesso justo aos produtos do pacote de proteção.”[29]
Inexistindo eficiência nos serviços prestados por parte da Autarquia Previdenciária e sendo negado “um acesso justo aos produtos do pacote de proteção”, como acima citado, muito provavelmente estarão elencados os requisitos para a concessão da indenização por danos morais.
Importante ressaltar, por tudo até aqui estudado, que restou cristalino o entendimento de que a propositura de ações indenizatórias autônomas para a busca por indenização pelos danos morais suportados é a conduta mais acertada a ser utilizada pelos operadores do direito, facilitando o andamento da ação de concessão ou restabelecimento do benefício de maneira mais célere e que poderá servir também, como meio de prova dos fatos a serem examinados na ação indenizatória.
Na grande maioria dos julgamentos que analisam a matéria o dano moral previdenciário deixa de ser reconhecido.
Apesar de ainda existir alguma resistência por parte dos magistrados lentamente o dano moral previdenciário vem sendo reconhecido pelo Judiciário como demonstram os exemplos de julgados e de situações exemplificadas abaixo, que facilmente podem ocorrer na prática e serem ensejadoras de reparação por dano moral na esfera previdenciária, uma vez que a análise do caso concreto pode demonstrar que as mesmas superam o mero dissabor:
Avaliação crítica sobre o tema e os desdobramentos do assunto
O tema dano moral merece atenção especial dos aplicadores do Direito, para alcançarmos julgamentos com maior atenção por parte dos magistrados e assim assegurarmos indenizações que possam efetivamente minimizar as lesões experimentadas pelos segurados ou seus dependentes.
Sempre que o dano moral previdenciário for constatado e tiver sua incidência confirmada pelo crítico exame do magistrado, o mesmo deve ser reparado, pois sua repercussão atinge os envolvidos em seu íntimo, ofendendo a sua honra e dignidade.
Quando um processo é apresentado ao Poder Judiciário buscando uma reparação por dano moral na seara previdenciária e o julgador deixar de reconhecer a existência do mesmo, ou não valora adequadamente a indenização em um montante capaz de conseguir compensar o postulante por toda a perda experimentada/sofrida é negar reconhecimento a um princípio fundamental – o da dignidade da pessoa humana.
CONCLUSÃO
Na relação entre administrador e administrado, muitos serão os momentos em que se instalarão conflitos capazes de ensejar reparação por dano moral previdenciário.
Buscou-se despertar e atrair a atenção para a importância da correta aplicação deste instituto, para que alcancemos em pouco tempo a mais justa reparação pelos danos experimentados pelos administrados, sempre que tiverem tratamento não condizente com aquilo que se espera da administração pública, buscando reprimir as lesões sofridas pelos segurados ou dependentes e a ampla recuperação da dignidade, compensando os prejuízos e educando a Autarquia Previdenciária para buscar sempre a excelência nos serviços oferecidos à população.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAMPOS, Wânia Alice Ferreira Lima. Dano Moral no Direito Previdenciário – Doutrina, Legislação, Jurisprudência e Prática. LTr, São Paulo: 2013, 186 p.
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KHAMIS, Renato Mehanna, Dano Moral – Dispensa Imotivada de Portador do Vírus HIV. LTr, São Paulo: 2002, 110 p.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Direitos Humanos. Lumen Juris, Rio de Janeiro: 2010, 306 p.
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. Saraiva, 3ª Edição, São Paulo: 2009, 415 p.
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THEODORO Júnior, Humberto. Dano Moral. Editora Del Rey, 7ª ed. Belo Horizonte: 2010, 558 p.
[1] Rossana Soares Timm da Motta, Advogada, inscrita na OAB/RS sob o número 51.170,Graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Especialista em Direito Previdenciário pelo Instituto Meridional – IMED, Especialista em Direito Previdenciário pelo Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV, Especializanda em Direito Previdenciário pela MAXJURIS, atuando como Advogada Voluntária na Justiça Federal de Porto Alegre desde 2009, Conciliadora do Juizado Especial Cível da Comarca de Esteio desde 2002 e Integrante da Comissão de Seguridade Social da OAB/RS.
[2] CAMPOS, Wânia Alice Ferreira Lima. Dano Moral no Direito Previdenciário – Doutrina, Legislação, Jurisprudência e Prática. LTr, São Paulo: 2013, p 57.
[3] BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 06/01/2019.
[4] AGOSTINHO, Theodoro Vicente & Salvador, Sérgio Henrique. Danomoral e previdenciário: um estudo teórico e prático com modelo de peças processuais. LTr, São Paulo: 2015, p 32.
[5]CAMPOS, Wânia Alice Ferreira Lima. Dano Moral no Direito Previdenciário – Doutrina, Legislação, Jurisprudência e Prática. LTr, São Paulo: 2013, p 92.
