A SUBSTITUIÇÃO DA BUSCA E APREENSÃO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE POR MULTA, NAS AÇÕES EM QUE ENVOLVAM GUARDA E CONVIVÊNCIA.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por finalidade jogar luz sobre um novo modo de agir por todos os operadores do Direito, em resposta imediata à violação do direito da criança e do adolescente em conviver com ambos os pais, e até mesmo com a chamada família extensa (avós, tios etc.).

Buscamos aqui reforçar a preferência que deve-se adotar – tanto nos petitórios quanto nas decisões judiciais -, em relação a aplicação de multa (astreintes) nos casos em que o guardião obstaculiza a convivência do filho com o outro genitor não guardião, evitando-se a utilização do instituto da busca e apreensão do menor, visto que é medida com potencial de causar trauma irreversível à criança ou adolescente.

A SUBSTITUIÇÃO DA BUSCA E APREENSÃO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE POR MULTA, NAS AÇÕES EM QUE ENVOLVAM GUARDA E CONVIVÊNCIA

       Prima facie, é imperioso destacar que o direito à convivência familiar é reconhecido pela Constituição Federal em seu artigo 227[1] e assegurado, no plano infraconstitucional, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 19[2].

Estreme de dúvida que houve substancial mudança de paradigma no direito das crianças e dos adolescentes, na medida em que estes deixaram de ser objetos de direito para se tornarem sujeitos de direito, imperioso concluir, portanto, que a convivência é, antes de mais nada, um direito da própria criança e do adolescente.

Sobre a importância e o genuíno direito da criança e do adolescente em conviver com sua família em toda sua completude, nos ensina o mestre Rolf Madaleno[3].

“Dentre os direitos de maior expressão da criança e do adolescente encontra-se o estabelecimento de um regime de convivência capaz de assegurar o fundamental exercício da adequada comunicação com o ascendente não guardião e com todas aquelas pessoas cujos laços de afeto e de parentesco também exercem ou exerceram forte influência e relevante importância na vida e nos desdobramentos da completa formação social familiar e psicológica da criança e do adolescente .”

Pois bem. Como se sabe, muitos rompimentos conjugais são extremamente dolorosos para o casal, e não raras as vezes o rancor, a mágoa e até mesmo o ódio passam a ser sentimentos experimentados e vividos com frequência e até por longos períodos, por um ou por ambos os ex-cônjuges ou ex-conviventes.

Infelizmente, o estado de beligerância com o fim de um relacionamento pode trazer consequências nefastas aos filhos do casal que se separa, quando essas crianças se tornam vítimas de uma verdadeira guerra vingativa e têm sua convivência obstada por um dos genitores em relação ao outro (ou à sua família extensa), como uma forma transversa e ignóbil de gerar dor e frustração ao outro.

Nestes casos, em que um dos pais impede o filho de conviver com o outro genitor, ou, em outras palavras, quando um genitor é impedido de “visitar” seu filho, o ordenamento jurídico coloca à disposição das vítimas desta conduta (genitor e filho afastados), entre outras medidas, o instituto da busca e apreensão do menor.

Na lição de Maria Berenice Dias[4] “quando em vez, no período das visitas, o genitor deixa de devolver o filho no dia e horário convencionados. Tal omissão enseja o uso da ação de busca e apreensão.”

Com efeito, a busca e apreensão é uma medida que tem por finalidade obter o cumprimento forçado do regime de convivência (visitação), a qual já era considerada uma tutela tradicional em nossa jurisprudência.

O Código de Processo Civil de 1973, em seu capítulo dos procedimentos cautelares específicos, previa em seus artigos 839 a 843 a possibilidade de se requerer a busca e apreensão de menores, consoante a seguinte redação:

Art. 839. O juiz pode decretar a busca e apreensão de pessoas ou de coisas.

