Esdras Dantas de Souza escreve artigo sobre inventário

Considerações gerais sobre o Inventário e a Partilha

Artigo – Desde os primórdios da civilização romana as questões sucessórias são tratadas com especial atenção, pois estavam ligadas de forma visceral ao culto doméstico dos lares e dos penates, base constitutiva da arcaica família romana. Neste contexto, com a morte do pater familiae, abria-se a sucessão para que, normalmente, o filho varão herdasse de seu pai não apenas suas terras, mas, acima de tudo a obrigação de perpetuar e honrar sua memória, prestando-lhe sacrifícios e oblações.

O presente artigo trata de dois aspectos fundamentais do direito sucessório, quais sejam, o inventário e a partilha: procedimentos posteriores ao falecimento da pessoa natural, ou seja, ulterior à abertura da sucessão, e que dão ensejo à transferência dos direitos e obrigações deixados pelo falecido aos seus legítimos e legais herdeiros.

É importante considerar que, logo após o falecimento de uma pessoa natural, surge uma figura jurídica denominada de espólio. 

Espólio

Espólio é o conjunto de direitos e obrigações deixados pelo falecimento que deverão ser transferidos aos legítimos herdeiros que se habilitarem em processo de inventário. O espólio tem sua existência do exato momento do falecimento do de cujus até o trânsito em julgado da sentença que julgar o inventário do autor da herança.

Portanto, com a morte do falecido, seus bens não passam imediatamente para o nome dos seus herdeiros, mas sim permanecerão em poder do espólio que, por conveniência, a lei processual estabelece que seja representado em juízo através da figura do inventariante, tão logo assine o termo de compromisso a ser deferido pelo juiz competente.

A missão do inventariante, de acordo com o que dispõe o art. 1.991 do Código Civil, consiste em administrar o espólio até a sentença de homologação da partilha e regular os temas dos sonegados, da colação e do pagamento de dívidas.  

Inventário

O processo de inventário, por se tratar de matéria processual, está disciplinado nos artigos 610 a 646 do Código de Processo Civil de 2015, sendo que, desde 2007, com a alteração do Código de Processo Civil pela Lei n. 11.441/2006, além do inventário judicial, passou a ser permitido o inventário extrajudicial.

Segundo o art. 610 do CPC/2015, havendo testamento ou herdeiro incapaz, impõe-se o inventário judicial. Todavia, se todos os herdeiros forem maiores, capazes e resolverem fazer a partilha amigável, poderão optar pelo inventário extrajudicial, que se dá através de escritura pública a ser lavrada por tabelionato de notas. Observe-se que a escritura constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de valores depositados em instituições financeiras em nome do de cujus (art. 610, parágrafo 1º, do CPC).

Inventário Judicial

Nos termos do art. 611 do CPC/2015, o inventário judicial deve ser aberto no prazo de dois meses, contados da abertura da sucessão, ou seja, da data do falecimento do de cujus. O mesmo dispositivo aponta ainda que o inventário deverá ser concluído nos doze meses seguintes, prazo esse que poderá ser prorrogado, de ofício ou a requerimento de qualquer interessado, a critério do juiz.

O foro competente para processar e julgar o processo de inventário judicial é o do último domicílio da pessoa falecida, ainda que o óbito tenha ocorrido no exterior (art. 48 do CPC). Na falta de domicílio certo do morto, como na hipótese de não ter ele residência fixa, nem local de trabalho definitivo, o foro para o ajuizamento do processo de inventário será o da situação dos bens imóveis.

Na hipótese da existência de bens imóveis em lugares diferentes, o processo de inventário poderá tramitar em qualquer deles, ou, ainda, caso não haja bens imóveis, o do lugar de qualquer dos bens da herança (art. 48, parágrafo único do CPC).

É pertinente registrar o teor do Provimento n. 56, do Conselho Nacional de Justiça, datado de 14 de julho de 2016, que determina ao juiz do feito consultar o Registro Central de Testamentos On-Line (RCTO), para verificar a existência ou não de testamento público ou cerrado (art. 1º).  Além disso, será obrigatória a juntada de certidão de inexistência d testamento expedida pela CENSEC – Central Notarial de Serviços Compartilhados (art. 2º).

A lei indica que a abertura do inventário deverá ser feita por aquele que estiver na posse e na administração dos bens da herança, no prazo já mencionado. Contudo, a própria lei indica possuir legitimidade para tanto (1) o cônjuge ou companheiro supérstite; (2) o herdeiro; (3) o legatário; (4) o testamenteiro; (5) o cessionário do herdeiro ou do legatário; (6) o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança; (7) o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes; (8) a Fazenda Pública, quando tiver interesse; (9) e o administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge ou companheiro supérstite.

Importa não olvidar que a possibilidade de o juiz, de ofício, abrir o processo de inventário não existe mais, uma vez que o CPC de 2015 não manteve a orientação nesse sentido prevista no Código de 1973.

A abertura do inventário

Para se pedir a abertura do inventário, a lei processual exige que a petição seja instruída com a certidão de óbito do autor da herança (art. 615, parágrafo único, do CPC). Aceito o pedido, o juiz nomeará inventariante, que será intimado a prestar o compromisso legal, no prazo de cinco dias, que deverá cumprir o seu cargo sem dolo nem malícia, se comprometendo a trazer ao processo de inventário todos os bens, valores e informações legais relativas ao falecido, assumindo, desde então, a responsabilidade pela administração da herança, a qual somente cessará quando da sentença homologatória da partilha (art. 617, parágrafo único do CPC c/c o art. 1.991 do CC).

