LICENÇA COMPULSÓRIA (A QUEBRA DE PATENTES) DE MEDICAMENTOS E A DIGNIDADE HUMANA.

RESUMO: A presente pesquisa trata sobre a possibilidade da licença compulsória (quebra de patentes) de medicamentos, fazendo uma abordagem geral acerca dos Acordos e Tratados Internacionais e da influência dos referidos instrumentos perante a formação da legislação brasileira de propriedade industrial. A licença compulsória é um instrumento jurídico que interfere diretamente no direito de propriedade do detentor da patente, proporcionando a terceiros a exploração do medicamento protegido pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual. O objetivo deste artigo é analisar em quais situações a quebra de patentes de medicamentos pode ser adotada, considerando a relevância do interesse público sobreposto ao interesse privado e seus reflexos sociais, jurídicos, econômicos e políticos. Ao final, considerando o ordenamento jurídico brasileiro no tocante a quebra de patentes, será abordado o princípio da dignidade da pessoa humana e a responsabilidade do Estado em fornecer medicamentos à população.

Palavras-chaveDignidade da Pessoa Humana. Medicamentos. Patentes. Propriedade Intelectual.       
           

1  INTRODUÇÃO

   Primeiramente, ao falar acerca da possibilidade da quebra de patentes de medicamentos no Brasil pode-se verificar que se está tratando de um dos bens fundamentais do cidadão, a saúde, fator indispensável à vida da pessoa humana com dignidade.

Imperioso esclarecer que o sistema de patentes admitido em um país possui muitas implicações na facilidade ou embaraço no acesso aos medicamentos com que se defrontam seus habitantes, instituindo um enorme impacto no acesso aos remédios. Dessa forma, uma companhia detentora de patentes de um determinado medicamento tem o direito de não permitir que outras empresas fabriquem referido produto e, por conseguinte, podem instaurar preços demasiadamente elevados.

  Assim, o presente trabalho pretende analisar a possibilidade de quebra de patente em relação aos medicamentos,através da licença compulsória, em razão dos altos preços cobrados pelos medicamentos pelas empresas multinacionais, para que o Estado tenha melhores condições de aquisição desses e, assim, possa garantir a dignidade da pessoa humana.

O método de pesquisa adotado foi o dedutivo, eis que parte de premissas gerais acerca da possibilidade da quebra de patentes no Brasil, confrontando com a Lei nº. 9.279/96 e com os tratados internacionais de que o Brasil é signatário, para, com base nessas análises, chegar a premissas particulares sobre a possibilidade jurídica da quebra de patentes em relação aos medicamentos e ao objetivo final, que é a garantia do princípio da dignidade da pessoa humana.

O objetivo deste estudo consiste em responder, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, à possibilidade da quebra de patentes de medicamentos no Brasil, possibilitando em determinados casos que esses medicamentos sejam fornecidos gratuitamente pelo Estado, para que os portadores de doenças que não detêm condições financeiras de arcar com os custos de um tratamento, possam ter uma vida digna, respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana.

O marco teórico desta pesquisa se baseia no princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente enunciado na Constituição Federal Brasileira de 1988, que dentre os diversos conceitos pode ser entendido como a qualidade íntima de cada ser humano que o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado, implicando-lhe, neste sentido, um complexo de direitos e deveres dentro de uma teoria dos direitos fundamentais.

    Justifica–se o tema proposto pelo seu caráter de grande relevância social, no sentido de possibilitar, por meio da quebra de patentes de medicamentos, que esses cheguem gratuitamente a todas as pessoas que deles necessitam e que estejam em condições de miserabilidade. Assim, o Estado, como órgão responsável pela geração de saúde e pela distribuição de medicamentos, poderá fornecê-los a toda população de que necessita.

Nesse sentido, revela-se a importância da compreensão da função social das quebras de patentes de medicamentos de modo que se encontre o equilíbrio entre a necessidade de medicamentos de qualidade e a possibilidade financeira do paciente em adquiri-los, dando a devida atenção àqueles que vivem na pobreza e que não detêm condições de arcar com estes elevados custos, tudo isso como forma de disseminar o direito à saúde respeitando-se, enfim, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

2 Proteção jurídica das criações humanas por meio de patentes: previsão internacional e nacional

A partir do momento em que o homem passou a ter consciência de que a sua obra era uma propriedade privada e que dela poderia obter rendimentos, podendo cedê-la ou licenciá-la, o Estado começou a dar proteção aos direitos provenientes da propriedade industrial. Segundo os ensinamentos de Furtado, “o direito do criador intelectual sobre suas obras somente foi sentido integralmente quando o homem se tornou capaz de reproduzir e difundir em grande escala as obras do seu espírito”. (1996, p.15).

O Estado que for signatário de um tratado ou convenção internacional deverá harmonizar sua lei interna relativa à propriedade intelectual. Relativamente aos acordos e tratados internacionais, pode-se dizer que são mecanismos de grande importância para a harmonização das legislações nacionais e, sobretudo, para a garantia de direitos de propriedade nos países signatários.

            A discussão sobre as patentes iniciou-se na Inglaterra em 1623, e o primeiro documento formal de proteção da propriedade intelectual criando o “Sistema Mundial de Patentes” foi assinado no ano de 1883 em Paris, na Convenção de Paris, assegurando aos seus signatários a possibilidade de obterem proteção em países estrangeiros. (DEL NERO, 2004, p. 50).