Entretanto, com a entrada em vigor do novo diploma legal que substituiu a antiga lei de ritos, O Código de Processo Civil de 2015, com o fito de atender aos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e da razoável duração do processo, suprimiu as chamadas cautelares nominadas (aí incluída a busca e apreensão de pessoas), passando a prever, implicitamente, o que se pode denominar de poder geral de cautela dos juízes.

Nesta toada, a Lei de Ritos passou a permitir o deferimento de medidas emergenciais conservativas ou satisfativas, desde que estejam presentes os requisitos necessários para tanto, quais sejam, o perigo de dano irreparável em razão do decurso do tempo a probabilidade do direito invocado.

Vejamos o que dispõe o artigo 536 e seu §1º do Código de processo Civil:

“Artigo 636: No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.

“§1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.”

Sobre o tema, nos ensina a processualista Fernanda Tartuce[5], membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM):

“O código se refere agora à busca e apreensão como forma de efetivação de decisões judiciais que imponham obrigação de fazer ou não fazer (art. 536, §1º) ou de entregar coisa (art. 538), passando a fazer parte de um rol não determinado de medidas que podem ser pedidas, moduladas e implementadas em função dos casos concretos. Assim nada impede demanda com pedido de tutela provisória de urgência para pleitear busca e apreensão de crianças e adolescentes.”

Muito embora ainda exista previsão legal para a utilização da busca e apreensão de menores em caso de violação ao direito de convivência da prole com ambos os genitores, outra solução parece estar ganhando força nos tribunais, qual seja, a aplicação de multa em desfavor ao genitor que obsta esta convivência.

A medida encontra guarida não só na legislação processual civil, mas também no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), o qual, em seu artigo 213[6] dispõe que na ação quem que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências o resultado prático equivalente ao do adimplemento, podendo, inclusive,  impor multa diária ao réu, independentemente do pedido do autor, consoante o §2º do referido artigo.

Não se pode olvidar que a aplicação de multa pelo descumprimento de uma obrigação é medida menos impactante na rotina da criança e do adolescente, o qual, muitas das vezes, sequer toma conhecimento de que a medida foi implementada.

Ao revés, a busca e apreensão pode gerar traumas e distorções na formação psicológica do infante ao ser retirado à força da convivência de um dos pais – ainda que este seja um alienador parental -, por ser medida contundente, forçada e comumente acompanhada de muito rancor, quando não raras as vezes violência.

Sobre o assunto, leciona Maria Berenice Dias[7]:

“O adimplemento coacto da medida sempre é um episódio traumático, com a necessidade da intervenção de força policial. Em face das nefastas consequências que podem advir à criança, subtraída a fórceps por ordem judicial do convívio afetivo do genitor não guardião, em vez de expedição de mandado de busca e apreensão, recomendável que seja aplicada multa por cada dia em que não ocorrer a entrega do filho. Afinal, trata se de descumprimento de obrigação de fazer (CPC 814).”

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito, não só pela possibilidade da aplicação de multa em desfavor do genitor ou outro parente guardião que obsta o direito de convívio da criança e do adolescente com o genitor “visitante”, como reconheceu a preferência da aplicação das chamadas astreintes em detrimento da busca e apreensão, levando-se em consideração o melhor interesse da criança e adolescente e a doutrina da proteção integral.

