Por Dr.ª Kamila Henning Rossato da Costa
Apesar de todas as certezas que pensamos ter durante a nossa vida, a mais certa é a morte, porém pouco se fala sobre ela, em especial por não ser de nossa cultura. Contudo, aos poucos esse cenário vem mudando, em especial após a pandemia causada pelo Coronavírus.
De antemão, vale ressaltar que antigamente a relação médico-paciente era verticalizada, ou seja, o médico detinha o poder do conhecimento sem maiores interferências do paciente, agindo de acordo com sua conduta, assim chamado de paternalismo – benigno.
Contudo, após o final da Segunda Guerra Mundial e com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 é que esta relação se torna horizontal, reconhecendo que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direito. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”
Com o avanço da Bioética é que o assunto foi se destacando, pois surgiram várias discussões quanto aos assuntos acerca da dignidade da pessoa humana e o avanço da tecnologia na área da saúde, o que possibilita um prolongamento ou não da vida.
Apesar da falta de veemência sobre o tema entre os familiares, o assunto é de extrema relevância, pois além de tratar sobre questões de forma preventiva, também abarca eventual decisão que deverá ser tomada em caso de enfermidade do ente familiar que impossibilite sua capacidade de expressar sua vontade.
Mesmo ainda sendo um tema de grande repercussão entre as famílias e até mesmo entre os médicos – porém pouco debatido, o Conselho Federal de Medicina criou em 2012 a Resolução n. 1.995 a qual dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
A diretiva de vontade ou também denominada de testamento vital, é um documento escrito que deve ser realizado por pessoa em gozo de suas faculdades mentais, contendo seus desejos e disciplinando em eventuais necessidades de tratamentos, procedimentos e todos os meios de cuidado com sua saúde caso esteja incapacitado e inconsciente, em estado incurável ou terminal. Trata-se de ato unilateral, personalíssimo, gratuito e revogável.
Ressalta-se que o instituto do testamento vital difere do testamento previsto – já positivado no ordenamento brasileiro no Código Civil, pois enquanto este prevê a vontade da pessoa após sua morte – em especial com seus bens, o testamento vital contém informações sobre cuidados de sua saúde caso padeça de uma doença que o deixe incapacitado de prestar sua vontade de forma autônoma e livre.
O médico deverá levar em consideração as diretivas antecipadas dos pacientes que prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares, salvo se estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.
Recomenda-se que seja realizada através de escritura pública lavrada pelo Tabelionado de Notas, visto que não há legislação específica no país referente ao tema, porém nos casos que em que o paciente comunicar ao médico as suas diretivas antecipadas de vontade, este deve constar no prontuário médico por escrito, de forma clara e legível, contendo com o máximo de informações.
Ressalta-se que a resolução traz os casos em que não houver a comunicação de diretivas antecipadas de vontade pelo paciente, familiar ou seu representante legal, o médico deverá recorrer ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina.
Por fim, nas palavras de Kfouri: “Louvável a iniciativa do CFM, que a um só tempo respeita a autonomia individual do paciente, em fase terminal de doença incurável, bem como assegura ao doente terminar seus dias de forma digna e natural, sem se submeter a tratamentos invasivos e desnecessários.” (Neto, 2021)
Lembre-se, as diretivas antecipadas de vontade são um direito do paciente, garantido que suas vontades sejam realizadas na terminalidade de sua vida e também oferecer respaldo jurídico nas futuras tomadas decisões.
Kamila Henning Rossato da Costa – OAB/SC 42.385 – Advogada em Direito Médico e Saúde. Graduada em Direito pela Universidade Regional de Blumenau/SC. Pós-graduada em Direito do Trabalho pela Educacional Damásio de Jesus/SP. Pós-graduanda em Direito e Saúde pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. Vice Coordenadora da Comissão de Diversidade de Gêneros da OAB – Subseção de Blumenau/SC. Membro da Comissão Estadual de Direito Empresarial – OAB/SC. Membro da Comissão Estadual de Direito da Saúde – OAB/SC. Delegada CAASC – Subseção Blumenau/SC. Membro da Comissão Região Sul de Direito Médico – ABA – Associação Brasileira de Advogados.