Por: Dra. Patrícia Trindade do Val
Não é de hoje que o monitoramento de funcionários em teletrabalho é uma realidade. Mas a questão é: essa atividade é legal? E se sim, existe limite para esse monitoramento?
Primeiramente, vamos entender o que é teletrabalho.
A previsão legal para o teletrabalho aparece no art. 6º da CLT, e afasta a distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância. E o §único desse mesmo art., introduzido em 2011, estabelece que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.
Ainda, com a reforma trabalhista trazida pela Lei 13.467/2017, foi incluído um novo capítulo na CLT dedicado especialmente ao tema: Capítulo II-A, “Do Teletrabalho”, com os artigos 75-A a 75-E. Esses dispositivos definem o teletrabalho como “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.
E temos também, a Lei nº 14.442/2022 que trata das regras de teletrabalho, e mais uma vez não menciona o termo “monitoramento”, sendo vaga e abrindo campo para interpretações.
Veja que na definição legal de teletrabalho, não traz proibição de monitoramento dos funcionários, pelo contrário, estabelece que poderão ser utilizados meios tecnológicos de controle e supervisão. E somado a falta de uma regulamentação específica tratando sobre o monitoramento do trabalho remoto dos funcionários, torna esse cenário cheio de brechas e na dependência do bom senso de cada empresa, no uso adequado dessa medida de controle.
O que nos traz uma outra questão fundamental. Qual é o limite desse monitoramento?
Algumas empresas que já se utilizavam do monitoramento, agora adotam também, técnicas que permitem detectar se o funcionário está simulando o trabalho. Essas ferramentas que são instaladas nos computadores, controlam a produtividade através da atividade do teclado ou mesmo por meio da geolocalização.
Essas ferramentas são chamadas de “bossware”, software usado para monitorar as atividades
— câmera, microfone, movimento do mouse ou sites — de funcionários em teletrabalho.
E do outro lado, os funcionários buscam evitar estes tipos de dispositivos, recorrendo a outras ferramentas, que simulam, por exemplo, o movimento do mouse para não deixar que o computador entre em modo de suspensão.
Somado ao uso desses softwares de rastreamento, tem a questão do conhecimento ou não, por parte dos funcionários, do monitoramento feito por estas ferramentas.
Em uma pesquisa citada pela Harvard Business Review, algumas empresas destacam que monitorar secretamente seus funcionários pode ser perigoso para os empregadores.
“Os funcionários vigiados, são mais propensos a realizar pausas sem consulta, danificar bens no escritório, roubar materiais e trabalhar de forma deliberadamente mais lenta” do que aqueles que não são sujeitos a este tipo de prática, segundo a revista.
E por conta disso, tem aumentado as reclamações trabalhistas cujo tema é geolocalização, por exemplo.
Pedidos de divulgação de dados de geolocalização por empregadores e empregados, tiveram inclusive algumas decisões de indeferimento.
Por parte do empregador, fundamentadas no respeito à privacidade e à autodeterminação informativa do trabalhador, em detrimento de eventual garantia à ampla defesa da empresa.
Pelo empregado, fundamentadas em possível violação à LGPD.
Exemplos de casos de monitoramento de funcionários em teletrabalho, surgem no mundo todo.
Um dos casos foi de uma australiana que foi demitida depois que o chefe usou um software que rastreava atividade de digitação. O gerente alegou que a função exigia mais de 500 toques no teclado por hora – ela tinha uma média de menos de 100.
O outro foi com o Michael Patrón, um usuário do X, antigo Twitter, fez um post dizendo que acabara de demitir dois trabalhadores que usavam tecnologia de movimento do mouse para simular que estavam trabalhando. Patrón descobriu o fato com um relatório da Time Doctor, empresa de análise de dias de trabalho, que identificou que havia longos períodos de tempo em que os trabalhadores não estavam digitando.
O banco Wells Fargo demitiu uma dezena de funcionários nos Estados Unidos por “simulação de atividades no teclado do computador”, um exemplo da disposição de algumas empresas obcecadas pela produtividade em descobrir armadilhas na era do teletrabalho.
Na fábrica da Tesla em Nova York, os trabalhadores disseram que a empresa monitora o quão ativos eles estão em seus computadores – e que, como resultado, eles evitavam ir ao banheiro.
E fazendo um parêntese nessa discussão, temos que lembrar que são inegáveis os benefícios do trabalho remoto quando analisamos sob o contexto do acesso ao ambiente físico, porém, é necessário avaliar também sob a ótica da produtividade, criatividade e inovação.
Dados publicados na Revista Época Negócios, na edição de fevereiro de 2024 e artigo de abril de 2024, mostram que as empresas que mantiveram modelos híbridos ou flexíveis de trabalho em 2022, tiveram mais vendas do que empresas que voltaram para o modelo presencial dos escritórios.
Isso pode ser uma realidade quando tratamos de produtividade individual, que não necessita de colaboração em equipe para o resultado.
Todavia, a solução de problemas e as inovações ocorrem em ambientes com conexões mais próximas e legítimas entre as pessoas, pois entre a geração das ideias e suas implementações é necessário uma série de interações para comunicar, buscar apoio e implantar a solução.
O mesmo artigo, da Época Negócios, apresenta que, quando avaliamos o home-office sob a perspectiva da inovação, o contexto se inverte. O trabalho remoto dificulta a inovação, pela falta de ambiente para os processos sociocognitivos, necessários para o desenvolvimento de ideias.
Voltando a questão central, e para concluir, o monitoramento de funcionários é considerado uma prática legal, desde que a empresa respeite os princípios constitucionais desses, como a sua privacidade.
Por isso, a empresa não pode iniciar o monitoramento dos funcionários sem ter uma finalidade adequada, sem dar conhecimento prévio, e ter regras claras e transparentes.
Justificar o monitoramento com a finalidade de medir produtividade não é ilegal, mas como será realizada essa medição é que temos a linha tênue da legalidade.
A exposição do funcionário e a sua privacidade, estão protegidas pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, seja no Brasil ou na Europa. E com isso, os limites do monitoramento devem estar muito claros entre as partes.
As decisões dos tribunais brasileiros ainda são conflitantes, e enquanto não tivermos uma regulamentação clara sobre o tema, todo cuidado é pouco!
PATRICIA TRINDADE DO VAL, Advogada formada há 32 anos, consultora em gestão empresarial e compliance. Especialista Master of Law em Proteção de Dados LGPD e GDPR pela FMP e Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Assessora as empresas do Brasil e Portugal a se adequarem as normas LGPD e RGPD. Autora de artigos sobre proteção de dados pessoais. Advogada inscrita na OAB/SP e na OA Lisboa em Portugal. Instagram: @patriciatval e Linkedin: Patricia Trindade do Val