Por Luciana Rei Rodrigues dos Santos
Resumo: O presente artigo tem por finalidade abordar as relações de afeto entre as famílias e os seus animais de estimação e o impacto desse laço afetivo no momento da separação de seus donos que pretendem manter contato com seus pets e dividir as despesas.
- Introdução
Com o advento de nossa Constituição Federal de 1988, percebemos um novo viés, um novo foco, nova diretriz para o direito privado brasileiro: a ênfase agora está voltada para o bem-estar da pessoa humana, ou seja, a dignidade da pessoa humana passou a ser encarada como o âmago de tais questões.
A fim de acompanhar as mudanças da sociedade, a nossa Carta Magna, evoluiu ao permitir a constituição de novas entidades familiares, além da tradicionalmente conhecida, ao incluir no artigo 226, §4º o termo “também”.
Nesse contexto, os animais de estimação passaram a ser considerados como membros da entidade familiar, eis que, muitas famílias tem extrema relação de afeto com os seus pets, tratando-os como seus filhos, sendo esta a denominada família multiespécie.
E, assim como ocorre com os filhos, os pets passaram a fazer parte das disputas judiciais, fazendo com que o Poder Judiciário passasse a enfrentar estas demandas, mesmo sem uma legislação específica a respeito do assunto.
- Os pets como membros da entidade familiar
Atualmente, muitas famílias são compostas pelos pais e seus pets, sendo estes tratados como filhos.
Pesquisas apontam que pelo menos 48% dos brasileiros possuem um animal de estimação dentro de casa e, em especial, os cachorros, que ocupam a liderança do ranking. Além de ser o melhor amigo do homem, pelo menos em 75% dos casos os cães estão inseridos como membros de famílias brasileiras (em segundo lugar, os gatos – 40% dos lares e em terceiro, as aves, que representam 11%) [1].
Outro dado que corrobora a concepção dos pets como membros das famílias, é a pesquisa realizada no ano de 2015 que demonstra existir mais lares com cachorros (44%) do que com crianças (36%) no Brasil [2].
Com isso, é inegável que para muitas famílias os pets superaram o status de meros animais de estimação e fiéis companheiros e se tornaram membros da família, sendo considerados filhos, inclusive no que diz respeito a disputa judicial após o divórcio dos seus donos.
- Atuação do Poder Judiciário nas demandas envolvendo os pets
Ainda não há uma legislação específica que atenda as demandas que envolvam as famílias multiespécies, porém, o Poder Judiciário, não raras às vezes, vem sendo instado a se manifestar sobre esse assunto.
Por óbvio que as decisões proferidas não igualam os direitos dos filhos ao dos animais de estimação, porém, os julgadores se utilizam da analogia para buscar as soluções adequadas a cada caso, enquanto não há um regramento específico a ser aplicado nas demandas envolvendo essa disputa pelos pets.
Vale destacar a decisão no Resp 1713167/SP onde foi reconhecido o direito do ex-cônjuge de visitar o seu pet:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.
(…) 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal.
8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. (STJ – Resp nº 1.713.167 – SP, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, Julgado: 19/06/2018).
Note-se, também, decisão da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde foi determinado o rateio das despesas dos pets entre os ex-cônjuges, sendo fixado auxílio financeiro em valor correspondente a 15% do salário mínimo:
Apelação cível. Divórcio litigioso cumulado com partilha de bens e alimentos à filha menor. Reconvenção visando guarda unilateral dos seis animais de estimação pertencentes às partes, acrescido de auxílio financeiro para despesas de cada um deles. Acordo parcial. Sentença de parcial procedência para decretar divórcio do casal, com partilha de bens, inclusive verba trabalhista. Reconvenção parcialmente provida para decretar partilha dos animais de estimação, sem auxílio financeiro. Apelo de ambas as partes Recurso da ré. Descabida pensão alimentícia em favor de animais, pois desprovidos de personalidade jurídica. Cabível arbitramento de auxílio financeiro para manutenção de animais de estimação. Aquisição dos animais pelo casal na constância do casamento. Atribuição ao autor rateio de despesas. Gastos comprovados. Auxílio financeiro em favor dos seis animais em 15% (quinze por cento) do salário mínimo. Fixado marco final a morte do último animal. Sentença reformada, neste ponto. (…) (TJSP – Apelação Cível nº 1014500-56.2019.8.26.0562, Relator(a): Edson Luiz de Queiróz, Nona Câmara de Direito Privado, Julgado: 07/12/2021)
- Considerações finais
Diante do que foi abordado no presente artigo, pode-se notar a crescente mudança no tratamento dispensado aos animais de estimação, passando a considera-los como membros da família, tendo essa alteração na dinâmica familiar, inclusive, consequências no momento da dissolução do relacionamento entre os donos dos pets, chegando ao Poder Judiciário ações envolvendo a disputa sobre esses animais de estimação.
Enquanto não há uma legislação específica para essas demandas, os julgadores vêm proferindo decisões nos casos submetidos ao Poder Judiciário, levando em consideração o bem-estar dos pets e a relação de afeto construída entre eles e os seus donos.
NOTAS:
[2]http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDAmb_n.82.12.PDF
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ROSA, Conrado Paulino. Direto de Família Contemporâneo. 7ª ed. Salvador: Juspodium, 2020.