RESUMO: Com o novo cenário trazido pela pandemia do Covid-19, o saque do FGTS se tornou essencial para garantir o sustento de muitos trabalhadores que se depararam com a redução salarial e até mesmo com o desemprego. Dessa forma, muitas pessoas estão ajuizando ação na Justiça do Trabalho na expectativa de obterem o deferimento para poderem movimentar os valores depositados pelos empregadores na conta do FGTS em que a gestora desta é a Caixa Econômica Federal. Entretanto, muitos têm encontrado entraves nas decisões judiciais no que diz respeito a competência da Justiça do Trabalho para liberação de tais valores.
Palavras-chave: FGTS. COVID-19. Medida Provisória. Direito do trabalho. Força Maior
É notório que pandemia do Coronavírus, que se iniciou em 26 de março de 2020 e se prolonga até os dias atuais, trouxe marcas devastadoras para o país, pois estamos vivenciando um dos piores cenários da economia e com isso os índices de desemprego se elevam a cada dia.
Diante disso, muitos são trabalhadores sem expectativa de recuperação da situação financeira do Brasil – e, pior, estão acreditando até em dias mais difíceis – afinal, praticamente a cada semana são editados novos decretos estaduais e/ou municipais com medidas restritivas de deslocamento de pessoas e funcionamento de estabelecimentos comerciais com o objetivo de conter a contaminação da Covid-19.
E, no atual cenário, não se pode negar que por mais que sejam necessárias tais medidas para a contenção da disseminação do vírus, lado outro é certo que a economia tem sido bastante afetada, ainda mais para o Brasil, um país subdesenvolvido que há anos vem na luta para se reerguer.
Nesse prumo, é incontroverso que a doença, a morte, o isolamento social e a queda na economia arruinaram a renda e o trabalho das pessoas, disseminando a pobreza e atingindo, de forma contundente, os trabalhadores mais pobres de todo o país, trazendo ao Judiciário trabalhista as pretensões de liberação do FGTS depositado em conta vinculada.
Sendo assim, os trabalhadores viram como alternativa financeira demandarem ações na Justiça do Trabalho para requererem o levantamento do saldo do FGTS como fonte de auxílio de renda e, em muitos casos, talvez até da maioria, de manterem seu próprio sustento.
Ocorre que essa solução não é tão simples, pois há uma parcela de magistrados que não entende que a competência seja da Justiça do Trabalho para analisar o pedido de liberação dos depósitos do FGTS perante a Caixa Econômica Federal. Para essa visão, a competência para processar e julgar os feitos relativos à movimentação do FGTS, excluídas as reclamações trabalhistas, é da Justiça Federal[1][2][3].
Entretanto, em caráter excepcional, o pensamento deveria ser diferente, até por questão de razoabilidade em relação a todas as circunstâncias que vem enfrentando Brasil, em razão da pandemia do COVID-19 nunca vivenciado antes. E, salientando as reduções salariais autorizadas pela então MP 936/2020[4] e renovadas pela MP 1045/2021[5], perda de benefícios e vantagens, além da redução extrema de empregos, imperativa se torna a concessão do direito de sacar o fundo de garantia por tempo de serviço em agência Caixa Econômica Federal como forma de amparar e minimizar o sofrimento e o estado de miserabilidade tantas pessoas.
Os magistrados que indeferem os pedidos de levantamento dos valores na conta do FGTS justificam suas sentenças apenas com base na Súmula nº 82 do STJ, a qual prevê a competência da Justiça Federal para julgar casos de movimentação do FGTS, e, ao final, extinguem o processo sem analisar a questão central. Tal entendimento defende a competência material da Justiça do Trabalho para julgar causas que envolvam verbas de FGTS somente em causas que envolvam relação empregatícia, não sendo cabível nas demandas em que se discute somente a autorização de saque fundiário e instituição bancária, caso em que a competência será da Justiça Federal.
De toda sorte, ainda há esperança para os advogados que militam na área trabalhista e que tenham a pretensão de insistir no propósito de seus clientes, pois há magistrados que entendem que a Justiça do Trabalho é competente para julgar processos com pedido de expedição de alvará judicial para liberação do saque dos depósitos do FGTS junto à Caixa Econômica Federal.
As sentenças que julgam procedente o pedido de levantamento dos valores depositados na conta do FGTS dos trabalhadores expõem nas suas teses uma visão macro da realidade enfrentada pelos trabalhadores brasileiros, assim sopesando todos os impactos que a decisão de extinção do processo pode ocasionar na vida daquele indivíduo.
