A importância da realização do inventário negativo

Introdução

O inventário é o procedimento utilizado para a catalogação de bens e direitos do falecido, de modo a proceder à sua partilha. Todavia, em alguns casos, pode acontecer do de cujus não ter deixado bens nem direitos. Nesse caso, será cabível a instauração do inventário negativo. Apesar de tal expressão parecer contraditória, pois nesse caso não há bens a inventariar e, consequentemente, a partilhar, ainda assim, é de suma importância que seja instaurado, com o escopo de conferir certeza jurídica de que alguém, ao falecer, não deixou bens a inventariar, eximindo os herdeiros de consequências jurídicas prejudiciais.

Insta salientar que a atualidade do assunto é evidente, tendo em vista que o Brasil vem enfrentando um momento econômico desfavorável, sendo, atualmente, agravado pela pandemia do coronavírus, apresentando um recuo da produção industrial, queda dos investimentos, altos níveis de desemprego, informalidade e precarização do trabalho. Com isso, está ainda mais corriqueiro o falecimento de pessoas que já não deixam patrimônio, contudo, morrem deixando uma herança de dívidas a serem saldadas, as quais não podem ser exigidas dos sucessores, pois não há bens a serem a eles partilhados. Assim, é de suma importância que os herdeiros e legatários, diante da ausência de bens e da existência de dívidas, procedam ao inventário negativo, visando salvaguardar seu patrimônio particular.

Desse modo, o presente artigo tem como finalidade abordar a importância da construção doutrinária e jurisprudencial em relação ao inventário negativo, tendo em vista a inexistência de previsão legal desse instituto tão relevante para a sociedade.

O inventário negativo

O inventário negativo é um procedimento de jurisdição voluntária, no qual a decisão judicial tem eficácia declaratória da inexistência de bens [1]. Apesar desse instituto não ter previsão legal, ele é de largo uso [2], possuindo a finalidade de evitar que os herdeiros do falecido sofram consequências jurídicas prejudiciais.

Por força do artigo 1.997, caput do Código Civil de 2002, os herdeiros respondem pelas dívidas do espólio nos limites da herança. Dessa forma, pode algum herdeiro querer realizar o inventário negativo, de modo a assegurar sua ausência de responsabilidade, em virtude da ausência de bens e direitos do morto [3].

Além disso, a finalidade para a aplicação do inventário negativo também pode decorrer do interesse do cônjuge supérstite de afastar causa suspensiva diante de uma nova relação matrimonial. Isso porque, o artigo 1.523, inciso I, do Código Civil de 2002, estabelece como causa suspensiva a hipótese de o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não se fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros. Tal previsão visa evitar que a nova união pretendida pelo sobrevivente não acarrete prejuízos a prole havida no relacionamento com seu falecido marido [4]. Nessa hipótese, caso haja nova união matrimonial, além da imposição do regime de separação obrigatória de bens (artigo 1.641, inciso I do Código Civil de 2002), haverá a hipoteca legal de seus imóveis em favor dos filhos (artigo 1.489, inciso II do Código Civil de 2002). Assim, a solução para que isso não ocorra será a realização do inventário negativo.

Ademais, um outro exemplo mencionado pelo jurista Euclides de Oliveira [5], que também reflete a importância da realização do inventário negativo, é o caso do falecido que deixa apenas obrigações por cumprir, como a de outorga de escritura relativa à venda de imóvel feita antes da abertura da sucessão, sendo admissível a nomeação do inventariante a fim de dar cumprimento a essa obrigação deixada pelo falecido.

Dessa forma, sempre que alguém necessite provar que o falecido não deixou bens patrimoniais a inventariar, o inventário negativo pode ser utilizado, abrangendo, então, outros fins, que não os já mencionados acima.

Por fim, é importante destacar que sendo o inventário extrajudicial preferencial, a Resolução n. 35/07 do Conselho Nacional de Justiça estabeleceu em seu artigo 28 que é possível a realização de inventário negativo por escritura pública, facilitando o reconhecimento da ausência de patrimônio do falecido.

Conclusão

Diante do exposto, é possível notar que o inventário negativo tem relevância jurídica, sendo a doutrina e a jurisprudência favoráveis à sua realização, apesar de o ordenamento jurídico brasileiro ter sido omisso sobre esse assunto.

Na praxe jurídica, tal instituto é de largo uso, possuindo a finalidade de resguardar, especialmente, os bens particulares dos herdeiros, bem como possibilitar a contração de novas núpcias, sem aplicação de causa suspensiva, além de outras hipóteses em que se fizer necessária a comprovação de inexistência de bens e, até mesmo, para cumprimento de obrigações deixadas pelo falecido.

Destaca-se, por fim, que o inventário negativo é um procedimento simples e ágil, que pode ser realizado tanto na via judicial, quanto na via extrajudicial, facilitando o reconhecimento da ausência de patrimônio do falecido.

[1] DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 6. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2019, p.733.

[2] APELAÇÃO CÍVEL – INVENTÁRIO NEGATIVO – SENTENÇA DE EXTINÇÃO POR FALTA DE INTERESSE -DEMANDAS INDENIZATÓRIAS EM CURSO NO QUAL O FALECIDO CONSTA DO POLO PASSIVO – ” O inventário tem dupla função, além da individuação dos bens deixados pelo falecido, para se realizar a partilha destes entre os herdeiros, também servirá para a regularização das obrigações assumidas pelo de cujus. Por conseguinte, a sua instauração é regra, ainda que na hipótese de inexistência de bens a serem partilhados, caso este denominado como “inventário negativo”. ” – Recurso conhecido e provido. (TJ-RJ – APELAÇÃO: 0026516-97.2015.8.19.0011 – Des(a). CAETANO ERNESTO DA FONSECA COSTA – SÉTIMA CÂMARA CÍVEL – Julgamento: 08/05/2019).

[3] ROSA, Conrado Paulino da. RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e partilha. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Salvador: Juspodivm, 2020, p.329.

[4] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito da família contemporâneo. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p.80.

[5] OLIVEIRA, Euclides de. AMORIM, Sebastião. Inventário e Partilha. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p.405.

Referências bibliográficas

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões.6. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2019.

OLIVEIRA, Euclides de. AMORIM, Sebastião. Inventário e Partilha. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito da família contemporâneo. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.

ROSA, Conrado Paulino da. RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e partilha. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Salvador: Juspodivm, 2020.

Por Alice Cardozo. Advogada. Membro da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões da ABA/RJ. Pós Graduanda em Direito Processual Civil. Residente jurídica da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

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