Atuação Extrajudicial do Advogado

Quais as responsabilidades do profissional neste tipo de atuação

Por: Quezia Goulart

Introdução

            Com a pandemia e com a justiça cada vez mais lenta e assoberbada, surge ao profissional do Direito uma não tão nova saída para otimizar a sua atuação. Este é o campo da extrajudicialização. Mesmo sendo uma atuação com retorno financeiro mais rápido, tendo em vista a desburocratização e a desnecessidade de andamentos processuais, precisamos ter cuidado com este tipo de serviço ofertado ao cliente, evitando desdobramentos que podem causar a responsabilização do advogado.

  1. Extrajudicialização das demandas

            A advocacia extrajudicial surge da perspectiva de desjudicialização. Trata-se da ideia de encaminhar para o Poder Judiciário somente as ações de extrema necessidade. Não temos essa cultura, mas precisamos cada vez mais nos acostumarmos e, sobretudo, utilizarmos de mecanismos extrajudiciais sem a necessidade de um aval de um juiz.

            Com o advento da Lei nº 11.441/2007, por exemplo, tornou-se possível a realização, por via administrativa, de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais, em que não esteja envolvido o interesse de incapazes, através da lavratura de escritura pública em Tabelionatos de Notas da escolha das partes.

            Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil, em 2016, observamos que um dos seus nortes principiológicos é a extrajudicialização das causas, buscando a solução dos conflitos e ainda retirando do judiciário a necessidade de exercer os poderes do Estado-Juiz.

            Além disso, há diversos provimentos e resoluções do Conselho Nacional de Justiça que exemplificam essa desnecessidade de acionar o judiciário para atender as necessidades das partes envolvidas.

            A seguir, veremos onde há essa irrelevância da atuação do Judiciário e onde o advogado pode ou deve atuar.

  • Desjudicialização dos procedimentos

A Lei 11.441/2007 é um marco na desjudicialização de procedimentos antes exclusivos judiciais. A norma em tela possibilitou a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa, em qualquer Tabelionato de Notas, conforme citado anteriormente, sem as regras de competência ou prevenção previstas no Código de Processo Civil em vigor.

A referida lei instituiu os arts.1.124-A ao antigo Código de Processo Civil, sendo substituído pelo art.733 e parágrafos do CPC/2015, que versam o seguinte:

Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.

§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.[1]

      Desta forma, a atuação do advogado, mesmo na esfera extrajudicial, é essencial, não podendo o divórcio, a dissolução da união estável ou o inventário ser lavrado sem a presença e assinatura do profissional.

Existem outros atos que não necessitam do aval do judiciário, como o Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça que prevê a possibilidade do reconhecimento da filiação socioafetiva diretamente em cartório, posteriormente, alterado pelo Provimento nº 83/2019 do CNJ, delimitando que somente as pessoas acima de 12 anos de idade podem ter a paternidade ou a maternidade socioafetiva reconhecida perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

Outro exemplo é a lavratura de pactos antenupciais e contratos de convivência, que são documentos que regularão o regime de bens e questões extrapatrimoniais em razão do casamento e da união estável, respectivamente.

Os exemplos acima citados não necessitam da atuação direta do advogado, mas a consulta ao profissional do Direito torna-se um conselho essencial, tendo em vista que no caso da socioafetividade, por exemplo, a mesma garantirá direitos sucessórios às partes envolvidas. A mesma questão envolve a escolha do regime de bens em um pacto antenupcial ou contrato de convivência, por exemplo, que implicará a forma de divisão de bens em vida ou em decorrência da morte.

      A atuação do advogado na esfera extrajudicial nem sempre é necessária, mas sempre que instada, deverá ser realizada de forma lisa e evitando prejuízos, podendo o profissional responder por sua ação ou omissão, conforme veremos a seguir.

  • Cuidados na atuação extrajudicial

A advocacia extrajudicial é, como dito, uma modalidade que proporciona um bom retorno econômico, além de uma maior comodidade, já que as necessidades de locomoção são, em grande parte, reduzidas. Essa mesma atuação exige comprometimento e experiência jurídica.

O advogado, nas demandas judiciais, tem, em tese, a obrigação de meio, ou seja, o advogado não assume a obrigação de ganhar a causa, mas deverá zelar pelo bom andamento processual. Sua atuação consiste em apresentar as devidas diligências e em defender a parte perante o juízo, da maneira mais eficaz possível. Logo, se o advogado perder a causa, e o mesmo comprovar que agiu dentro dos limites necessários, observando a legislação e acompanhando os andamentos processuais, não há que se falar em responsabilização civil ou criminal.

Existem duas funções diferenciadas do advogado defendidas por Antônio Rangel Dinamarco, o qual diz que “a advocacia tem duas frentes: a judicial e a extrajudicial. A primeira, de caráter predominantemente contencioso (…); e a segunda, eminentemente preventiva [2]”.

Na função extrajudicial, o advogado atua como consultor contratado com uma finalidade certa (para conseguir registros públicos de certos documentos, por exemplo), podendo resultar em um contrato de obrigação de resultado. Mas esse resultado esbarra nos provimentos, resoluções e por vezes, exigências incabíveis dos cartórios, devendo o advogado sempre manter o seu cliente ciente das dificuldades. Neste caso, não estará o advogado incorrendo em qualquer responsabilização, não tendo a obrigação de resultado assumida.

Por fim, vale destacar que o art.32, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil) versa que o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa e ainda complementa em seu art.34, inciso V, que constitui infração disciplinar assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado [3].

Conclusão

            A atuação extrajudicial do advogado é um excelente campo de atuação. Requer conhecimento e bastante estudo, mas pode se demonstrar bastante rentável, se realizado com afinco e responsabilidade.

            Nós, advogados, precisamos valorizar a nossa atuação e não apenas isso, mas sabermos que uma mera assinatura em uma escritura de divórcio, sem a devida atenção e know-how, pode gerar uma infração disciplinar julgada junto ao Tribunal de Ética da OAB.

            Trabalhar em parcerias confiáveis, elaborar um bom contrato de prestação de serviços e cursos de especialização são a chave do sucesso na área de atuação extrajudicial.

Referências

[1] BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Publicado no Diário Oficial da União de 17 de março de 2015 (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm).

[2] DINAMARCO, Candido Rangel, GRINOVER, Ada Palegrini; Teoria Geral do Processo, 22ª Ed., p. 237.

[3] BRASIL. Lei 8.904, de 4 de julho de 1994. Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Publicado no Diário Oficial da União de 4 de julho de 1994 (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm).

Dra Quezia Goulart
Membro da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões da Associação de Advogados do Brasil (ABA/RJ). Advogada atuante nas áreas das Famílias e Sucessões e Conciliadora no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Mediadora pelo CASA – Centro de Atendimento de Soluções Alternativas. Associada ao IBDFAM e IBPC. Pós-Graduada em Direito Civil pela Anhanguera. Especialista em Processo Civil pela PUC/RJ. Pós-Graduada em Direito de Família e Sucessões pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Capacitada em Testamento Vital. Instagram @topicofamiliar Cofundadora do @nitjur

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