            Já no Brasil, a proteção industrial surgiu no início do século XIX, quando a Corte portuguesa veio para o país fugindo de Napoleão. Desta forma, em 1809 o Príncipe Regente reconheceu o direito do inventor concedendo assim o direito à exclusividade do uso pelo prazo de 14 anos, para as invenções que fossem registradas junto a Real Junta do Comércio (COELHO, 2001, p. 65).

            Em 1824, com a edição de uma nova Constituição surge a possibilidade de proteção dos inventos. Já em 1830 o país consegue a sua independência política e edita uma lei que versava sobre invenções. A primeira lei brasileira sobre marcas surgiu em nosso país somente em 1875, em decorrência dos interesses de um cliente de Ruy Barbosa, a firma Meuron e Cia. O qual possuía a marca Rapé Areia Preta e estava processando a firma Moreira e Cia. Por falsificação pela utilização da marca Rapé Areia Parda (COELHO, 2001, p. 65)

            Apesar de Rui Barbosa, vencer em primeira instância, o referido processo foi anulado posteriormente, tendo em vista não existir no ordenamento jurídico uma norma que descrevesse o ocorrido como sendo um crime, não podendo assim se falar em punição. Com isto a Comissão de Justiça Criminal da Câmara dos Deputados propôs o Projeto de lei o qual fora convertido na Lei nº 2.682/75, referida lei concedia aos comerciantes a possibilidade de utilizar uma marcar como forma de assinatura de seus produtos e que dessa maneira, pudessem diferenciá-los dos demais produtos comercializados (VARELLA, 1996, p.141).

  Portanto, os acordos e tratados internacionais exercem grande influência nas legislações internas dos países, harmonizando-as e garantindo-lhes direitos, conforme se verá com as principais convenções internacionais que seguem.

2.2 Convenção da União de Paris (CUP) e a Convenção de Berna

 Na definição da Convenção de Paris de 1883 (art. 1 § 2), a propriedade intelectual é o conjunto de direitos que compreende as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal. (BARBOSA, 2010. p.11)

O primeiro instrumento de proteção no âmbito internacional foi a Convenção da União de Paris de 1883, para a proteção da propriedade intelectual, seguida pela Convenção de Berna em 1886, referente à proteção dos direitos autorais. Dessas duas convenções foram criados escritórios administrativos que se unificaram em 1893 para formar uma organização internacional denominada Escritório Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual, a OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectual.

O primeiro documento formal para a proteção da propriedade industrial surgiu com a CUP no ano de 1883, tendo como principal objetivo assegurar aos seus signatários a possibilidade da obtenção de proteção em países estrangeiros. (DEL NERO, 2004, p. 51).

A Convenção da União de Paris estabelece que os Estados-nacionais dos países-membros gozarão em todos os outros países da União as vantagens que suas leis concederem, ou venham a conceder, sem prejuízo dos direitos previstos na convenção, tendo a mesma proteção e recursos legais contra qualquer atentado dos seus direitos, desde que observem as condições e formalidades impostas aos nacionais (art. 2º da CUP).[1]

Por sua vez, a Convenção de Berna, datada de 9 de setembro de 1886, desde o início exigiu de todos os países-membros o pleno reconhecimento do direito de autor aos nacionais de qualquer Estado signatário da convenção. (HAMMES, 2002, p.60). Neste documento se estabeleceu que os países signatários que impusessem formalidades aos seus cidadãos até poderiam fazê-lo, mas não poderiam impô-las aos dos outros países signatários, devendo dar-lhes toda a proteção que concedessem aos seus nacionais. (HAMMES, 2002, p. 60).

Segundo Basso, a Convenção de Berna surgiu para a proteção das obras literárias e artísticas, preferindo esta terminologia à de “direitos de autor” ou “direitos autorais” Destaca-se que a Convenção de Berna, assim como a de Paris, desempenhou um papel muito significativo por ser internacional e por contar com um grande número de países-membros. (2000, p. 37-38).

As convenções de Paris e de Berna não visavam apenas resolver conflitos de leis, mas estabelecer o “princípio da proteção mínima”, aceito pelos Estados unionistas, abaixo do qual nenhuma legislação poderia ficar. Ainda, a Convenção de Berna representa um dos tipos mais bem acabados na determinação jurídica dos chamados “tratados-leis”, ou seja, regras de direito objetivamente válidas, onde os Estados figuram como legisladores. (BASSO, 2000, p. 111).

Dessa forma, a Convenção de Berna contribuiu para a transformação do direito internacional, alargando o ciclo dos sujeitos de direito internacional e representando um marco importante na origem da codificação internacional das matérias de direito privado.

  Portanto, conforme acima demonstrado, a Convenção da União de Paris, bem como a Convenção de Berna são consideradas como marcos fundamentais de grande importância na origem do sistema de patentes. Também a Organização Mundial de Propriedade Industrial tem grandiosa importância no sistema de propriedade industrial, considerada sujeito de direito internacional e responsável pelos acordos internacionais, conforme se verá a seguir.

2.3 Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI)

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI passa a fazer a gestão da propriedade intelectual, com a unificação dos direitos, embora não venha a abolir a tradicional divisão existente entre direito dos autores e direito dos inventores; além disso, se destina também à proteção da propriedade intelectual, incluindo os direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, entre outras.

  A Convenção da OMPI define como Propriedade intelectual, a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico. (BARBOSA, 2010, p. 10)

Ressalta-se que a OMPI tem duas categorias de membros: os Estados-membros das Uniões de Paris e de Berna; outros Estados, desde que sejam membros da ONU ou de algum de seus organismos especializados, da Agência Internacional de Energia Atômica, ou parte do Estatuto da Corte Internacional de Justiça; ou, ainda, que sejam convidados pela Assembleia Geral da OMPI. (OLIVEIRA apud BASSO, 2003, p. 40).