Confira-se o Resp. nº 1.481.531-SP, da Relatoria do Ministro Moura Ribeiro:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO NA ÉGIDE DO CPC⁄73. FAMÍLIA. DIREITO DE VISITAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL DO VISITANTE E DO VISITADO. ACORDO HOMOLOGADO PELA JUSTIÇA. EXECUÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FIXAÇÃO PREVENTIVA DE ASTREINTES PARA A HIPÓTESE DE EVENTUAL DESCUMPRIMENTO IMOTIVADO DO REGIME DE VISITAÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9⁄3⁄2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄73 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça . 2. O direito de visitação tem por finalidade manter o relacionamento da filha com o genitor não guardião, que também compõe o seu núcleo familiar, interrompido pela separação judicial ou por outro motivo, tratando-se de uma manifestação do direito fundamental de convivência familiar garantido pela Constituição Federal. 3. A cláusula geral do melhor interesse da criança e do adolescente, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, recomenda que o Poder Judiciário cumpra o dever de protegê-las, valendo-se dos mecanismos processuais existentes, de modo a garantir e facilitar a convivência da filha com o visitante nos dias e na forma previamente ajustadas, e coibir a guardiã de criar obstáculos para o cumprimento do acordo firmado com a chancela judicial. 4. O direito de visitação deve ser entendido como uma obrigação de fazer da guardiã de facilitar, assegurar e garantir, a convivência da filha com o não guardião, de modo que ele possa se encontrar com ela, manter e fortalecer os laços afetivos, e, assim, atender suas necessidades imateriais, dando cumprimento ao preceito constitucional. 5. A transação ou conciliação homologada judicialmente equipara-se ao julgamento de mérito da lide e tem valor de sentença, dando lugar, em caso de descumprimento, à execução de obrigação, podendo o juiz aplicar multa na recalcitrância emulativa. Precedente. 6. A aplicação das astreintes em hipótese de descumprimento do regime de visitas por parte do genitor, detentor da guarda da criança, se mostra um instrumento eficiente, e, também, menos drástico para o bom desenvolvimento da personalidade da criança, que merece proteção integral e sem limitações. 7. Prevalência do direito de toda criança à convivência familiar. 8. Recurso especial não provido. (STJ, RESp nº 1.481.531 – SP, Rel Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, j. 16/02/2017).

Por fim, cumpre-nos destacar que, além da aplicação da multa (astreinte) em caso de descumprimento da obrigação de fazer (permitir o convívio do filho com ambos os pais), é possível aplicar a inversão da guarda e o reconhecimento da ocorrência do crime de desobediência, como medidas garantidoras do exercício do direito de convivência, sem que seja necessária a busca e apreensão da criança e do adolescente.

CONCLUSÃO

Diante da breve análise aqui disposta, concluímos que o direito da criança e adolescente em conviver não só com ambos os genitores, mas também com os membros de sua família extensa, deve ser garantido por mecanismos legais carregados com efetividade e eficácia, sem causar dano ou prejuízo à formação psicológica do infante, devendo, portanto, ser adotada a aplicação de multa em detrimento da busca e apreensão.

A aplicação das astreintes nos casos aqui tratados, sem sombra de dúvidas, revela-se como medida menos drástica para o ser (criança ou dolescente) em desenvolvimento de sua personalidade e detentor de proteção integral.

NOTAS

[1] “ Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. “

[2] “Art. 19.  É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.”

[3] MADALENO, Rolf. Direito de Família. 11ª Ed. Rio de Janeiro. Forense 2021. p. 500.

[4] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª edição. Salvador: Editora Juspodivm. p. 402.

[5] TARTUCE, Fernanda. Processo Civil no Direito de Família. 5ª Edição. Rio de Janeiro. Forense. 2021. P. 402

[6] “Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.

§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

[7] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª edição. Salvador: Editora Juspodivm. p. 402.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

MADALENO, Rolf. Direito de Família. 11ª Ed. Rio de Janeiro. Forense 2021. p. 500.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª edição. Salvador: Editora Juspodivm. p. 402.

TARTUCE, Fernanda. Processo Civil no Direito de Família. 5ª Edição. Rio de Janeiro. Forense. 2021. P. 402

Por Leonardo Ferreira é advogado Familiarista atuante desde 2008, especialista em Direito Educacional pela PUC-MG, especialista em Direito Processual Civil pela PUC-RJ, pós-graduando em Direito das Famílias e Sucessório pela Fundação Escola Superior do Ministério Público – RS, graduado em licenciatura em História pela Estácio, professor da disciplina de Direito e Legislação para o ensino técnico profissionalizante.

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