Por: Dr. Ricardo Grandisolli Romano
Ementa: O presente artigo busca trazer, de forma sucinta, o debate sobre tema de suma importância na vida do profissional da saúde, a saber: Autonomia. Isto, pois, dentro da relação médico-paciente, vemos, corriqueiramente, o profissional se subjugando às vontades daquele que buscou sua assistência pelo receio de, ao criar um ponto de divergência, acabar sendo exposto, maliciosamente, nas redes sociais, bem como ser processado judicialmente.
Palavras chaves: autonomia; relação; médico; paciente.
- Introdução.
A autonomia, é a vontade própria. É governar-se por si mesmo. É ter a capacidade de fazer uma escolha racional e emocional diante de uma situação apresentada.
Dentro de uma sociedade dinâmica, que passa por profundas transformações, em todas as esferas sociais, vê-se o respeito a autonomia, por diversas vezes, como um direito supremo aos demais. E, obviamente, referido tema tangencia o médico.
Isto, pois, detém estreito laço com a relação médico-paciente, na medida em que se trata de uma interação que envolve confiança e responsabilidade, caracterizada pelos compromissos e deveres de ambos os atores, permeados pela sinceridade, não havendo que se falar em medicina inexistindo tal relação.[1]
Dentro desta relação compete ao médico, nas sábias palavras de José Pessoa da Silveira Dórea[2], obedecer a quatro pilares fundamentais. Vejamos:
- Confortar: É apoiar, amparar, consolar. A doença provoca uma intolerável sensação de angústia, carência, despertando no paciente uma necessidade de carinho e afeição;
- Escutar: Exige do médico paciência, atenção e interesse. O médico que deseja desenvolver uma relação construtiva com o paciente, não pode demonstrar tédio, impaciência e insensibilidade;
- Olhar: O paciente precisa ser olhado, ele precisa ter certeza de que existe para o médico e não se trata apenas de um registro de computador.
- Tocar: O paciente, por vezes, antecipa como será sua relação com o médico ao primeiro toque que recebe. Precisamos lembrar que o paciente não precisa apenas da habilidade do médico, mas de sua compaixão e desvelo que podem ser transmitidos pelo toque.
E, para que o médico consiga exercer de forma plena todos os ditames que lhe são exigidos, dentro da relação médico-paciente, de forma a ser considerado um profissional competente, se faz necessário, sempre, o respeito a sua autonomia.
- Da autonomia do médico;
Como já explanado, devemos observar que, como toda relação, a do médico e do paciente deve ser uma “via de mão dupla”, na qual as partes, reciprocamente, cumprem com seus deveres e obrigações. Principalmente quando falamos em “autonomia”[3].
Dentro desta ideia, devemos entender, em primeiro lugar, ser médico um profissional liberal. Portanto, detentor de uma liberdade baseada na sua consciência e no seu conhecimento, para fazer as prescrições e orientações que julgar adequadas no exercício da profissão.
Dentro desta a linha de raciocínio, devemos ver a autônima do médico sob dois aspectos. Analisemos.
O primeiro deles é a autonomia técnica, baseada no conhecimento e na ciência que o médico adquire na sua formação e aprimoramento durante a carreira. A segunda trata da autonomia “social”, que corresponde aos vínculos que o médico tem em sua atividade diária[4].
Esta divisão se mostra importante, pois, embora exista uma linha muito tênue que separa a autonomia do médico da do paciente, o médico, em seu dia a dia, pode ter dúvidas de como agir. Isso, pois, cada paciente tem uma experiência, um modo de vida, hábitos e crenças. E, pode haver impacto em determinado tratamento, pela possiblidade de existir um “confronto de conhecimento e de experiências”.
Então, ainda que se tenha em mente que tanto uma autonomia quanto outra devem ser respeitadas, é importante frisar que, mesmo que o paciente valha de sua autonomia, ela não é um direito absoluto e pode, sim, ser relativizada. Por exemplo, quando a vontade do paciente infringir a legalidade, colocar em risco a saúde de terceiros, estiver em iminente risco de morte e/ou, ainda, quando seu desejo for contrário aos princípios do médico que está lhe atendendo[5].
Nunca podemos nos esquecer que o médico, dentro do seu conhecimento médico e científico, terá segurança para prescrever tanto medicamentos quanto orientações, colocando a ciência a serviço de quem está atendendo. É fundamental para o exercício digno da profissão médica, usar a base de conhecimento que tem e a experiência profissional para fazer as prescrições e orientações para os pacientes. Em outras palavras, o médico valerá de sua autonomia em benefício daquele que lhe procurou assistência.
Como exemplo podemos mencionar a variabilidade de drogas não reconhecidas, ou “off label”, para determinada doença. Tal situação, definitivamente, deve estar ligada a questões individuais, nas quais médico e seu paciente, respeitando mutuamente suas autonomias, decidem sobre a utilização ou não do fármaco, discutindo os limites, benefícios e riscos. Lembrando sem que, ao mesmo tempo em que o médico não deve tirar uma esperança, ele também não pode iludir[6].