A OMPI tem como principal função a de encorajar e estimular a atividade de criação dos indivíduos e das empresas dos países-membros, dessa forma facilitando a aquisição de tét, dessa forma facilitando a a tando a a quisiços.

straus eorganizaçcnicas e obras literárias e artísticas estrangeiras, assim como o acesso à informação científica e técnica contida nas patentes. Nesse mesmo sentido, a OMPI tem como função promover a proteção da propriedade intelectual no mundo inteiro, mediante a cooperação dos países, ficando responsável por aspectos jurídicos e administrativos da propriedade intelectual. Nesse aspecto, seria competente para propor no nível internacional um padrão genérico de princípios sobre propriedade intelectual. (DEL NERO, 2004, p. 129).

Com relação à proteção da propriedade industrial, ainda há a Rodada do Uruguai, que objetivou rediscutir temas relativos ao comércio internacional.

e obras liter

2.4 Rodada do Uruguai – o TRIPs/ADPIC

  A Rodada do Uruguai introduziu o tema propriedade intelectual, bem como as negociações sobre os aspectos comerciais relacionados ao direito de propriedade intelectual.Assim, significou a mais ampla negociação comercial, por envolver mais de uma centena de países. Nesse mesmo aspecto, o oitavo ciclo do GATT–Rodada do Uruguai- trouxe algumas modificações na própria origem da entidade, tratando de ciclo de temas que transcendiam a tradicional abordagem. (HERINGER, 2001, p. 26).

Após cinquenta anos de funcionamento do GATT sem uma organização específica, foi com a Rodada do Uruguai que se voltou a propor a criação de um organismo internacional para tratar das questões relativas ao comércio. (OLIVEIRA apud LEONARDOS, 2003, p. 58). Nesse sentido são os ensinamentos de Oliveira: “Além da diminuição de tarifas, esta rodada trouxe novidades, como a garantia dos direitos de propriedade intelectual e livre comércio extensivas também aos serviços”. (2003, p. 60).

A Rodada do Uruguai teve como um dos seus objetivos o compromisso de abandonar medidas unilaterais de represálias, adotando procedimentos multilaterais para as questões que envolvessem a propriedade intelectual e o comércio. Além de discutir sobre comércio, tratou também de outros temas.

  Assim, a Rodada do Uruguai teve como principal consequência o surgimento de um novo GATT, chamado de GATT-1994, que resultou das modificações feitas no acordo original de 1947. Também o acordo TRIPS foi de fundamental importância na proteção dos direitos de propriedade intelectual, cujo conteúdo será discutido a seguir.

O acordo TRIPS consolidou a proteção relativa aos direitos de propriedade intelectual na sociedade internacional contemporânea, assim como foi um dos principais responsáveis pela vinculação definitiva desses direitos ao comércio internacional.

  O TRIPS funciona, primeiramente, como um instrumento para a instituição de princípios sobre propriedade intelectual e sobre a inclusão desses princípios genéricos sobre a propriedade intelectual, sobre a sua inclusão nas legislações dos países signatários. (DEL NERO, 2004, p. 125). Nesse mesmo sentido, é considerado uma tentativa internacional e institucionalizada para que o sistema de propriedade intelectual, como um todo, e de patentes em particular torne-se uniforme no nível internacional, garantindo a construção mundial de “Sistemas Fortes de Proteção à Propriedade Intelectual”. (DEL NERO, 2004, p. 125).

             Em face das disposições contidas no TRIPS, verifica-se que este tratado objetiva inaugurar no cenário internacional um verdadeiro sistema relativo à propriedade intelectual, acompanhando os movimentos da globalização da economia e permitindo a uniformização nas legislações dos países signatários quanto à disciplina jurídica da propriedade intelectual. (DEL NERO, 2004, p. 143).

 O reconhecimento e a observância dos direitos de propriedade intelectual dependem de valores sociais relevantes, prezando por um equilíbrio entre a promoção da inovação e da difusão e a transferência de tecnologia. O TRIPS, acordo firmado no âmbito do GATT, é considerado um importante instrumento internacional para a proteção da propriedade intelectual. Trata-se de uma regulamentação extensa sobre propriedade intelectual abrangendo patentes, marcas, desenhos industriais e indicação de origem, entre outros. (HERINGER apud BAPTISTA, 2001, p. 22).

  Os principais objetivos do acordo TRIPS são reduzir as distorções e obstáculos ao comércio internacional, promovendo uma proteção eficaz e adequada dos direitos de propriedade intelectual, e assegurar que as medidas e procedimentos destinados a fazê-los respeitar não se tornem obstáculo ao comércio legítimo. Assim, o TRIPS garante aos titulares de patentes direitos exclusivos, tanto para os produtos quanto para os processos, assegurando a patente de produto ao seu titular o direito de evitar que terceiros sem o seu consentimento usufruam dos bens protegidos em favor do titular. (DEL NERO, 2004, p. 142).

  Dessa forma, os acordos e tratados internacionais aqui mencionados exerceram grande influência na legislação brasileira relativa à propriedade industrial, principalmente na Lei n° 9.279/96.

