Por Esdras Dantas de Souza
No cenário jurídico brasileiro, a luta incessante por justiça e igualdade não pode ser ignorada. Em 31 de outubro de 2023, uma data que ficará marcada na história de nosso país, uma nova lei foi promulgada, trazendo à tona uma questão sensível e importante: o feminicídio. A Lei nº 14.717 veio estabelecer a instituição de uma pensão especial destinada aos filhos e dependentes menores de 18 anos que perderam suas mães devido a esse crime brutal.
O feminicídio, que é tipificado no inciso VI do § 2º do art. 121 do Código Penal, representa um dos problemas mais preocupantes da nossa sociedade. Esse tipo de crime tem consequências devastadoras, afetando não apenas as vítimas diretas, mas também suas famílias e, principalmente, seus filhos. Com a promulgação desta nova lei, o Estado brasileiro reconhece sua responsabilidade em oferecer apoio e amparo a essas crianças e adolescentes que perderam suas mães para o feminicídio.
O cerne da Lei nº 14.717 é a criação de uma pensão especial que será concedida aos filhos e dependentes menores de 18 anos das vítimas de feminicídio, desde que a renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 do salário-mínimo. Isso significa que as crianças e adolescentes que se enquadrem nesses critérios terão direito a um benefício no valor de um salário-mínimo. Essa pensão especial será paga ao conjunto dos filhos e dependentes menores de 18 anos na data do óbito da mulher vítima de feminicídio.
Uma característica fundamental da lei é que o benefício pode ser concedido de forma provisória, mediante requerimento, sempre que houver fundados indícios de materialidade do feminicídio, como estabelecido em regulamento. No entanto, o autor, coautor ou partícipe do crime não terá permissão para representar as crianças ou adolescentes com o objetivo de receber e administrar a pensão especial. Isso é crucial para evitar que aqueles envolvidos no crime se beneficiem de forma indevida.
É importante ressaltar que a pensão especial estabelecida por essa lei não é acumulável com outros benefícios previdenciários recebidos do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ou dos regimes próprios de previdência social, nem com pensões ou benefícios do sistema de proteção social dos militares. Além disso, a lei prevê que qualquer criança ou adolescente que seja condenado, por meio de sentença com trânsito em julgado, pela prática de um ato infracional análogo a feminicídio, cometido contra a mulher vítima da violência, perderá definitivamente o direito ao benefício, com exceção dos absolutamente incapazes e inimputáveis.
A lei também estabelece que o benefício cessará quando o beneficiário completar 18 anos de idade ou em caso de seu falecimento, com a respectiva cota revertida aos demais beneficiários. Importante destacar que o recebimento desse benefício não prejudicará os direitos dos beneficiários em relação à obrigação do agressor ou autor do ato delitivo de indenizar a família da vítima. Isso reforça a ideia de que a justiça deve prevalecer, garantindo que os agressores sejam responsabilizados pelos danos causados às vítimas e às suas famílias.
É significativo observar que a Lei nº 14.717 não traz efeitos retroativos, ou seja, os benefícios concedidos não retroagem à data de ocorrência do feminicídio, mas aplicam-se aos casos elegíveis na data de sua publicação. Isso é relevante para garantir a aplicação justa e equitativa da lei, sem prejudicar aqueles que, infelizmente, foram vítimas no passado.
A promulgação desta lei é um passo importante no combate ao feminicídio e na proteção dos direitos das crianças e adolescentes que sofrem as consequências desse crime hediondo. Ela reconhece a necessidade de oferecer apoio e amparo a essas vítimas indiretas, que muitas vezes ficam esquecidas no processo de busca por justiça.
Como presidente da Associação Brasileira de Advogados (ABA), considero esta lei um avanço significativo no nosso sistema jurídico. Ela reflete um compromisso com a justiça e a proteção das vítimas de feminicídio, em especial as crianças e adolescentes que têm o direito de crescer em um ambiente seguro e receber o apoio necessário para superar essa tragédia.
É fundamental que continuemos a lutar pela igualdade e justiça em nossa sociedade, e esta lei é um passo na direção certa. A Associação Brasileira de Advogados (ABA) permanece comprometida em defender os direitos e interesses da população, e continuará trabalhando para garantir que a lei seja aplicada de forma justa e eficaz.
Este é um momento de reflexão e esperança, pois a Lei nº 14.717 representa um marco na proteção das vítimas de feminicídio e no apoio às crianças e adolescentes que enfrentam a perda de suas mães. Continuaremos a pressionar por um sistema jurídico mais justo e igualitário, que atenda às necessidades daqueles que mais precisam. Unidos, podemos construir um futuro mais seguro e igualitário para todos.
Esdras Dantas de Souza é advogado, professor, foi advogado público, no Distrito Federal e na União; presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seçlão do Distrito Federal; desembargador do Tibunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, diretor do Conselho Federal da OAB, conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público e atualmente é o presidente da Associação Brasileira de Advogados (ABA)