Não menos importante, devemos lembrar que a autonomia médica é garantido pelo código de ética médica (Resolução CFM 2217/18) em vários dispositivos, inclusive em caráter principiológico, podendo ser mencionado o item VII, VIII dos princípios fundamentais e itens II, IV, V, VIII, IX dos direitos dos médicos.
- Desejo do paciente x autonomia médica;
Como uma boa iniciativa neste contexto, há um projeto norte-americano chamado Choosing Wisely, que já vem sendo aplicado em algumas instituições brasileiras, por meio do qual são divulgados dados técnicos para os médicos e informações em linguagem mais simples e acessível para os pacientes, com o objetivo de fomentar decisões compartilhadas.
A autonomia, dessa forma, passa a ser compartilhada. O médico conta, por exemplo, como encontrou vários trabalhos que mostram determinada situação e cita que, como médico, com a sua experiência, gostaria de prescrever determinado tratamento. O paciente faz os seus questionamentos e existe uma decisão em conjunto, estabelecendo uma relação. Tal interação é fundamental para a sequência do atendimento e tratamento, especialmente se o paciente não quiser seguir ou aderir àquilo que foi recomendado pelo médico, que, dentro de sua autonomia poderá dizer que não acompanha mais o tratamento daquele paciente por não querer seguir a orientação[7].
- Conclusão;
O médico vive em um cotidiano de constante pressão, com suas habilidades e conhecimentos sendo colocado a prova por todos.
Qualquer atitude que se contraponha ao paciente, hospital ou posto de saúde que labora, gera a ele o receio de ser acionado judicialmente, demitido ou ter seu nome exposto em redes sociais de forma a denegrir sua imagem.
Por isso, o código de ética médica, bem como todos os entes de classe, se posicionam de forma correta, ao garantir que o médico possua total direito a ter sua autonomia respeitada por quem quer que seja.
Isto, pois, o médico é o detentor do conhecimento técnico, científico e social para, dentro de suas convicções, trazer a melhor solução para dar ao paciente o tratamento que entender ser o mais eficiente.
Assim, em havendo um conflito entre autonomias, o médico, caso entenda inexistir a possibilidade de um resultado positivo para o paciente poderá e deve, recusar-se a dar continuidade a metodologia proposta, não havendo que se falar em qualquer tipo de responsabilização (cível, penal e administrativa) ressalvando, por óbvio, situações de urgência e emergência dispostas no código de ética médica.
[1] LOPES, Antonio Carlos. A importância da relação médico-paciente. Disponível em https://www.sbcm.org.br/v2/index.php/artigos/2526-a-importancia-da-relacao-medico paciente#:~:text=A%20rela%C3%A7%C3%A3o%20m%C3%A9dico%2Dpaciente%20%C3%A9,intera%C3%A7%C3%A3o%20verdadeira%2C%20n%C3%A3o%20existe%20Medicina>. Acesso em 03 de fev de 2023 às 15:00 horas.
[2] DÓREA, Antonio J. P. da Silveira. Relação médico x paciente. Disponível em <https://portal.cfm.org.br/artigos/relacao-medico-x-paciente/> Acesso em 03 de fev. de 2023 às 15hrs29min.
[3] MENEZES, Fernanda M. M. O limite da autonomia de cada um na relação médico-paciente. Disponível em <https://direitomediconapratica.jusbrasil.com.br/artigos/1332750666/o-limite-da-autonomia-de-cada-um-na-relacao-medico-paciente>. Acesso em 05 de fev. 2023 às 17hrs22min.
[4] BRASIL, CRMPR. Autonomia médica e relação médico-paciente. Disponível em < https://www.crmpr.org.br/Autonomia-medica-e-relacao-medicopaciente-sao-temas-de-entrevista-no-Saude-Debate-11-57265.shtml> . Acesso em 05 de fev. 2023 às 17hrs27min.
[5] MENEZES, Fernanda M. M. Op. Cit.
[6] BRASIL, Movimento Saúde. Em debate: autonomia médica e relação médico-paciente em tempos de pandemia. Disponível em < http://movimentosaude.com.br/fala-doutor/2382/em-debate-autonomia-medica-e-relacao-medico-paciente-em-tempos-de-pandemia> . Acesso em 05 de fev. 2023 às 18hrs17min.
[7] BRASIL, CRMPR. Autonomia médica e relação médico-paciente. Disponível em < https://www.crmpr.org.br/Autonomia-medica-e-relacao-medicopaciente-sao-temas-de-entrevista-no-Saude-Debate-11-57265.shtml> . Acesso em 05 de fev. 2023 às 18hrs22min.