3 A influência dos acordos e tratados internacionais na legislação do Brasil  sobre propriedade industrial –  Lei nº 9.279/96

  A inserção brasileira na legislação internacional de propriedade industrial ocorreu quando a Convenção de Paris foi ratificada em 1967, através da revisão de Estocolmo, tornando-se lei interna pelo decreto 75.572/75. Assim, qualquer patente que tenha sido requerida em qualquer um dos Estados-membros da Convenção de Paris tem validade para o território nacional, e o pedido que tenha sido feito em qualquer um dos países integrantes da Convenção terá assegurado direito de propriedade em todos os outros. (HERINGER, 2001, p. 55).

No contexto internacional, prevaleceu o foro do GATT e o acordo TRIPS para a proposição de um padrão genérico de princípios sobre propriedade intelectual. O acordo TRIPS entrou em vigor no Brasil em 1º de janeiro de 1995. Após a aprovação dos resultados da Rodada do Uruguai do GATT pelo Congresso Nacional, as decisões dela provenientes foram impostas ao Brasil, sendo este país signatário, o que implicou modificações relevantes na sistemática brasileira de propriedade industrial. (DEL NERO, 2004, p. 129-130). 

A Lei Brasileira de Propriedade Industrial, Lei nº 9.279, foi sancionada em 14 de maio de 1996 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, regulamentando os direitos e obrigações relativas à propriedade industrial, bem como tratando da influência no direito brasileiro dos tratados internacionais.

 Em virtude da polêmica existente em torno da regulamentação da propriedade intelectual, mesmo após a aprovação da Lei nº 9.279/96, passou-se a abordar e analisar seus principais aspectos modificativos, assim como os princípios gerais estabelecidos no acordo TRIPS (DEL NERO, 2004, p. 137). Ainda em relação a essa lei, em seu artigo 2º, inciso I[2], diz que as patentes podem ser de invenção ou de modelo de utilidade, tendo cada uma delas seu prazo de validade, que se encontra estabelecido pela nossa lei e adequado ao acordo TRIPS. Assim, ocorre que, quanto maior for o tempo de duração da patente, maior será o monopólio assegurado ao titular da mesma e menor a possibilidade de tornar-se domínio público. (HERINGER, 2001, p. 56).

Com relação ao direito de prioridade, é disciplinado no Brasil nos arts. 16 e 17 da Lei nº 9.279/96, a qual estabelece que a reivindicação da prioridade deve ser feita no ato do depósito, podendo ser suplementada dentro de sessenta dias. [3] Observa-se que o artigo 6º[4] do diploma legal vigente determina que ao autor da invenção ou de modelo de utilidade “será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta lei”.

A Lei nº 9.279/96 trata da titularidade da patente, com a manutenção do sistema do que primeiro depositar, seguindo o Brasil a atual sistemática internacional adotada pelo GATT e que vigora no país. (FURTADO, 1996, p. 48). O texto legal determina que será presumido titular da patente aquele que primeiro efetuar o depósito. Assim, na hipótese de mais de um autor ter realizado a mesma invenção de forma independente, será concedida a patente àquele que tiver depositado por primeiro.

  Entende-se, portanto, que os tratados e acordos internacionais exerceram grande influência no sistema de propriedade industrial brasileiro, principalmente na Lei de Propriedade Industrial, Lei nº 9.279/96, que em seus artigos tratou de forma especial do sistema de patentes, regulando todos os aspectos relativos a sua concessão, prioridade, licença compulsória, entre outros, que serão tratados no próximo capítulo.

4 Possibilidade da quebra de patentes de medicamentos através da licença compulsória

A licença compulsória é um instrumento que pode ser concedido nos casos em que houver a exploração abusiva da patente ou abuso do poder econômico, por meio dela é permitido a terceiros com capacidade técnica e econômica concorrer diretamente com o titular da patente. A simples possibilidade de ocorrer a licença compulsória leva os titulares de patentes a negociarem com interessados de forma que quase não ocorrem as licenças obrigatórias; para o titular da patente é sempre mais interessante negociar do que ser constrangido a conceder a licença. (Hammes, 2002, p. 335).

De acordo com o art. 68 [5]da Lei n. 9.279/96, uma das causas que podem ensejar a licença compulsória consiste na utilização da patente de forma abusiva ou por meio dela praticar abuso de poder econômico. (BRASIL, 1996, p.14).

A lei não define o que seria o uso abusivo da patente, no entanto, a doutrina tem entendido tais casos como aquele que, quando o titular da patente promover a sua exploração, venha a causar prejuízo a outrem, seja de forma dolosa ou culposa. Já com relação à falta de exploração do objeto da patente, esta está diretamente ligado à concepção de território, ou seja, se no território não for fabricado o produto objeto da patente, ou não for utilizado o processo patenteado, estará caracterizada a falta de exploração. (Loureiro, 1999, p. 152-153).

No que tange à insuficiência de exploração do objeto da patente, não é especificado na lei se tanto a demanda nacional como a internacional necessitam ser satisfeitas, bem como se deve ser atendido tanto o mercado interno como o externo. Porém, como a licença compulsória é uma sanção pela não-exploração da patente no território brasileiro, presume-se que deve ser atendido o mercado interno. (Loureiro, 1999, p. 153).

Segundo o art. 68, par. 5º, da Lei de Propriedade Industrial[6], é concedido o prazo de três anos para exploração da patente pelo titular de forma séria e efetiva, de modo a satisfazer às necessidades do mercado. (LOUREIRO, 1999, p. 156), sendo que qualquer pessoa que tenha interesse na patente e com capacidade técnica para a sua exploração é parte legítima para requerer a licença compulsória e explorar o objeto da patente.