Diversos aspectos foram levados em consideração como o fato de se tratar de jurisdição voluntária em que não há conflito de interesses entre as partes, mas apenas a solicitação de providência sobre a qual não existe controvérsia; a nova redação dada ao art. 114 da Constituição Federal trazida pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004[6], em que a Justiça do Trabalho passou a ter competência para julgar quaisquer processos relativos a direitos e obrigações que decorram da relação de emprego, mesmo que não se estabeleçam entre empregado e empregador; e o principal e mais relevante motivo: a pandemia causada pelo CORONAVÍRUS – COVID 19, que tem se revelado como uma das maiores crises sanitárias em escala global deste século, com diversas consequências econômicas, sociais e humanitárias dela decorrentes, além das milhares de vidas ceifadas pelo mundo.
De mais a mais, ainda foram mencionados o art. 20, XVI, “a”, da Lei nº 8.036/90[7], que autoriza a movimentação da conta de FGTS dos trabalhadores residentes em áreas de calamidade pública; o art. 7º, III, da CRFB/88[8], que diz ser o FGTS direito dos trabalhadores e que sua liberação não prejudica direito algum da parte empregadora; além do Decreto nº 5.113/2004[9], que atende a disciplina legal vigente para os casos de calamidade pública, observando-se o limite de valores.
Ademais, a liberação dos depósitos do FGTS em razão da pandemia não ofende o artigo 8º da CLT[10], que prega a supremacia do interesse público, já que o interesse público maior é a saúde e o bem-estar da população.
Não obstante, a MP 1046/2021[11] não mencionar que estamos diante de um estado de calamidade pública, diferentemente da MP 927/2020[12], bem como aquela não fazer qualquer consideração a respeito das circunstâncias do estado de força maior, não gera qualquer ameaça ao direito do trabalhador em requerer o saque do fundo do FGTS. Posto que o magistrado no poder das suas atribuições poderá declarar o estado de força maior com base nos fundamentos do art.501 da CLT[13].
Assim, as finalidades sociais dos recursos do Fundo que são financiar investimentos no sistema habitacional, em saneamento e infraestrutura tornam-se insignificantes e inúteis se o trabalhador não estiver vivo para gozar dessas benesses. Afinal, não se deve esquecer que o caráter primordial do FGTS é ser um direito do trabalhador.
No caso da pandemia provocada pelo COVID-19, os magistrados que defendem o levantamento dos valores do FGTS entendem que o limite do saque do FGTS deve ser no valor de R$6.220,00, conforme preconiza o Decreto nº 5.113/04, que traduz hipótese mais ampla que a da MP 946/2020[14] (art. 6º), assim superando o valor limite de R$1.045,00.
Ressalta-se que é inegável a concessão do saque do FGTS diante do requerimento do trabalhador frente à necessidade pessoal diante do atual cenário da crise pandêmica.
Em arremate, diante do atual panorama da crise do COVID-19, concluímos que a intenção dos juízes ao autorizar o levantamento do FGTS em casos de calamidade é socorrer o trabalhador num momento de revés diminuindo os impactos da fatalidade no meio social, como ocorreu em 2015 no caso do rompimento da Barragem da Mineradora Samarco em Mariana/MG. Logo, a liberação do FGTS vai ao encontro da premência de recursos materiais para municiar as famílias no enfrentamento da PANDEMIA.
[1] TRT-7 – RO: 00003010520205070008
[2] TRT-1 – RO: 01003298020205010029
[3] TRT-3 – RO: 00103361020205030178
[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv936.htm
[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Mpv/mpv1045.htm
[6] https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_03.07.2019/art_114_.asp
[7] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8036consol.htm
[8] https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_15.12.2016/art_7_.asp
[9] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5113.htm
[10] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
[11] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Mpv/mpv1046.htm
[12] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv927.htm
[13] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
[14] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv946.htm
Por Thaís de Siqueira Campos Azevedo e Roberta Manfredi
Thaís de Siqueira Campos Azevedo, advogada graduada em Direito pela Universidade Candido Mendes, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes e graduanda em Direito e processo do trabalho pela IBMEC/RJ, palestrante, membro da comissão de estudos de Direito e Processo do Trabalho da OAB/RJ e membro da comissão de Direitos Sociais da ABA Nacional, sócia e fundadora do escritório Thaís de Siqueira Campos Advocacia. E-mail: thais.siqueiracampos.adv@gmail.com
Roberta Manfredi, advogada, graduada em Direito pela FDV- Faculdade de Direito de Vitória, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela LFG e pelo IBMEC/RJ, palestrante, membro da Comissão de Óleo e Gás da OAB/RJ, sócia e fundadora do escritório Manfredi & Marques Advogados Associados. E-mail: manfredi@manfredimarques.com.br