Este artigo tem como questão central averiguar os requisitos e exceções do consentimento informado na relação médico-paciente. Antes de adentramos ao tema central, importante destacarmos que conforme a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, na competência para legislar matéria relativa à atividade da medicina, foi atribuída ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e aos Conselhos Regionais de Medicina (CRM).
Assim, conforme dispõe a Lei, o Art. 2º, “O conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina, e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente.”
Por força da lei, o CFM publicou a Recomendação nº 1/2016, destacando que os médicos devem levar em consideração o documento Consentimento Livre e Esclarecido, constante no Anexo I. Destacamos que a Recomendação entrou em vigor no dia 21 de janeiro (data da publicação).
Muito embora em constante evolução, as recomendações servem como guia, visando que o consentimento seja colhido livremente após previamente o paciente ter sido esclarecido visando auxiliar os médicos no mister da profissão com o máximo de zelo e atenção primando pelo benefício da saúde dos pacientes conforme os Princípios Fundamentais do Código de Ética Médica (Resolução 2.217/18).
Nesse contexto, dentre os Princípios Fundamentais do Código de Ética Médica destacamos o enunciado do item XXI, do Capítulo I, que determina que na tomada de decisões, conforme a consciência e as previsões legais, as escolhas dos pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos apresentados, deverão ser aceitas pelo médico se estiverem adequadas ao caso e reconhecidas cientificamente.
Além da Recomendação acima citada, o Código de Ética Médica ainda possui previsão sobre o consentimento, dentre eles destacamos o Art. 22, que determina que é vedado ao médico, exceto em caso de risco iminente de morte, deixar de obter o consentimento do paciente ou do representante legal acerca do procedimento a ser realizado, após esclarecê-lo. Atrelada a essa condição, o Art. 34, do mesmo diploma, traz que na relação médico-paciente, também é vedado ao médico, deixar de informar o paciente o diagnóstico, os riscos e os objetivos do tratamento.
Igualmente o texto anterior, a exceção nesse dispositivo está quando a informação da comunicação direta possa provocar algum dano mas, coloca como obrigação, o dever de comunicar o representante legal. No mesmo assunto, ainda é vedado ao médico, no exercício da profissão, exercer sua autoridade para limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar conforme o Art. 24.
Também é importante destacar que, conforme consta no Capitulo III, o Art. 1º, do Código de Ética Médica, reza que é vedado ao médico “causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável, como imperícia, imprudência ou negligência.” Já os Arts. 3º e 4º, do mesmo Capítulo, respectivamente, diz que é vedado ao médico “deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente” e é vedado ao médico “deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal.”
Lado contrário, o Código de Ética Médica também traz diversos direitos resguardados ao médico, dentre eles, destacamos o inciso II, do Capítulo II, que diz que é direito do médico, indicar para o paciente, o procedimento adequado, sempre observando que as práticas devem ser cientificamente reconhecidas e respeitadas pela legislação vigente.
Posto tais esclarecimentos, passaremos a tratar do tema central iniciando pelos requisitos do consentimento informado na relação médico-paciente. Para tanto, pontuamos que o consentimento informado enquanto instituto jurídico, prescinde de uma análise acerca da licitude/ilicitude do agir que, por sua vez, assume a forma de relação contratual, ou seja, um acordo de vontade entre as partes para um fim comum.
Muito embora o contrato médico é tido na literatura como sui generis, por possuir ao menos três pontos peculiares dos demais contatos, é importante ressaltar que em primeiro, o médico não está vinculado à obtenção de uma cura; segundo porque a fonte das obrigações é diversa, tendo variações conforme a modalidade média e terceiro, os comportamentos vão além da técnica médica pura e simples e alcançam a obrigação da prática de colheita do consentimento após devidamente informar o paciente.
O consentimento-aceitação prestado pelo paciente no âmbito da relação médico-paciente, é duplo. Primeiro, o consentimento ocorre na contratação dos serviços do profissional e segundo, posteriormente, na declaração de vontade para a realização de ações médicas diagnósticas ou terapêuticas, ou seja, para o tratamento.
Deste modo, dentre os requisitos, destacamos a capacidade ou competência do paciente, sendo que capacidade está ligada ao conceito de autonomia. Para a conclusão da existência da capacidade do paciente, deve ser observada as escalas, sendo elas: a) a capacidade de expressar ou comunicar uma preferência; b) entender a própria situação e suas consequências; c) entender as informações relevantes; d) oferecer um motivo; e) fundamentar sua motivação de forma racional; f) oferecer motivos relacionados com riscos e benefícios e g) chegar a uma decisão razoável (tendo por base o modelo de uma pessoa razoável).
Para Dalmir Lopes Junior, o paciente pode ser capaz de comunicar uma preferência porém, essa habilidade deve ser analisada em conjunto com os demais pontos para que seja possível aferir maior ou menor grau da capacidade pois, ainda que o paciente tenha capacidade de comunicar uma preferência, esta comunicação deve estar em consonância com a capacidade de entender as informações de avaliar sua própria situação médica, descritas na escala acima (b e c) e ainda a condição de fazer uma avaliação crítica que possibilite a tomada de decisão de modo razoável conforme a referida escala (d, e, f e g). A capacidade de direito é diferente da capacidade de exercício, pois a de direito está ligada a ser sujeito de direito, ou seja, de adquirir direitos e deveres, já a de exercício está ligada a condição de exercer os direitos e deveres por si só.