[6] FARINELI, Alexsandro Menezes & Maschietto, Fabia. Dano Moral Previdenciário. Mundo Jurídico, 2ª ed. Leme/SP: 2013, p 146.
[7] FARINELI, Alexsandro Menezes & Maschietto, Fabia. Dano Moral Previdenciário. Mundo Jurídico, 2ª ed. Leme/SP: 2013, p 126 e 127.
[8] THEODORO Júnior, Humberto. Dano Moral. Editora Del Rey, 7ª ed. Belo Horizonte: 2010, p 02.
[9] AGOSTINHO, Theodoro Vicente & Salvador, Sérgio Henrique. Danomoral e previdenciário: um estudo teórico e prático com modelo de peças processuais. LTr, São Paulo: 2015, p 34.
[10] FARINELI, Alexsandro Menezes & Maschietto, Fabia. Dano Moral Previdenciário. Mundo Jurídico, 2ª ed. Leme/SP: 2013, p 106.
[11] SAVARIS, José Antonio. Uma teoria da decisão Judicial da Previdência Social: contributo para superação da prática utilitarista. Tese USP, São Paulo: 2010, p 237, 238 e 242.
[12] AGOSTINHO, Theodoro Vicente & Salvador, Sérgio Henrique. Danomoral e previdenciário: um estudo teórico e prático com modelo de peças processuais. LTr, São Paulo: 2015, p 31.
[13] THEODORO Júnior, Humberto. Dano Moral. Editora Del Rey, 7ª ed. Belo Horizonte: 2010, p 134
[14] KHAMIS, Renato Mehanna, Dano Moral – Dispensa Imotivada de Portador do Vírus HIV. LTr, São Paulo: 2002, p 16.
[15] FARINELI, Alexsandro Menezes & Maschietto, Fabia. Dano Moral Previdenciário. Mundo Jurídico, 2ª ed. Leme/SP: 2013, p 127.
[16]AGOSTINHO, Theodoro Vicente & Salvador, Sérgio Henrique. Danomoral e previdenciário: um estudo teórico e prático com modelo de peças processuais. LTr, São Paulo: 2015, p 35.
[17] FARINELI, Alexsandro Menezes & Maschietto, Fabia. Dano Moral Previdenciário. Mundo Jurídico, 2ª ed. Leme/SP: 2013, p 101 e 131.
[18] KHAMIS, Renato Mehanna, Dano Moral – Dispensa Imotivada de Portador do Vírus HIV. LTr, São Paulo: 2002, p 52.
[19] AGOSTINHO, Theodoro Vicente & Salvador, Sérgio Henrique. Danomoral e previdenciário: um estudo teórico e prático com modelo de peças processuais. LTr, São Paulo: 2015, p 35 e 36.
[20] FARINELI, Alexsandro Menezes & Maschietto, Fabia. Dano Moral Previdenciário. Mundo Jurídico, 2ª ed. Leme/SP: 2013, p 102.
[21] KHAMIS, Renato Mehanna, Dano Moral – Dispensa Imotivada de Portador do Vírus HIV. LTr, São Paulo: 2002, p 52.
[22] AGOSTINHO, Theodoro Vicente & Salvador, Sérgio Henrique. Danomoral e previdenciário: um estudo teórico e prático com modelo de peças processuais. LTr, São Paulo: 2015, p 77.
[23] FARINELI, Alexsandro Menezes & Maschietto, Fabia. Dano Moral Previdenciário. Mundo Jurídico, 2ª ed. Leme/SP: 2013, p 101.
[24] FARINELI, Alexsandro Menezes & Maschietto, Fabia. Dano Moral Previdenciário. Mundo Jurídico, 2ª ed. Leme/SP: 2013, p 125.
[25] FARINELI, Alexsandro Menezes & Maschietto, Fabia. Dano Moral Previdenciário. Mundo Jurídico, 2ª ed. Leme/SP: 2013, p 107
[26] CLAYTON, Reis. Dano Moral e Direitos Fundamentais – Uma Abordagem Multidisciplinar. P 105 e 108
[27] THEODORO Júnior, Humberto. Dano Moral. Editora Del Rey, 7ª ed. Belo Horizonte: 2010, p 9 e 10
[28] KHAMIS, Renato Mehanna, Dano Moral – Dispensa Imotivada de Portador do Vírus HIV. LTr, São Paulo: 2002, p 51.
[29] AGOSTINHO, Theodoro Vicente & Salvador, Sérgio Henrique. Danomoral e previdenciário: um estudo teórico e prático com modelo de peças processuais. LTr, São Paulo: 2015, p 40.