Trata-se de um assunto de suma importância, de reflexos sociais, uma vez que, cada vez mais temos conhecimento de inúmeras pessoas que possuem doenças graves e raras, e com isso necessitam de tratamento especializado, e medicações de alto custo.
Quantas pessoas que estão aqui hoje me ouvindo e conhecem alguém que precisam de um medicamento de alto custo?
Se você acessar qualquer rede social hoje, vai se deparar com diversas campanhas de arrecadação de fundos para bebês com AME- Atrofia Muscular Espinhal, uma doença grave, que necessita que até os 24 meses de vida seja administrado uma medicação, conhecida com a mais cara do mundo, o zolgesma, que custa hoje aproximadamente 12 milhões de reais, então será que o Estado é responsável por fornecer esse medicamento?
Você advogado quantas vezes se deparou com um cliente que lhe procurou para ajuizar uma ação judicial, em desfavor do Estado, porque esta pessoa tem uma doença rara, e precisa de várias medicações, ou ainda, necessita de forma urgente de uma cirurgia, ou internação, tratamentos de saúde que em muitos casos o SUS são cobre. E ai você se pergunta por onde começar essa demanda?
O que não podemos deixar de citar é que a falta de medicação e o fornecimento para o cidadão que necessita desta sempre existiu, isso não é novidade o déficit das farmácias que abastecem os Estados e Municípios sempre foram maiores do que a procura pelos medicamentos.
Entretanto desde o ano passado, quando nos deparamos com a pandemia, o abismo criado na área da saúde, se agravou de forma latente, impossibilitando até mesmo aqueles que fazem tratamento continuam de serem assistidos, porque existe um desabastecimento de medicações nas farmácias dos Estados.
A crise gerada pela pandemia é só um dos fatores de indisponibilidade de fornecimento de medicação. Podemos dizer que o maior dos problemas reside na afronta direta ao principio constitucional do mínimo existencial a pessoa humana, do direito a vida, e a saúde.
Outro problema que enfrentamos é o conceito do que se trata uma medicação de alto custo?
Aqui a subjetividade tem que ser relativizada, uma vez que o que é barato para você, pode ser caro para o outro.
Mas no entendimento jurisprudencial entende-se que a medicação de alto custo é aquela que ultrapassa o valor total da renda do cidadão.
Ou seja, caso estejamos tratando de uma medicação que custa um salário mínimo, enquanto a mesma ganha esta renda por mês, essa medicação precisa ser custeada pelo Estado, caso contrário esta pessoa deixaria de ter as condições mínimas de subsistência, como moradia, alimentação, transporte.
Não podemos deixar de citar o Principio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, art. 1° da Constituição Federal, que trata do mínimo existencial, daquilo que não podemos abrir mão.
Além disso, o art. 5º da Constituição Federal nos remete aos princípios do direito a vida, a liberdade, a igualdade, dentre outros, no estudo que me propus a fazer, não sobram dúvidas que o direito a vida se sobreponha a todos os demais princípios, portanto este deve prevalecer.
O debate do Artigo 5º da Constituição Federal é sobre o fornecimento de remédios de alto custo. Saiba como é a realidade vivida pelos brasileiros e vamos dar destaque aos inúmeros casos vividos no país. Saiba quais remédios entram nessa lista, os critérios para que esses medicamentos sejam disponibilizados pelo SUS e o que fazer nos casos de negativa por parte do poder público.
Salientamos ainda que o art. 6° da Constituição Federal elenca os direitos sociais, dentre eles o direito a saúde, e ainda traz o art. 196 da Carta Magna, que também da direito a saúde é direito a todos e imputa o e dever do Estado de garantir políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças.
Mas então vocês devem estar se perguntando, mas se existe o dever do Estado de fornecer as medicações a todos que necessitam de saúde, porque então temos tantas demandas judiciais para fazer a responsabilidade estatal?
E dai você depara com a seguinte pergunta, quantas pessoas você conhece que estão passando por este mesmo problema?
Muitos de nós já tivemos familiares com doenças graves, que precisaram de medicação de alto custo para conseguir manter seus tratamento de saúde. Não são raras as situações que nos deparamos com a necessidade de demandarmos contra o Estado, mas nem sempre somos tutelados.
Dentre os pacientes há muitos que precisam durante anos realizarem acompanhamento no tratamento do câncer, HIV, hepatite, doenças cardíacas, crianças com microcefalia, e muitas outras doenças que necessitam de medicação de alto custo.
Importante salientar que o SUS, tem a Lei n°8.080/90, no art. 2º fala que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Já se perguntaram quem custeia o SUS?
