Artigo. HOLDING FAMILIAR COMO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO

Sumário: 1. Questões atuais – Relevância e Características; 2. Instrumentos Adotados Como Planejamento Sucessório; 3. O imposto da morte vai aumentar; 4. Qual a solução?; 5. Holding Familiar – Um Sistema Sofisticado e Altamente Eficaz; 6. Conclusão; Referências.

1. Questões atuais – Relevância e Características

Depois do enfrentamento da Covid19, momento em que a morte virou tema diário em todos os lares, passou-se a encarar a finitude do ser humano de frente. O tabu que o tema provocava ficou de lado, abrindo espaço ao enfrentamento da realidade, o que trouxe inevitável inquietação em deixar todo patrimônio organizado, minimizando os problemas que nossos herdeiros podem enfrentar quando não estivermos mais aqui.  Verdadeiro ato de amor!

Aliado a esse panorama, nos últimos tempos, tem havido um enorme esforço na divulgação, pelos meios digitais, de um tema novo aos brasileiros, a possibilidade de se adotar um Planejamento Patrimonial e Sucessório por meio da Holding Familiar.

Perante esse cenário, muitos brasileiros tem demonstrado interesse sobre o tema, uma vez que a dura e trágica realidade trazida pela pandemia fez com que a sociedade mudasse de paradigma, passando a pensar em formas de planejar a preservação de seu patrimônio para além de sua vida.

Quem já passou por um processo de inventário ou, pelo menos, ouviu falar, sabe que, no mais das vezes, trata-se de um processo longo, com alto custo e, geralmente, rodeado de muitas desavenças familiares que até então não existiam.

Essa possibilidade é assustadora aos olhos dos pais que não suportam a ideia de haver desavenças entre seus herdeiros por causa de herança. Aliado a isso, o processo de inventário trará, inevitavelmente, a dilapidação do patrimônio, mesmo que o processo se dê de forma amigável.

Isso porque, a carga tributária incidente sobre a herança é pesada e implacável, fazendo com que, não raro, os herdeiros tenham que lançar mão de um dos bens da herança – ou do único bem a ser partilhado -, para fazer frente aos gastos do processo.

O alto custo com o processo de inventário não se limita ao chamado imposto da morte, o ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, em alguns entes da Federação são denominados de ITCD ou ITD.

Referido imposto deverá ser recolhido em favor do Estado, sendo que, no Estado de São Paulo, por exemplo, a alíquota corresponde a 4% (quatro por cento) sobre o valor atualizado de todos os bens a serem partilhados.

A alíquota máxima desse imposto é de 8% (oito por cento), sendo que esse percentual varia de Estado para Estado.

Os custos do inventário englobam as custas judicias ou extrajudiciais, gastos com certidões, registro de imóveis, além dos honorários advocatícios que também representam um valor elevado, visto que, de acordo com o parâmetro incerto na Tabela de Honorários da Ordem dos Advogados do Brasil, estes variam em torno de 6% a 10% do patrimônio a ser transmitido aos herdeiros.

Portanto, ao se ter conhecimento de todos esses aspectos muitos brasileiros passaram a adotar algum mecanismo de planejamento sucessórios nos últimos anos, visando a preservação dos laços familiares, com uma partilha rápida, eficiente e econômica.

No entanto, como se verá a seguir, os instrumentos mais conhecidos e que comumente são utilizados por grande parte da população como forma de planejar sua sucessão não trazem a eficiência e economia tão almejadas e, pior, não evitam os litígios entre seus familiares.

  • Instrumentos Adotados Como Planejamento Sucessório

2.1. Testamento

O testamento é o primeiro meio de planejamento sucessório considerado pela família brasileira, por ser o mais conhecido e, portanto, o mais adotado.

Inclusive, durante a pandemia várias foram as matérias jornalísticas que deram conta do grande aumento de testamentos que passaram a ser realizados no país.

Para se ter uma ideia, de acordo com o site G1, no primeiro semestre de 2021 o aumento de testamentos realizados no Estado de São Paulo representou 94,21% em relação a dez anos atrás.[1]

Entretanto, o que as pessoas não sabem, é que o testamento representa um instrumento obsoleto e ineficaz, quando o que se busca ao fazê-lo é exatamente o contrário.