O art. 70[7] da Lei de Propriedade Industrial, lei nº 9.279/96, retrata as hipóteses em que a licença compulsória será concedida, ou seja, se ficar caracterizada situação de dependência de uma patente em relação à outra, se o objeto da patente dependente constituir substancial progresso técnico em relação à patente anterior, ou se o titular não realizar acordo com o titular da patente dependente para a exploração da patente anterior. (BRASIL, 1996, p.14-15).

Com relação às patentes farmacêuticas, deve-se salientar que é de interesse do governo, ou seja, qualquer coisa que afete a área da saúde é de interesse do governo. A proteção das patentes farmacêuticas é necessária e exigida pela indústria multinacional de medicamentos baseada em pesquisa para o progresso da humanidade. (Redwood, 1995, p. 15).

O Brasil até hoje ainda não quebrou a patente de nenhum medicamento, o que ocorreu foi apenas uma ameaça de emissão de licença compulsória de patentes entre o governo brasileiro e empresas multinacionais detentoras das patentes, porém esta ameaça quase sempre resultou apenas na redução de preços de alguns medicamentos, sem ocorrer efetivamente à licença compulsória

Contudo, sabe-se que 95% das patentes estrangeiras não são utilizadas nos países em desenvolvimento, mecanismo que só pode ser utilizado como forma de criar obstáculos ao desenvolvimento dos laboratórios nacionais. (Heringer apud White, 2001, p. 95). 

Dessa forma, sem o incentivo necessário às indústrias nacionais, essas empresas não têm condições de concorrer com empresas transnacionais, que detêm tecnologias avançadas e atuam no mundo todo. Destarte, com relação à quebra de patentes de medicamentos, deve-se levar em conta principalmente os preços altíssimos cobrados pelas empresas multinacionais detentoras das patentes e o bem fundamental para que são utilizados esses medicamentos, ou seja, a vida humana.

Assim, o governo deverá intervir quando as empresas multinacionais responsáveis pela fabricação desses medicamentos essenciais formarem conluios e cobrarem preços altíssimos por esses medicamentos. O medicamento é um bem essencial, de saúde pública, devendo ser tratado com mais cuidado pelas autoridades. Porém, a demanda não se dá em virtude de seu preço, mas pela sua eficácia, justamente pelo caráter essencial que representa. Assim, é a incidência de doenças que determina o consumo do produto, o que configura a sua inelasticidade. (Heringer, 2001, p. 65).

A Lei n. 9.279/96, em seu art. 71[8], autoriza o governo em situações de emergência nacional ou interesse público, a exploração da patente sem prejuízo dos direitos do respectivo titular. Assim, o Brasil poderá não só produzir seus medicamentos como também exportá-lo, possibilitando o prolongamento da vida de milhares de detentores da doença. (BRASIL, 1996, p. 15)

Assim, apesar das dificuldades, as empresas nacionais continuam a criar e vencer suas dificuldades, produzindo similares em basicamente três formas: o primeiro modo constitui-se na compra da matéria-prima do exterior; o segundo modo é aquele em que se produz o produto no próprio país através da engenharia reversa ou pela cópia do processo de fabricação disponível nos escritórios internacionais de patentes; e o terceiro modo é a forma de produção de um medicamento no território nacional. (Hering apud Varella, 2001, p. 80-81)

Diante disso, a questão mais importante a ser tratada aqui é a vida humana, visto que é inaceitável deixar que uma pessoa morra por não ter condições financeiras de comprar determinado remédio, em razão, simplesmente, do progresso econômico de empresas privadas. Assim, não se pode admitir que o interesse privado se sobreponha ao interesse público.

5 As licenças compulsórias de medicamentos como promovedoras do princípio da dignidade da pessoa humana

O objetivo do presente trabalho é demonstrar a importância de um dos preceitos fundamentais do ser humano, sendo uma das maiores conquistas do homem, o princípio da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, é de se considerar que este o princípio visa garantir condições justas e adequadas de vida, bem como a proteção da população, e assegurar uma existência com dignidade.

    Os princípios estão inseridos em todas as áreas do conhecimento e desempenham um papel fundamental no desenvolvimento da humanidade. Por meio deles é que se torna possível à evolução do conhecimento e da ciência como um todo.

Por esta razão é que os princípios estabelecem um estado ideal de coisas a ser atingido, em razão do que deve o aplicador verificar a adequação do comportamento a ser escolhido ou já escolhido para resguardar tal estado de coisas[9]. (Ávila, 2003, p. 63).

“Com relação ao significado que se pode atribuir ao princípio da dignidade da pessoa humana, cumpre ressaltar que o valor da pessoa humana encontra suas raízes já na ideologia cristã. Tanto no Antigo como no Novo Testamento encontram-se referências no sentido de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, sendo dotado de um valor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento”. (SARLET, 2001, p. 103).

Desde a Idade Antiga havia referências com relação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nessa época já se dizia que o homem como criação de Deus era provido de valor, não podendo ser transformado em objeto.

Cumpre aqui consignar que o termo “dignidade” provém do latim dignitas, designando tudo aquilo que merece respeito ou consideração. Assim, a dignidade representa uma categoria moral que se relaciona com a própria representação que se faz da condição humana. (RABENHORST, 2001, p. 14-15).

É de se ressaltar que a dignidade da pessoa humana é uma expressão muito vaga, em razão dos diferentes casos concretos de interpretações e aplicação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, sendo que em alguns casos a violação da dignidade da pessoa humana é evidente, em outros, não. (STEINMETZ, 2004, p. 113).