A resposta é única, somos todos nós. Parte do valor arrecadado vem dos impostos, do INSS, dos Municípios, Estados, numa pesquisa realizada recentemente, constatou-se que cada cidadão contribui ao SUS por ano em media R$2.200,00.
Frisa-se que a responsabilidade na distribuição destes recursos é solidária, entre os entes federativos, ademais a Constituição Federal no seu art. 23 institui que é da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, – cuidar da saúde e a assistência pública da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências.
Mas mesmo assim depois de todas estas reflexões não identificamos a causa do posicionamento por vezes contrario do judiciário, arraigados em decisões que nos fazem pensar o que mais tem valor a vida ou dever do Estado?
Estamos claramente diante da incapacidade do Estado de administrar os recursos advindos do SUS, que precisa distribuir toda a verba para os entes da federação,com a finalidade de tutelar o cidadão mais vulnerável, e garantir-lhe o direito a saúde, porque este é o dever do Estado.
E não podemos imputar ao cidadão desassistido a ineficiência do sistema de saúde, que por vezes é falho, devemos sim pleitear que mais medicamentos sejam arrolados pela ânsia no SUS, e assim abrir um leque de opções a todos que necessitam do amparo estatal.
Recentemente a nossa suprema corte, em março de 2020 decidiu que o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo não registrados na lista do sistema único de saúde (SUS). Ainda assim, a suprema corte determinou que nos casos de extrema necessidade e de falta de recursos do paciente o Estado tem que prover o medicamento, mesmo que não esteja na lista.
A busca pela solução tem que encontrar amparo no cumprimento dos princípios constitucionais, na imputação da responsabilidade solidaria entre os entes federativos, assim como ficou assentado no tema 793 do STF, que determinou que “os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde.
Do requerimento administrativo ao ajuizamento da ação judicial contra a União, Estado ou Município, com pré-questionamentos, baseados em jurisprudências, leis, cases.[1]
Passamos a analisar então quais são os requisitos para ter direito ao tratamento custeado pelo Estado:
Primeiramente é necessária a comprovação do pedido e da negativa administrativa, ou seja, da solicitação dos medicamentos ou do tratamento médico e da sua indisponibilidade de obtenção pelo SUS.
Caso o SUS disponha do tratamento, a ação judicial seria no sentido de obrigar o fornecimento do tratamento. Conforme o enunciado nº 11 da 1ª Jornada de Saúde do CNJ:
ENUNCIADO Nº 11. Nos casos em que o pedido em ação judicial seja de medicamento, produto ou procedimento já previsto nas listas oficiais do SUS ou em Protocolos Clínicas e Diretrizes Terapêuticas – (PCDT), o Poder Judiciário determinará a inclusão do demandante em serviço ou programa já existentes no Sistema Único de Saúde – SUS, para o fim de acompanhamento e controle clínico. (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde – 18.03.2019)
Segundo é fundamental comprovar a inexistência de tratamento pelo SUS que possua a mesma eficácia que o tratamento postulado pelo requerente.
Terceiro é necessária a comprovação de que o paciente não tem condições financeiras para arcar com o tratamento.
Quarto precisa a Comprovação da eficácia terapêutica do tratamento – ponto importante.
O tratamento postulado deve possuir eficácia terapêutica comprovada, com uso aprovado pela ANVISA. Ou seja, é necessário que não haja dúvida científica quanto à sua eficácia, sendo ainda necessário que não haja tratamento alternativo ofertado pelos SUS que possua a mesma eficácia (tratamento alternativo).
Requisitos fixados pelo STJ no julgamento do RESP 1.657.156:
1 – Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
2 – Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e
3 – Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Entretanto nos deparamos com decisões contrárias ao fornecimento de medicações ao cidadão, e estas se baseiam em julgados do STJ, que elencam requisitos para não concessão da tutela antecipada, como:
- Não deve ser determinado judicialmente o fornecimento de medicamentos, insumos ou procedimentos não padronizados;
- Devem ser priorizados os medicamentos, insumos ou procedimentos registrados na ANVISA e incluídos nas políticas públicas do SUS, conforme seus protocolos clínicos, desde que eficazes para o problema de saúde retratado nos autos;
- A não inclusão de determinado medicamento, insumo ou procedimento nos protocolos clínicos do SUS não impede a determinação judicial de seu fornecimento, desde que esteja comprovada a eficácia do tratamento para o problema de saúde enfrentado e que os tratamentos constantes das políticas públicas do SUS não sejam suficientemente efetivos para o caso concreto;
d) O consequencialismo jurídico é aplicável aos processos que envolvem o direito à saúde, ou seja, é necessária uma avaliação do caso concreto e dos benefícios prometidos com o uso do medicamento (cura da doença, expressivo incremento de sobrevida global comparado ao uso das terapias disponíveis no SUS e mudança de paradigma no tratamento) frente ao impacto econômico e orçamentário gerado pela sua concessão na via judicial em caráter individual e em desprestígio à política oficial de saúde pública.