Isso porque, o testamento não impede o inventário e, pior, traz mais entraves para o alcance da eficiência do processo.

Existindo um testamento há a necessidade de levá-lo a homologação judicial para sua validade, momento em que o juiz se certificará de que o documento preencheu todos os requisitos legais para sua validade, o que representa mais morosidade.

Além disso, o fato de o autor da herança ter deixado por escrito como quer que seja feita a partilha de seus bens, não impede que seus herdeiros impugnem o testamento. É muito comum ver herdeiros contestando judicialmente a manifestação de última vontade deixada por seus pais, sob as mais diversas alegações, sempre buscando a anulação de parte ou de todo o testamento.

Note-se, ainda, que no testamento a onerosidade é ainda maior, pois envolve mais despesas judiciais e com advogado, as quais se somarão às despesas inerentes ao inventário, conforme elencado anteriormente.

Esses os motivos que tornam o testamento um instrumento ineficaz, quando o que se quer é rapidez, eficiência e economia na transmissão da herança.

  •  Doação

Muitas famílias adotam a doação de bens com reserva de usufruto como forma de evitar o inventário e, consequentemente, evitar o litígio entre os herdeiros.

No entanto, no afã de organizar sua sucessão, acabam por não considerar os reveses que podem ocorrer em sua vida, como também, desconhecem que essa opção é tão onerosa quanto o inventário.

No momento da doação, o autor da herança terá de pagar ao Estado o mesmo imposto que deve ser pago no inventário, o imposto causa mortis, e nas mesmas bases percentuais.    

Afora o imposto elevado a ser pago, há o fato de que a doação, mesmo com cláusula de usufruto, retira do proprietário sua autonomia sobre o bem.

A doação retira do dono o poder amplo de gestão do seu patrimônio.

A cláusula de usufruto preserva o uso e os frutos advindos daquele bem ao seu dono, fazendo com que este possa desfrutar do bem, mas não lhe permite dispor dele caso seja preciso.

Exemplificando, na hipótese do patrimônio se restringir a uma casa, o proprietário que o der em doação somente poderá morar na casa (uso) ou alugar, ficando como valor da locação para si (frutos). Caso tenha a necessidade de vender referido bem não poderá fazê-lo, visto não ser mais seu dono.

Nessa situação, os pais contarão com a boa vontade de seus herdeiros, que são os novos proprietários da casa, para que “autorizem” sua venda. Caso eles assim não entendam, não há como vender esse bem.

Em suma, fazendo a doação dos bens aos seus herdeiros, os pais ou proprietários do patrimônio perdem a autonomia sobre seu acervo.

  • Seguro de Vida

Há alguns anos as seguradoras passaram a disponibilizar um plano securitário, com a finalidade de custear as despesas de funeral e também do procedimento sucessório, o que vem sendo adotado por muitos como forma de planejamento sucessório.

Porém, essa providência não se traduz em instrumento de planejamento sucessório, na medida em que não cria nenhuma espécie de proteção patrimonial, não reduz os gastos necessários no processo de inventário e, muito menos, evita as desavenças familiares.

O ideal em se tratando de seguro de vida, é que seja feito dentro de um sistema de planejamento em que o valor recebido sirva para ajudar os herdeiros a seguirem em frente e não para pagarem despesas do inventário e não ficarem com nada desse dinheiro.

Ademais, como se sabe, as seguradoras adotam todos os tipos de empecilho, muitas vezes inimagináveis, para não pagarem o prêmio.

Nesses casos, só restará ingressar com ação para tentar reverter a decisão da seguradora, o que levará vários anos na justiça.

Dessa forma, resta claro que o seguro de vida, neste caso, não atingirá seu intento, visto que, além do já exposto, poderá não garantir o custeio do processo de inventário, visto que não há como prever qual será, efetivamente, o total desses gastos.

  • O Imposto vai aumentar

O Inventário é extremamente oneroso e o mais pesado dos ônus financeiros é justamente o tributário, o Imposto que incide sobre a Transmissão de bens por Causa Morte ou Doação.