A Carta de 1988 inaugurou os princípios fundamentais num título próprio, inserido na Constituição Federal no art. 1º, inc. III, reconhecendo, nessa época o princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito do direito como uma garantia fundamental, verdadeira cláusula pétrea.

No que diz respeito à dignidade da pessoa humana, importa consignar que a dignidade como qualidade inerente à pessoa humana não pode ser renunciada e alienada, constituindo elemento que qualifica o ser humano e dele não pode ser retirada. (SARLET, 2004, p. 41). 

Assim, sendo a dignidade da pessoa humana uma qualidade intrínseca do ser humano, não pode, de forma alguma, ser renunciada, alienada ou retirada. Destarte, há quem aponte para o fato de que a dignidade da pessoa humana não deva ser considerada exclusivamente como algo inerente à natureza humana, pois também possui um sentido cultural, sendo fruto do trabalho de diversas gerações e da humanidade em seu todo. (SARLET, 2004, p. 46).

Pode-se afirmar que a vida humana tem uma enorme importância no que diz respeito à proteção aos direitos fundamentais, cabendo ao Estado e à população desenvolver e implantar a defesa da pessoa humana por meio do respeito aos preceitos da dignidade. Com relação ao exposto, deve-se considerar que ao indivíduo e sua família devem ser garantidas condições justas e adequadas de vida, além de proteção da população contra as necessidades de ordem moral e material, bem como a asseguração de uma existência com dignidade.

É importante consignar que é função do Estado alcançar condições dignas para a sobrevivência de seus cidadãos, sempre levando em conta o respeito pela dignidade da pessoa humana. Dito de outro modo, o fato da dignidade da pessoa estar diretamente ligada à condição humana de cada indivíduo, não há como descartar uma necessária dimensão comunitária dessa mesma dignidade de cada pessoa e de todas as pessoas, justamente por serem todos iguais em dignidade e direitos e pela circunstância de conviverem em determinada comunidade ou grupo, detendo assim além de uma dimensão individual, também uma dimensão social intersubjetiva em que a lesão da dignidade de uma ou mais pessoas se projeta também sobre a dignidade das demais pessoas que fazem parte da comunidade humana.. (SARLET, 2004, p. 52 e p. 116).

Importa consignar que os direitos fundamentais devem ser reconhecidos e assegurados mesmo que de forma mínima, para que, assim, haja espaço para a dignidade da pessoa humana e para que as pessoas não sofram com a falta de respeito pela vida humana e que não sejam objeto de injustiças. Dessa forma, é garantida isonomia a todos os indivíduos, não se tolerando qualquer tratamento discriminatório e arbitrário. Assim, não são toleradas as discriminações raciais, religiosas, entre outras. 

O princípio da dignidade da pessoa humana está vinculado diretamente a todos os outros direitos sociais e fundamentais, visto que, quanto maior a importância dos direitos sociais, mais efetiva será a vida da pessoa com dignidade. Nesse sentido, salienta-se que, de início, o princípio da dignidade da pessoa vem sendo considerado fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, no sentido de que estes constituem exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa humana, e com base nisso devem ser interpretados. (SARLET, 2001, p. 115).

Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado como o centro dos direitos fundamentais, ou, caso não seja considerado por alguns, pode ao menos o seu conteúdo estar presente em todos os direitos fundamentais sem contradições.

A propriedade é um direito fundamental de todos e o princípio da dignidade da pessoa humana, que é tido como diretriz de todas as relações jurídicas, não será alcançada sem que cada indivíduo possa desenvolver todas as suas potencialidades. Não se pode analisar um dispositivo isoladamente do sistema em que se encontra tampouco analisá-lo em discordância com os princípios e valores fundamentais que compõem a essência desse mesmo sistema.

  O sistema de patentes, sem dúvida alguma, é essencial à evolução da humanidade, tanto na questão tecnológica como na questão econômica. Contudo, não se pode esquecer que fatores sociais devem prevalecer sobre esses aspectos econômicos, principalmente nos países subdesenvolvidos, que não têm condições financeiras de pagar por medicamentos com preços exorbitantes, que são essenciais para sua sobrevivência.

Neste item há um interesse maior da iniciativa privada com relação ao setor de medicamentos, sendo cada vez mais intenso em relação ao interesse pelo governo, que deveria ser prioridade, tendo em vista que o setor farmacêutico é estratégico e que das decisões do governo importam bens fundamentais, como a saúde e a vida de milhares de pessoas. (Heringer, 2001, p. 97).

  Assim, fatores sociais devem prevalecer sobre o interesse econômico, colocando em discussão a possibilidade de quebra de patente. Ainda se ressalta que um grande problema enfrentado pelos países subdesenvolvidos é o baixo nível tecnológico em relação aos países desenvolvidos, além de seu baixo poder de compra de produtos de alta tecnologia.

  É importante citar que a função da administração pública é de proteger a coletividade contra o mau uso da liberdade de alguns, significando proteger a liberdade da maioria contra a de uma minoria. (CARVALHO, 2004, p. 31).

  Dessa forma, deverá o serviço privado sofrer severo controle do poder público, pois os interesses com que trabalha são relevantes e indisponíveis. Como exemplo, com relação à saúde, o Estado deve controlar através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) o fornecimento e o resultado do serviço. (WEICHERT, 2004, p. 130).

