A parentalidade socioafetiva a partir do provimento 83 do CNJ

Por: Dra. Cristina Cruz

INTRODUÇÃO

A alteração do Provimento 63/2017 pelo Provimento nº 83/2019, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, restringiu o reconhecimento voluntário da parentalidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais e o procedimento extrajudicial para filhos menores de 12 anos.

MUDANÇAS IMPORTANTES NO RECONHECIMENTO DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA

Após a entrada em vigor do Provimento 63 do CNJ e toda a facilidade apresentada pela referida orientação, experimentamos um retrocesso com a publicação do Provimento 83, que fez alterações significativas na redação original, como muito bem salientado em artigo coletivo intitulado “O Provimento 83 do CNJ, a socioafetividade e a necessidade de regulamentação do reconhecimento de paternidade ou maternidade homoparental”, elaborado por Gabriela, Isabela e Letícia Assumpção:

“O procedimento perante o registrador civil somente pode ser utilizado para reconhecimento socioafetivo de pessoas maiores de 12 (doze) anos de idade. Para crianças menores de 12 (doze) anos, é necessária a via judicial. Também em decorrência do novo provimento, na via extrajudicial, passou a ser possível a inclusão de apenas um ascendente socioafetivo, ao contrário do que ocorria na vigência do Provimento 63/2017, que possibilitava a inclusão de dois ascendentes, desde que por meio de procedimentos independentes.”

“A referida alteração no Provimento nº 63/CNJ, no que se refere à idade do filho reconhecido, inviabilizou o procedimento socioafetivo extrajudicial no caso de casais que não tenham se submetido à fertilização assistida e cujos filhos sejam menores de 12 (doze) anos de idade.”

Ademais, pelo que se depreende da análise do artigo 10-A, parágrafo 2º, caberá àquele que requerer o registro, a apresentação dos seguintes documentos:

a) apontamento escolar como responsável ou representante do aluno em qualquer nível de ensino; b) inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência privada; c) registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; d) vínculo de conjugalidade, por casamento ou união estável, com o ascendente biológico da pessoa que está sendo reconhecida; e) inscrição como dependente do requerente em entidades associativas, caso de clubes recreativos ou de futebol; f) fotografias em celebrações relevantes; e g) declaração de testemunhas com firma reconhecida (art. 10-A, §2º, do Provimento n. 83 do CNJ).

Naturalmente as provas serão analisadas em conjunto pelo registrador, e embora a ausência desses documentos não impeça o registro, desde que justificada a sua impossibilidade, deverá o registrador atestar como apurou a afetividade.

 Não podemos esquecer que o reconhecimento da parentalidade socioafetiva poderá também ser feita por outros meios de prova não apontados pelo provimento, tais como escritura pública ou ata notarial, como defende Flavio Tartuce.

Outra alteração importante do provimento foi a exigência de atuação do representante do Ministério Público no procedimento de reconhecimento de parentalidade socioafetiva.

Questiona-se qual seria o verdadeiro papel do Ministério Público no referido procedimento. De toda forma, pela análise do pedido de providências CNJ 0001711.40.2018.2.00.0000, entende-se que ele somente atuaria nos procedimentos envolvendo menores, tal qual faria se fosse o procedimento judicial.

PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA: UMA EVOLUÇÃO FAMILIAR

Porém, apesar das questões levantadas, é inegável o avanço percebido no campo da parentalidade.

Afinal, atualmente a filiação socioafetiva não tem qualquer distinção jurídica da filiação biológica, sendo possível ainda que essas filiações coexistam, fazendo surgir a figura da multiparentalidade.

Cabe ressaltar que embora o provimento 83 não trate especificamente das famílias homoafetivas – o que representa uma falha relevante – entendemos que segue vedada toda designação discriminatória relativa à filiação.  

Por fim, temos que o afeto reconhecido na Certidão de Nascimento estabelece os mesmos direitos e obrigações legais de um filho biológico ou adotivo.

Afinal, filho é aquele que cabe no coração. Viva o afeto!

CONCLUSÃO

O presente artigo teve como finalidade ressaltar que apesar do reconhecimento doutrinário e jurisprudencial da paternidade e maternidade socioafetiva e da Resolução 83/2019 do CNJ, ainda temos um bom caminho a trilhar em busca da desburocratização de procedimentos extrajudiciais e da proteção de todas as formações familiares.

REFERÊNCIAS:

1 TARTUCE, Flávio. O provimento 83/2019 do Conselho Nacional de Justiça e o novo tratamento do reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva. Disponível em:  https://ibdfam.org.br/artigos/1353/O+provimento+832019+do+Conselho+Nacional+de+Justi%C3%A7a+e+o+novo+tratamento+do+reconhecimento+extrajudicial+da+parentalidade+socioafetiva+ Acesso em: 17 março 2022.

2. ASSUMPÇÃO, Gabriela. ASSUMPÇÃO, Isabela. ASSUMPÇÃO, Leticia.  O Provimento 83 do CNJ, a socioafetividade e a necessidade de regulamentação do reconhecimento de paternidade ou maternidade homoparental Disponível em: https://recivil.com.br/wp-content/uploads/2020/10/provimento_83_e_socioafetividade.pdf Acesso em: 17 março 2022

3. ASSUMPÇÃO, Isabela; ASSUMPÇÃO, Letícia. Da necessidade de regulamentação do reconhecimento de maternidade ou paternidade socioafetiva: O provimento nº 52/CNJ não dá solução a todos os casos. Disponível em: http://www.notariado.org.br/blog/notarial/da-necessidade-de-regulamentacao-do-reconhecimento-de-maternidade-ou-parternidade-socioafetiva-o-provimento-no-52cnj-nao-da-solucao-todos-os-casos  Acesso em: 17 março 2022

CRISTINA CRUZ |
Membro da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões da Associação Brasileira de Advogados – ABA-RJ e integrante do Grupo de Estudos de Advocacia Extrajudicial da CDFS ABA-RJ. Diretora Municipal da Associação Brasileira de Advogados no RJ. Advogada Colaborativa e Mediadora de Conflitos com experiência jurídica e foco na atuação multiportas em Direito das Famílias, Sucessões e Direito Homoafetivo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas- IBPC. Palestrante. Cocriadora do perfil jurídico @Juri_DICAS. Co-autora das obras “Advogado do Futuro” e “Seleção de Artigos Jurídicos da ABA-RJ”

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