Ante a crise econômica em decorrência da pandemia, que foi ainda mais avassaladora sobre os Estados, fez com os entes da Federação buscassem aumentar o chamado ITCMD, que é o imposto a ser pago ao Estado quando do inventário, conforme anteriormente dito.

De acordo com o que determina uma resolução do Senado Federal que, em cumprimento as suas atribuições constitucionalmente previstas, a alíquota máxima do ITCMD foi fixada em 8%, sendo que, até então, somente 3 (três) Estados vinham adotando esse percentual (quase todos giravam de 2% a 4%).

A partir de então, a maioria dos Estados alteraram suas Leis e passaram a praticar a alíquota máxima permitida do ITCMD, elevando sobremaneira sua arrecadação fiscal, pesando ainda mais no bolso do contribuinte.

Em alguns Estados os projetos de lei prevendo referido aumento ainda estão em tramitação, a exemplo do Estado de São Paulo.

Esse é mais um bom motivo para se evitar o inventário.

  • Qual a solução?

O ideal é que os bens pertençam a uma pessoa que tenha vida eterna.

A única forma possível disso acontecer, é fazer com que os bens pertençam a uma pessoa jurídica, que pode ter vida eterna a depender, unicamente, da vontade das pessoas que a controlem.

Assim, sendo a pessoa jurídica proprietária do acervo patrimonial é possível organizá-la de modo que a sucessão em seu comando se faça sem a necessidade da realização de inventário.

Outra grande vantagem de se ter os bens em nome de uma pessoa jurídica reside no fato de que, os sócios, donos do patrimônio a ser transferido para referida empresa, permanecem sob o controle absoluto dos bens, podendo dar o destino que quiser aos mesmos sem depender da anuência de qualquer pessoa, inclusive de seus herdeiros.

Em suma, é possível adotar um planejamento sucessório familiar constituindo uma pessoa jurídica, que terá como sócios os donos de todo o patrimônio, fazendo com que, quando estes não estiverem mais aqui, a sucessão dessa pessoa jurídica se dê sem a necessidade de se passar pelo doloroso e custoso processo de inventário.

  • Holding Familiar – Um Sistema Sofisticado e Altamente Eficaz

Como visto acima, levar os bens das pessoas físicas para dentro de uma pessoa jurídica, além de permitir que não seja necessário passar pelo inventário, permite que seja realizado um planejamento patrimonial e sucessório extremamente eficaz e absolutamente econômico, uma vez que a pessoa jurídica, na maioria das vezes, possui uma eficiência tributária muito maior em comparação a pessoa física. Verdadeira economia lícita de tributos.

A pessoa jurídica utilizada para realizar esse planejamento patrimonial é a chamada Holding. O sistema consiste na constituição de uma Holding, sob a modalidade patrimonial, e como se trata do planejamento patrimonial da família, esta recebe a denominação de Holding Familiar.

No Brasil, as Holdings existem desde 1976, quando entrou em vigor a Lei de S/As, mas nos Estados Unidos e em quase toda a Europa, elas já estão presentes nos últimos 3 (três) séculos.

Até poucos anos atrás, a Holding Familiar só era utilizada pelas famílias mais abastadas, as quais, no mais das vezes, possuíam grandes empresas e tinham como objetivo principal planejar a sucessão e a preservação das empresas familiares, permitindo sua perpetuação para as gerações futuras.

Hoje, a Holding Familiar está a serviço de grande parte das famílias brasileiras, uma vez que sabe que não é necessário ser um milionário e nem um grande empresário para justificar a sua constituição.

Feita uma análise minuciosa de vários aspectos relevantes que devem ser considerados antes de se optar em seguir adiante com o planejamento, sendo um dos mais importantes o aspecto tributário, passa-se para a próxima fase que é o efetivo planejamento sucessório.

Para garantir eficiência no planejamento sucessório de uma família é necessário conhecer a constituição daquele núcleo familiar, identificar os anseios e receios dos genitores em relação aos seus herdeiros e ao patrimônio a ser herdado e, no caso das famílias empresárias, entender o modelo de negócio formado por aquele núcleo familiar.