  Portanto, sendo a saúde um direito de todos e dever do Estado, segundo o art. 196 da Constituição Federal[10], é inadmissível que se deixe uma pessoa morrer por não ter acesso a determinados medicamentos, tudo em função do progresso econômico de algumas empresas transnacionais. (BRASIL, 1988). Um exemplo bem atual é o da África do Sul, onde a epidemia da AIDS assumiu proporções tão devastadoras que a discussão acerca do preço dos medicamentos sensibilizou o mundo inteiro, pois grande parte da população foi dizimada pela epidemia por não ter condições financeiras de arcar com o tratamento.

A efetividade do direito à saúde tem de passar inquestionavelmente pela materialização da cidadania como fundamento na vida com dignidade da pessoa humana. (ROCHA, 1999, p. 93), “portanto, a sociedade precisa exigir uma ampliação da autuação estatal na prestação dos serviços públicos, em especial nas ações e serviços de saúde”. (ROCHA, 1999, p. 94).

Assim, não se deve deixar de forma alguma que o interesse privado prevaleça sobre o interesse público, principalmente nos casos em que a população necessita de medicamentos para sobreviver. Portanto, em face do exposto, é dever do Estado controlar que as empresas multinacionais responsáveis pela fabricação de tais medicamentos não firam um dos preceitos fundamentais do ser humano, ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana.

6 Considerações Finais

Inovações tecnológicas sempre provocaram mudanças na sociedade e foram, muitas vezes, determinantes na questão da produção, da distribuição e da própria proteção das artes, da ciência e da literatura. A quantidade e os tipos de manifestações artísticas, científicas e literárias sempre dependeram, em certa medida, do estágio da técnica. Foi o avanço técnico que possibilitou a circulação e o surgimento de novas atividades e novos bens culturais como o cinema, a televisão e a fotografia, mas ajudou também a abandonar ou diminuir o prestígio de outras formas de atividades e de objetos culturais como o artesanato e a função de copista. (STAUT JÚNIOR, 2016, p. 27)

O surgimento e o desenvolvimento dos direitos conexos aos direitos do autor estão, igualmente, ligados às mudanças e à evolução na tecnologia. Sem todo um aparato técnico que surgiu e se desenvolveu na sociedade industrial não seria possível sequer pensar na possibilidade de direitos dos produtores fonográficos e dos direitos das empresas de radiodifusão. A importância dos meios técnicos é, sem dúvida, fundamental, para os rumos da produção e da regulação jurídica das atividades artísticas, científicas e literárias. (STAUT JÚNIOR, 2016, p. 28)

Com os avanços técnicos e com a invenção de novas tecnologias que produzem algum tipo de impacto ou de mudança na produção, no acesso e na distribuição de bens intelectuais, de natureza imaterial, todo o sistema jurídico de proteção das propriedades intelectuais também passa por um processo de questionamento e de reflexão intensos. (STAUT JÚNIOR, 2016, p. 28)

  A proteção dos direitos de propriedade industrial é de grande relevância ao desenvolvimento do progresso tecnológico, principalmente no setor farmacêutico, sem o estímulo do direito de exclusividade outorgado pela patente, não haveria investimento privado. Porém, apesar do reconhecimento de efeitos positivos da patente, verifica-se que o direito exclusivo de exploração conferido a seu titular gera custos sociais, especialmente no setor da saúde.

  Ressalta-se que ao elaborar e realizar políticas de saúde pública o Estado deve buscar, concretamente e entre outros objetivos, a contenção e a prevenção de doenças. Assim, para que sejam eficazes essas políticas devem possibilitar que a população tenha acesso a medicamentos.

Constatou-se no decorrer do trabalho que, de acordo com a Lei de Propriedade Industrial Brasileira, lei n. 9.279/96, o país pode emitir licença compulsória permitindo a fabricação de medicamentos no caso de emergência ou interesse nacional.

  Assim, a Lei Brasileira de Propriedade Industrial permite, por ato do Poder Executivo federal, a decretação de licença compulsória temporária no Brasil, desde que obedecidos alguns pré-requisitos, como, por exemplo, o interesse público ou emergência nacional.

  Portanto, a licença compulsória foi instituída para evitar abusos no exercício do direito de exploração exclusiva da patente. Existe a possibilidade de concessão de licenças compulsória ainda em caso de insuficiência de exploração, exercício abusivo, abuso de poder econômico, dependência de patentes, interesse público ou emergência nacional.

Ressalta-se que os países subdesenvolvidos como o Brasil têm poucas condições de adquirir os medicamentos modernos fabricados pelos grandes centros econômicos, ficando prejudicado em função das patentes desses medicamentos. Entretanto, apesar de suas dificuldades econômicas e desigualdades sociais, o Brasil tem investido muito nos últimos anos em pesquisa na área de medicamentos, tendo o país dado bastante incentivo à produção de medicamentos genéricos para o tratamento da AIDS. Tal medida vem sendo adotada pelo governo para evitar que a população corra o risco de ficar sem a distribuição gratuita destes medicamentos, o que resultaria numa catástrofe.

  Ainda, o direito ao acesso de medicamentos e o direito às patentes farmacêuticas são direitos inicialmente declarados pelas organizações internacionais e, posteriormente, incorporados pelos diversos sistemas jurídicos nacionais, como o brasileiro. Não cabe ao Estado ou ao Poder Judiciário acrescentar elementos condicionadores desses direitos, visto que esta prática representa uma afronta direta ao sistema constitucional e à construção internacional dos direitos humanos.

Diante de tudo isso, resta concluir que, de acordo com a Lei de Propriedade Brasileira, lei n. 9.279/96, pode o Estado, por meio de ato do Poder Executivo federal, no caso de emergência nacional, conceder a licença compulsória para os medicamentos da aids. Considerando o princípio da dignidade da pessoa humana, o Estado poderá conseguir a quebra de patentes no intuito de cumprir sua função social e de dar condições dignas para a sobrevivência de seus cidadãos.

