Ministro reverte condenação baseada em retrato falado mostrado à vítima três meses após o crime

​Por entender descumpridas as regras de reconhecimento pessoal previstas pelo artigo 226 do Código de Processo Penal, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz absolveu um homem condenado pelo crime de roubo que foi identificado pela vítima três meses após o crime, apenas por meio de um retrato falado. No dia posterior ao roubo, a vítima foi à delegacia, mas não reconheceu os suspeitos com base nas fotos mostradas pela polícia.

Na decisão, o magistrado reforçou os problemas no reconhecimento de suspeitos por meio da técnica show-up – na qual se apresenta apenas uma foto à vítima ou à testemunha e se pede que ela diga se essa pessoa é ou não a autora do crime. O magistrado também lembrou que, uma vez realizado o reconhecimento, não seria possível repeti-lo em iguais condições, o que torna inviável a reiteração do ato como forma de validar a confirmação inicial da vítima.

“É pertinente ressaltar, por oportuno, que não se está, no caso, a negar a validade integral do depoimento da vítima; mas sim, de negar validade à condenação baseada em reconhecimento colhido em desacordo com as regras probatórias e não corroborado por nenhum outro elemento dos autos”, afirmou o relator.

De acordo com os autos, a vítima foi roubada em via pública. No dia seguinte, ao comparecer à delegacia, ela, inicialmente, não reconheceu os criminosos em fotografias que lhe foram apresentadas e disse que não tinha condições de fornecer os traços físicos para confecção de retratos falados. Três meses depois, foi novamente à delegacia e, então, reconheceu um dos suspeitos por meio de retrato falado. Segundo o processo, a vítima não fez o reconhecimento presencial do acusado porque ele havia sido preso por outro crime e encaminhado a um presídio.

Na condenação, o juiz apontou que a vítima não teve dúvidas ao reconhecer o suspeito. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

Artigo 226 do CPP não traz recomendações, mas procedimento de observância obrigatória

O ministro Schietti explicou que o artigo 226 do CPP estabelece o seguinte procedimento: a pessoa que tiver que fazer o reconhecimento será convidada a descrever o indivíduo que deva ser reconhecido; a pessoa a ser reconhecida será colocada, se possível, ao lado de outras que tenham semelhanças com ela; se houver algum perigo para aquele que fará o reconhecimento, a autoridade deve providenciar que a vítima ou a testemunha não tenha contato direto com o suspeito.

O relator lembrou que, a partir do julgamento, pela Sexta Turma, do HC 598.886, o STJ deu nova interpretação ao artigo 226 do CPP para estabelecer que o dispositivo não traz meras recomendações, mas sim um procedimento que, caso não seja seguido, invalida o reconhecimento.

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