Isso porque, a Holding Familiar exerce um papel importantíssimo às famílias empresárias, muito além de eventual eficiência tributária e organização patrimonial e sucessória, que é a preservação dos negócios familiares, garantindo sua perpetuidade, diante da manutenção da governança vigente na empresa.

A fim de alcançar os objetivos delineados pelos genitores como sendo primordiais à manutenção e gestão de seus bens, se faz necessária a adoção de vários elementos jurídicos quando da constituição da pessoa jurídica, bem como, quando da elaboração do acordo de sócios da referida sociedade, sempre tendo em mente as características da família em questão.

São exemplos desses elementos jurídicos: a. a doação das quotas do capital social da Holding Familiar aos herdeiros, de forma que seus efeitos apenas passem a reverberar após o falecimento dos donos dos bens. b. Instituição de usufruto vitalício sobre as quotas da Holding em favor dos donos dos bens, ambos os genitores, podendo ser estabelecido ainda que, morrendo um dos pais o usufruto deste passe para o cônjuge sobrevivente, só sendo revogada referida cláusula quando ambos os pais falecerem. c. Instituir a cláusula de incomunicabilidade das quotas doadas aos herdeiros, a fim de impossibilitar que estas possam se comunicar com os cônjuges presentes ou futuros destes. d. Instituir a cláusula de inalienabilidade sobre as quotas da empresa, a fim de impossibilitar que os herdeiros possam vender essas quotas antes do término do usufruto, o que ocorrerá quando do falecimento dos pais. e. Instituir a impenhorabilidade sobre as quotas da Holding, a fim de impedir a penhorar do produto das quotas. f. Inserir cláusula de reversão, de forma que as quotas retornem ao dono originário, caso haja a infelicidade de um dos herdeiros falecer primeiro, evitando que referidas quotas sejam transferidas aos herdeiros do filho falecido. g. Instituir poder político soberano aos pais, donos dos bens, de modo a garantir a administração total e irrestrita dos bens que agora pertencem a pessoa jurídica.

Essas são apenas algumas das cláusulas possíveis de previsão em um planejamento sucessório bem delineado. No entanto, resta claro que a engenharia empregada na construção do planejamento sucessório é absolutamente minucioso, objetivando trazer segurança e tranquilidade tanto aos proprietários do acervo patrimonial quanto para seus herdeiros. 

De todo o exposto, o que se conclui é que o principal objetivo do planejamento patrimonial da família é a continuidade do patrimônio para as gerações futuras, diante da organização e estruturação desse patrimônio, de acordo com os anseios e objetivos de cada família em particular.

A mudança de paradigma da família brasileira é necessária, fazendo com que o Planejamento Sucessório passe a ser regra, já que é capaz de evitar desavenças familiares, trazer melhor eficiência tributária, organizar o patrimônio da família e proteger seus bens.

Portanto, é necessária a disseminação dos benefícios trazidos pelo planejamento familiar e sucessório por meio da Holding Familiar, por se tratar de mecanismo que traz tranquilidade aos particulares sobre o destino de seu patrimônio para além de suas vidas, significando um enorme e verdadeiro ato de amor para com as gerações futuras.

Referências

PRADO, Roberta Nioac (coord). Aspectos Relevantes da Empresa Familiar e da Família Empresária: governança e planejamento patrimonial sucessório. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

MAMEDE, Gladston. Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar. 6. ed. São Paulo: Atlas,2014.

TEIXEIRA, Daniela Chaves (coord). Arquitetura do Planejamento Sucessório. 2. ed. Belo Horizonte, 2019.

Currículo

Dra. Denise Nunes Faralli

Graduação em Direito pela FMU – concluída em 1.989. Pós-Graduação em Direito de Família e Sucessões pelo COGEAE – PUC/SP – concluída em 2016. Especialização em Holding Familiar junto a Time Holding Brasil desde março de 2021 e Engenharia de Planejamento Sucessório desde janeiro de 2023.
Membro do IBDFAM Nacional desde 2006.


[1] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/07/04/apos-pandemia-procura-por-testamentos-aumenta-417percent-em-um-ano-no-pais-sp-lidera-ranking-nacional.ghtml

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