De outro lado, deve ser considerado se o Brasil possui autonomia no âmbito internacional para solicitar licença compulsória ou o prejuízo pode ser ainda maior em razão das retaliações que os país poderia receber no âmbito internacional.

Assim, compreender e fazer uso racional das flexibilidades, como por exemplo, as licenças compulsórias, demonstra-se de fundamental importância para a elaboração de leis e políticas sensíveis aos problemas de saúde de um país, desde que respeitados os acordos de cooperação internacionais, para que o Brasil não venha a ser prejudicado com restrições por parte de outros países.

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[1] Art. 2º da CUP – 1. “Os nacionais de cada um dos países da União gozarão em todos os outros países da União, no que se refere à proteção da propriedade industrial, das vantagens que as leis respectivas concedem atualmente ou venham a conceder no futuro aos nacionais, sem prejuízo aos direitos especialmente previstos na presente Convenção. Em consequência, terão a mesma proteção que estes e os mesmos recursos legais contra qualquer atentado dos seus direitos, desde que observem as condições e formalidades impostas aos nacionais”. Disponível em:<http://www.dannemann.com.br>Acesso em: 10 ago. 2006.

[2] Art. 2º.  “A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante.  I – concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade”. (BRASIL, 1996, p. 1)

[3] Art. 16º. “Ao pedido de patente depositado em país que mantenha acordo com o Brasil, ou em organização internacional, que produza efeito de depósito nacional, será assegurado direito de prioridade, nos prazos estabelecidos no acordo, não sendo o depósito invalidado nem prejudicado por fatos ocorridos esses prazos”. (BRASIL, 1996, p. 4)

 Art. 17º. “O pedido de patente de invenção ou de modelo de utilidade depositado originalmente no Brasil, sem reivindicação de prioridade e não publicado, assegurará o direito de prioridade ao pedido posterior sobre a mesma matéria depositado no Brasil pelo mesmo requerente ou sucessores, dentro do prazo de 1 (um) ano”. (BRASIL, 1996, p. 5)

[4] Art. 6º. “Ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta Lei.

 § 1º Salvo prova em contrário, presume-se o requerente legitimado a obter a patente.

 § 2º A patente poderá ser requerida em nome próprio, pelos herdeiros ou sucessores do autor, pelo

[5] Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.

        § 1º Ensejam, igualmente, licença compulsória:

        I – a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação; ou

        II – a comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado.

        § 2º A licença só poderá ser requerida por pessoa com legítimo interesse e que tenha capacidade técnica e econômica para realizar a exploração eficiente do objeto da patente, que deverá destinar-se, predominantemente, ao mercado interno, extinguindo-se nesse caso a excepcionalidade prevista no inciso I do parágrafo anterior.

        § 3º No caso de a licença compulsória ser concedida em razão de abuso de poder econômico, ao licenciado, que propõe fabricação local, será garantido um prazo, limitado ao estabelecido no art. 74, para proceder à importação do objeto da licença, desde que tenha sido colocado no mercado diretamente pelo titular ou com o seu consentimento.

        § 4º No caso de importação para exploração de patente e no caso da importação prevista no parágrafo anterior, será igualmente admitida a importação por terceiros de produto fabricado de acordo com patente de processo ou de produto, desde que tenha sido colocado no mercado diretamente pelo titular ou com o seu consentimento.

        § 5º A licença compulsória de que trata o § 1º somente será requerida após decorridos 3 (três) anos da concessão da patente. (BRASIL, 1996, p. 14)

[6] Art. 68, par. 5º “A licença compulsória de que trata o § 1º somente será requerida após decorridos 3 (três) anos da concessão da patente”. (BRASIL, 1996, p.14).

[7]Art. 70. “A licença compulsória será ainda concedida quando, cumulativamente, se verificarem as seguintes hipóteses: I – ficar caracterizada situação de dependência de uma patente em relação à outra; II – o objeto da patente dependente constituir substancial progresso técnico em relação à patente anterior; e III – titular não realizar acordo com o titular da patente dependente para a exploração da patente anterior. §1º Para fins desse artigo considera-se patente dependente aquela cuja exploração depende obrigatoriamente da utilização do objeto da patente anterior. § 2º Para efeito deste artigo, uma patente de processo poderá ser considerada dependente de patente de produto respectivo, bem como uma patente de produto poderá ser dependente de patente de processo. § 3º O titular da patente licenciada na forma deste artigo terá direito à licença compulsória cruzada da patente dependente.” (BRASIL, 1996, p. 14-15).

[8] Art. 71. “Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular. Parágrafo único. O ato de concessão da licença estabelecerá seu prazo de vigência e a possibilidade de prorrogação”. (BRASIL, 1996, p. 15)

[9] O Estado de coisas pode ser aqui estabelecido como uma situação qualificada por determinadas qualidades.

[10] Conforme reza o art. 196 – “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (BRASIL, 1988).

Por Jamila Etchezar, Mestre em Direito, Democracia e Sustentabilidade pela Faculdade Meridional – IMED, Passo Fundo (2018). Especialização em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário pela Unisc – Santa Cruz do Sul (2017). Mestrado em Direito Ambiental pela Università Cà Foscari di Veneza, Itália (2011). Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo (2007). Diretora da ABA Passo Fundo. Presidente da Comissão Nacional de Direito do Trabalho da ABA.

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