É de conhecimento do arrematante que 95% dos imóveis de leilão estão ocupados e, se a arrematação for por leilão extrajudicial (dos bancos, por exemplo), a desocupação fica a cargo do arrematante e, se a arrematação for por leilão judicial (dentro de um processo judicial), o próprio juiz determina a expedição de um mandado de imissão na posse.
Porém, a depender o tipo de ocupante, a arrematação pode correr risco de demora pelo seu desembaraço, razão pela qual torna-se prudente saber quem se encontra dentro do imóvel e a que título, para análise da viabilidade concreta de se participar ou não do leilão, tendo em vista os problemas futuros que podem causar.
Nem sempre o imóvel estará ocupado pelo mutuário/executado. Muitas das vezes o imóvel estará ocupado por outras pessoas. Neste artigo serão elencadas as quatro mais comum delas:
- Locatário/Inquilino do mutuário/executado: o devedor pode ter locado o imóvel a um terceiro. Necessário se verificar se o contrato está averbado na matrícula e se possui prazo determinado (exemplo: 24 meses, 30 meses, 36 meses). Neste caso o arrematante terá de cumprir o contrato, recebendo os aluguéis em questão ou, caso não tenha interesse em prosseguir com o contrato de locação, deverá notificar o locatário/inquilino com a finalidade de denunciar o contrato e pagar a multa contratual por quebra de contrato, a qual é proporcional ao restante do prazo de locação. Se o contrato for por tempo indeterminado o arrematante notifica o locatário/inquilino para que desocupe o imóvel em 30 dias.
Diferentemente de quando o proprietário está vendendo o imóvel a terceiros e neste caso o locatário/inquilino, nos termos do artigo 27 da Lei 8.245/1191 (Lei de Locações), tem direito de preferência na compra (ou seja, deve ser notificado para tanto), quando do leilão do imóvel não há esse direito, podendo disputar o imóvel com os demais interessados sem qualquer benefício.
Aqui, caso ele não desocupe o imóvel, a ação correta é a de ação de despejo, sendo que o STJ já decidiu sobre o assunto (REsp 1.864.878), através de sua Terceira Turma, tendo o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva como relator do julgamento do recurso REsp 1.864.878, nos termos do artigo 5º da Lei 8.245/1991 (Lei de Locações).
2) Comodatário (parente/amigo) do mutuário/executado: o devedor pode ter emprestado a título gratuito o imóvel a um parente ou amigo. Neste caso não há complicações, basta enviar notificação extrajudicial com prazo para desocupação e se esta não ocorrer, o ajuizamento da ação de imissão na posse (se leilão extrajudicial) ou requerimento de expedição de mandado de imissão na posse (se leilão judicial).
3) Invasor/Vizinho: tendo em vista o abandono do imóvel pelo mutuário/executado, o imóvel pode ter sido invadido por um terceiro ou até mesmo pelo vizinho, este no intuito de aumentar a sua propriedade com a referida invasão. Deve-se verificar quanto tempo esse invasor está no imóvel e se o mesmo está buscando a propriedade através da chamada ação de usucapião (modalidade de aquisição originária da propriedade através do tempo de posse ininterrupta do bem, sem oposição e com comportamento de proprietário). Referida ação pode levar anos no Poder Judiciário para ser solucionada e prejudicar a arrematação e consequentemente a posse do bem (Tribunal de Justiça de Santa Catarina/SC. Agravo de Instrumento: AI 5024086-38.2022.8.24.0000).
Vale ressaltar que imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) atrai sobre ele o regime de direito público (artigos 183, parágrafo 3º da Constituição Federal e 102 do Código Civil), bem como Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Porém, se ação de usucapião foi ajuizada após a arrematação, em necessidade de preservação da segurança jurídica ao arrematante, sendo que a arrematação ocorreu como um negócio jurídico perfeito, acabado e irretratável nos termos do artigo 903, “caput” do Código de Processo Civil, aquela poderá ser resolvida em perdas e danos.
(Tribunal de Justiça de São Paulo/SP. Agravo de Instrumento: AI 2028860-11.2022.8.26.0000).
4) Novo proprietário: o imóvel pode ter sido vendido pelo mutuário/executado a uma outra pessoa, através do chamado “contrato de gaveta” (documento informal de compra e venda de um imóvel sem registro no cartório de imóveis). Neste caso o adquirente pode embargar a arrematação arguindo ser terceiro de boa-fé, podendo atrasar a posse na arrematação. Porém, o arrematante também é um terceiro de boa-fé e, se fossemos comparar a boa-fé entre eles, o arrematante tem ainda mais que o adquirente, uma vez que este não registrou o imóvel adquirido, ou seja, não tem ainda a propriedade do bem. O “contrato de gaveta” é uma relação jurídica entre o novo proprietário/adquirente e o mutuário/executado, gerando obrigação somente entre eles.
O Superior Tribunal de Justiça já consolidou esse entendimento, através de sua Terceira Turma, tendo a ministra Nancy Andrighi como relatora do julgamento do recurso REsp 1.724.716, a qual aduziu que: “…a obrigação perante terceiros (erga omnes) só ocorre com o registro imobiliário do título, o que foi feito apenas pelos arrematantes. “Sob esse enfoque, ausente a formalidade considerada essencial pela lei ao negócio realizado, não se pode admitir que o título seja oponível ao terceiro de boa-fé que arremata judicialmente o imóvel e promove, nos estritos termos da lei, o registro da carta de arrematação.
Veja-se que caso esses ocupantes não saiam do imóvel arrematado amigavelmente, deve-se fazer uso da notificação extrajudicial explicando àquele quem agora é o dono do imóvel, a intenção em tomar a posse no prazo referido e as consequências da não desocupação, tais como: pagamento de taxa de ocupação no valor de 1% do valor atualizado do bem (Resp 1.999.485), custas processuais, honorários advocatícios, desocupação por oficial de justiça com força policial, se necessário for.
Portanto, verifica-se a importância para o arrematante em saber quem é o ocupante do imóvel, tudo para que a arrematação não seja realizada de forma arriscada ou venha a ocorrer demora excessiva em seu desembaraço. Consulte sempre um especialista no assunto!
Juliana Barrachi
Advogada há mais de 22 anos, especialista em leilões há mais de 3 anos
Pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC/SP
Presidente da Comissão de Leilões da OAB/PR, Subseção de Maringá
Membro da Comissão Nacional de Leilões da ABA
Membro da Comissão de Leilões da OAB/SP, Subseção de Jabaquara
Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PR, Subseção de Maringá
Membro da Associação Brasileira de Arrematantes de Imóveis – IBRAIM