A FIXAÇÃO DO PREÇO NOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO RURAL

A moeda do empresário rural é o grão”. Essa é uma máxima presente no cotidiano do agronegócio onde, de forma livre, arrendatário e arrendante costumam pactuar os pagamentos decorrentes de contratos agrários fixando seu preço em determinada quantidade de sacas de soja. Ocorre que tal estipulação, em que pese venha a expressar os costumes do meio rural, fere o artigo 18 do Decreto 59.566/1966, causando demoradas discussões jurídicas acerca do tema, especialmente quando as partes interessadas buscam o judiciário por manifestarem um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.

Ao deparar-se com a lide o julgador tem como base legal especialmente as fontes formais, e especificamente sobre a matéria atinente aos contratos agrários, conta com normas específicas sobre o tema, o Estatuto da Terra (Lei nº 4.505/64) e seu regulamento, o Decreto 59.566/66. Expressamente, este último é taxativo ao proibir o ajuste do preço do arrendamento em quantidade fixa de frutos ou produtos, determinando que o preço somente seja ajustado em quantia fixa de dinheiro. Senão vejamos: 

Art 18. O preço do arrendamento só pode ser ajustado em quantia fixa de dinheiro, mas o seu pagamento pode ser ajustado que se faça em dinheiro ou em quantidade de frutos cujo preço corrente no mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalha ao do aluguel, à época da liquidação.

        Parágrafo único. É vedado ajustar como preço de arrendamento quantidade fixa de frutos ou produtos, ou seu equivalente em dinheiro.[1].

 Este fragmento legal demonstra que o direito agrário é um ramo que sofre forte intervenção do estado. A legislação agrária dista da década de 60, nos idos do século vinte, quando sua criação se deu no intuito de equilibrar as relações que advinham do campo, sobretudo, com relação ao dono da terra e de quem nela trabalhava. Porém, já na segunda década do século vinte e um a realidade econômica e social do campo hoje é outra; o escopo de se proteger o arrendatário já não deve mais ser uma constante, seja pelo fato de que hoje empresários rurais sucedem os antigos (e pequenos) colonos, seja pelo fato de que não se pode apontar a parte hipossuficiente da relação contratual agrícola sem examinar de perto o caso concreto.

É perfeitamente compreensível que a preocupação do Estado estivesse em fixar segurança jurídica à relação contratual que poderia desfavorecer a parte mais fraca como, por exemplo, em situações em que o arrendatário fosse obrigado a entregar quantias maiores de produtos se a cotação do período fosse baixa. Aliás, hipótese que vem literalmente a destoar com a atual situação econômica, face o atual preço elevado dos produtos (e insumos) agrícolas.

Diante dessa situação, acompanhando o progresso, os Tribunais vêm admitindo a fixação de cláusula contratual em arrendamento rural que ajusta o preço na forma de produto, geralmente com a ressalva de que seja hipótese que não caracterize onerosidade excessiva a um dos contratantes. Também os Tribunais têm reiteradas vezes, em análise ao comportamento das partes, permitido o não reconhecimento de nulidade, como nos casos em que um arrendatário não se insurge contra a cláusula contratual que fixa o pagamento do preço em produtos e por vários anos efetua os pagamentos nessa modalidade.

De forma certeira, vêm a jurisprudência e a doutrina coroando uma prática que é realidade no campo, deixando nesse item a legislação especial à margem, e dando lugar aos dispositivos do Código Civil pátrio e demais princípios que norteiam os pactos. Com uma realidade completamente diversa da década de 60, hoje os contratantes devem ter autonomia para estabelecer as cláusulas contratuais, observando as regras legais civilistas, sendo urgente  a alteração do texto do Estatuto da Terra e seu Regulamento.

Deduzir a autonomia privada dos empresários rurais, abreviando a possibilidade de estabelecerem preços, prazos e forma de retomada do imóvel, é um atentado à livre iniciativa e à correta utilização da terra. Claro que tal possibilidade deve ser observada quando uma das partes não seja um agricultor ou empreendedor familiar, pois neste caso poderia haver disparidade de forças entre os contratantes, sendo uma parte hipossuficiente, e então a lei específica deve manter-se hígida a esses casos pontuais, ou, caso venha a sofrer alteração, inclua essa ressalva.

Dessa forma, nos contratos de arrendamento rural, via de regra, os costumes da região devem ser mantidos reconhecendo-se como válida a fixação do preço do arrendamento em produto e, inclusive como jurisprudencialmente tem sido julgado, para o fim do ajuizamento de ação de despejo pela hipótese de inadimplemento do arrendatário, trazendo um alento também ao proprietário da gleba, a fim de que ninguém venha a se beneficiar da própria torpeza ou, simplesmente, que os pactos sejam mantidos elegendo como bússola a autonomia das partes, dentro dos princípios de legalidade e contratação previstos no código civilista brasileiro.

Por Raul Ritterbusch Mello, advogado, inscrito no OAB/RS sob. o nº 73.159. Diretor de Eventos da Associação Brasileira de Advogados de Passo Fundo, RS. Membro da Comissão Nacional de Direito do Trabalho da Associação Brasileira de Advogados


[1] Decreto no 59.566, de 14 de novembro de 1966.

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