A lei processual estabelece a regra de preferência para a nomeação do inventariante por parte do juiz, nos seguintes termos: (1) o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste; (2) o herdeiro que se achar na posse e administração do acervo: (3) qualquer herdeiro, se nenhum estiver na posse e administração do acervo; (4) o herdeiro menor, por seu representante legal; (5) o testamenteiro, se lhe foi confiada a administração do acervo ou se toda a herança estiver distribuída em legados; (6) o cessionário do herdeiro ou do legatário; (7) o inventariante judicial, se houver; (8) pessoa estranha idônea, onde não houver inventariante judicial (nesse caso, o inventariante será chamado de dativo), conforme previsto no art. 617 do CPC).

Há que se destacar que, antes da entrada em vigor do vigente CPC, o Superior Tribunal de Justiça tinha por certo que o menor não poderia ser nomeado inventariante. Entendia-se que, por ser um ato personalíssimo, a função de inventariante não poderia ser exercida por meio de representação. Contudo, tal entendimento restou superado.

Nos termos do art. 618 do CPC, compete ao inventariante (1) representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, observando-se, quanto ao inventariante dativo, o que dispõe o art. 75, parágrafo 1º; (2) administrar o espólio, velando pelos bens com a mesma diligência que teria se fossem seus; (3) prestar as primeiras e últimas declarações, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais para tanto; (4) exibir em cartório, quando solicitado por qualquer interessado, a qualquer tempo, os documentos relativos ao espólio; (5) juntar aos autos certidão do testamento, se houver; (6) trazer à colação os bens recebidos pelo herdeiro ausente, renunciante ou excluído; (7) prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo, ou sempre que o juiz assim determinar; (8) requerer a declaração de insolvência.

É de bom alvitre frisar que no inventário judicial o juiz decidirá todas as questões de direito, desde que os fatos relevantes se encontrem provados por documentos, só enviando para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas (art. 612 do CPC).  

Inventário extrajudicial

O inventário extrajudicial, conforme já mencionado, é admissível quando todos os herdeiros forem maiores, capazes, quando o de cujus não tiver deixado testamento conhecido e resolverem fazer a partilha amigável, seja qual for o valor dos bens.

Será realizado através de escritura pública, que, como já dito, constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para o levantamento de importância depositada em instituições financeiras (art. 610, parágrafo 1º, do CPC).

É necessário atentar-se para o que dispõe o Provimento n. 56/2016, do CNJ, que torna obrigatória a consulta, por parte do tabelião, ao Registro Central de Testamentos On-Line, para buscar informação sobre a existência ou não de testamento público ou cerrado. Também determina a juntada de certidão de inexistência de testamento expedida pela Central Notarial de Serviços Compartilhados (CENSEC).

Administração da herança no intervalo entre a morte do de cujus e a nomeação do inventariante

O Código Civil, em seu art. 1.797, dispõe que a administração da herança, antes do compromisso de inventariante, incumbe, sucessivamente: (1) ao cônjuge ou companheiro, caso convivesse com o morto à época da abertura da sucessão (inciso I); (2) ao herdeiro que estiver na posse do bem, e, ao mais velho, se mais de um for possuidor (inciso II); (3) ao testamenteiro (inciso III); (4) a quem o juiz nomear, se faltarem as pessoas indicadas anteriormente, ou se forem removidas do cargo (inciso IV).

Colação

Segundo a lei, as doações de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge ao outro, importam adiantamento de legítima (art. 544). Portanto, o descendente ou cônjuge donatário, quando da abertura da sucessão do doador, se concorrendo com outros descendentes, fica obrigado a uma conferência, a fim de que sejam mantidas iguais as legítimas (art. 2002), sob pena de sonegação. Essa conferência chama-se colação. No caso de sucessão por representação, cabe ao sucessor representante levar à colação os bens doados pelo falecido ao representado (art. 2009).

Conclusão

Espera-se que este breve artigo possa lançar luzes sobre um tema de inegável relevância para a vida social, uma vez que a  morte, embora seja um assunto cercado de tabus e que muitos preferem evitar, é, de fato, uma certeza inexorável da existência humana, cabendo a todos buscar, em vida, tomar as devidas providências juridicamente cabíveis para que, quando o momento chegar, possam os entes queridos encontrar o devido amparo para garantir a continuidade da família.

Referências

AFONSO, M. C.T. Serviços notariais e de registro. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2006.

BRASIL. RESOLUÇÃO 35 CNJ de 24 de abril de 2007. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/rescnj_35.pdf. Acesso em 02/11/2021.

VENOSA, S. de S. Direito Civil: Direito de Família. 14. ed. São Paulo, Editora Atlas S.A, 2014.

 Por Esdras Dantas de Souza, advogado, professor, especialista em Direito Público Interno, ex-Serventuário de Justiça, da 1ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões de Brasília, Distrito Federal. Foi Juiz titular do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, presidente da 3ª Câmara e Diretor do Conselho Federal da OAB. Atualmente é presidente da Associação Brasileira de Advogados (ABA).

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