Esta decisão por vezes contraria as pessoas que buscam a tutela judicial, é muito recorrentes nos casos de ame, que todos os dias aparecem uma campanha de arrecadação de recursos e será que é possível obter o tratamento na via judicial?
Os casos recentes em que o Estado vem sendo acionado judicialmente para fins de fornecer o tratamento das crianças portadoras da doença AME (Atrofia Muscular Espinhal). O medicamento Zolgensma, considerado hoje o mais caro do mundo e com aplicação em dose única, custa cerca de R$12 milhões e deve ser aplicado até os dois anos de idade da criança que possui AME.
Atualmente o medicamento não está disponível para uso no Brasil. Contudo, em agosto de 2020 ele foi registrado pela ANVISA e agora está pendente de aprovação de preço na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed). Mas este entrave burocrático não pode deixar esperando quem luta pela vida. Já ficou comprovado cientificamente que somente esta medicação tem o poder de curar estas crianças que a caso não tratadas irão a óbito, então sim esta é a única chance que eles têm de sobreviver e voltarem a ter uma vida saudável.
Portanto, o ajuizamento da demanda judicial em casos de crianças que estão com o tempo quase esgotado para aplicação da medicação, e quando grande parte dos recursos já foram arrecadados pela família, o Estado apenas complementa o valor que falta, para a aquisição do medicamento zolgesma.
Já passei por inúmeros casos de requerimento de medicação aos meus clientes, a burocracia muitas das vezes é desmotivante, principalmente para aqueles que estão doentes, e cada porta fechada, ficam mais desesperançosos.
Cabe a nós operadores do direito sempre lutarmos pelo direito à vida, pela saúde, e amparar aqueles que precisam da tutela do Estado, seja para um tratamento medico ou para o fornecimento de medicamento de alto custo, uma vez que a responsabilidade é do Estado, que tem o dever de assistir o cidadão.
A vida é o bem mais precioso da pessoa humana, a ciência deve guiar o planejamento das políticas públicas e o SUS é uma ferramenta imprescindível para preservar vidas.
Mas somente teremos efetividade no fornecimento de medicação para àqueles que necessitam quando exigirmos o cumprimento da responsabilidade do Estado, seja ela administrativamente ou judicialmente, e não podemos esquecer que não somos apenas um número, somos seres humanos e todas as vidas importam.
Referências Bibliográficas
- BARROSO, Luis Roberto.Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em: http://www.lrbarrosoassociados.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf.
- BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.
- Brasil. Lei n°8080 de 19 de setembro de 1990, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm, e o Decreto 7508/11, de 28 de junho de 2011 que dispõe sobre a organização do SUS.
- SILVA, José Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
- MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2007.
- MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2007.
- MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. Ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
- RIO GRANDE DO SUL. Constituição (1989).Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.
- Sites: https://www.conjur.com.br/2018-abr-24/marcio-santoro-sta-175-judicializacao-saude
- Site:http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4678356&numeroProcesso=855178&classeProcesso=RE&numeroTema=793
- Site: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-04-25_12-20_Primeira-Secao-define-requisitos-para-fornecimento-de-remedios-fora-da-lista-do-SUS.aspx
- Site:https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=14671
- Site:https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/06102020-Relator-determina-que-Ministerio-da-Saude-complete-valor-de-remedio-milionario-para-tratamento-de-bebe-com.aspx.
- Site: https://www.pge.sc.gov.br/noticias/tratamento-de-menina-do-vale-do-itajai-com-a-doenca-ame-deve-ser-custeado-pela-uniao-decide-justica-federal/
[1] – Adolescente com atrofia muscular espinhal terá tratamento fornecido pela União e pelo estado de SC – Notícia de 12/08/2019 https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=14671
– Relator determina que Ministério da Saúde complete valor de remédio milionário para tratamento de bebê com doença rara – Notícia de 06/10/2020
– Tratamento de menina do Vale do Itajaí com a doença AME deve ser custeado pela União, decide Justiça Federal – Processo 5015898-18.2020.4.04.0000/SC – Notícia de 25/05/2020
Por Janaína Policarpo, advogada atuante há 17 anos, especializada em Direito Público, Previdenciário e Empresarial Previdenciário e Previdência Privada, Sócia do Escritório Policarpo Advocacia e Associados, Membro da CESS OAB/RS Seccional e Subsecção São Leopoldo/RS, Diretora da ABA São Leopoldo/RS, Secretária Adjunta da Comissão Nacional do Trabalho da ABA.