No que se refere o consentimento informado, apenas os maiores de 18 anos, podem emitir de forma válida, desde que sejam capazes de exercer os direitos e obrigações por si só e quanto aos menores, estes precisam ser assistidos e ou representados. Quando se tratar de menor relativamente capaz, é preciso duas manifestações de vontade, a do menor e a dos representantes. Já nos casos em que o menor for incapaz, basta a manifestação de vontade dos representantes, pais ou tutores. Quanto a incapacidade dos maiores de 18 anos, esta deve ser declarada mediante procedimento judicial sendo que seu representante legal deverá manifestar ou não o consentimento para o médico.
Outro requisito é a voluntariedade ou liberdade do paciente, sendo que a voluntariedade está ligada a condição da prática do consentimento informado sem influencias externas. Nesse contexto do consentimento, a “voluntariedade’ refere-se ao direito do paciente em decidir sobre seu tratamento e sobas informações pessoais sem que haja influência indevida.
A liberdade do paciente em decidir pode ser viciada por fatores internos a própria condição do paciente bem como por fatores externos, como a exemplo, o controle exercido por outras pessoas sobre o paciente seja pela força, coerção e ou manipulação. A voluntariedade é um requisito ético para o consentimento ser válido, e se correlaciona com liberdade, autonomia e independência. Portanto, a voluntariedade funciona como um verdadeiro requisito tendo em vista que uma ação não pode ser empreendida fora da intenção do paciente pois violaria totalmente a autonomia.
Por fim, o esclarecimento ou informação ao paciente é outro requisito que deve ser considerado, sendo que o esclarecimento está ligado ao dever informacional. O médico tem o dever de esclarecer ao paciente todos os diagnósticos, prescrições e riscos que o paciente correrá naquele procedimento. A ausência de esclarecimentos ou esclarecimentos insuficientes viciam o consentimento pois, para que o consentimento seja válido, além da capacidade e da voluntariedade o paciente deve ser esclarecido corretamente em linguagem no nível de sua compreensão.
Em termos de pesquisa, o consentimento informado é composto por oito elementos básicos sendo eles: 1) a informação (sobre o que é a pesquisa, os objetivos, a duração do envolvimento, os tipos de procedimentos e experimentos); 2) riscos (eventuais desconfortos que o paciente poderá ter; 3) benefícios; 4) alternativas (quais alternativas teria além do que foi apresentado); 5) confidencialidade; 6) entendimento (o paciente precisa entender quais os procedimentos que será submetido; 7) identificação; 8) voluntariedade (o paciente tem que aceitar voluntariamente a experiência de pesquisa com a possibilidade de abandono sem restrições e ou consequências). As pesquisas devem obedecer as Resoluções pertinentes devendo ser aplicando os critérios do consentimento informado adequando com as determinações das Resoluções pertinentes.
Já ao que se refere as exceções, ou seja, a desnecessidade de consentimento, há duas, sendo: a) a renúncia à informação, b) o privilégio terapêutico. As duas exceções ao processo de esclarecimento do ato de consentir, tem natureza distinta e devem ser consideradas independentemente. No caso da renúncia à informação, é o paciente quem escolhe não ser informado, não querer receber esclarecimentos sobre eventual diagnóstico negativo e ou sobre o curso de um tratamento por parte do profissional.
A renúncia do paciente é tida como uma exceção ao dever do médico em prestar todos os esclarecimentos ao paciente. Para Walter Osswald, “o doente que prefere ignorar o diagnóstico e o prognóstico, que se entrega voluntária e confiadamente ao saber e decisão médica, não pode ser confrontado com a verdade que não deseja conhecer; revê-la constituiria uma crueldade gratuita, um atropelo do seu direito fundamental e uma má prática da medicina, mesmo do ponto de vista puramente técnico.”
Já no caso do privilégio terapêutico, este ocorre quando o médico decide que a revelação integral da informação poderá causar prejuízos à saúde do paciente e ou a realização imediata de uma decisão autônoma. É considerado um privilégio porque o profissional fica isento do dever de fornecer as informações plenas ao paciente. O privilégio terapêutico guarda uma relação tênue entre o dever informacional que objetiva o respeito a autonomia do paciente e a conclusão do bem-estar físico e psíquico em que o paciente se encontra que tornaria o tratamento comprometido se lhe fosse prestada todas as informações.
Os defensores da exceção do consentimento após as informações, afirmam que a exceção do privilégio pode ser escolhida com justificativas fracas, devendo então a totalidade das informações serem ocultadas visando evitar a causar um dano psíquico ao paciente.
Outra justificativa é que a completa e imediata informação do diagnostico poderia acarretar em privar o paciente da aptidão para decidir de forma racional uma vez que o mesmo estaria totalmente fragilizado. Estes defensores, dizem que a informação passada de forma gradual tem maiores condições de proporcionar ao paciente o completo discernimento de todos os riscos que estaria correndo.
Para os adeptos dessa modalidade acrescida da condição de que as justificativas devem ser fortes, estes afirmam que a recusa não é compreendida como um dano potencial mas que as revelações prestadas poderá levar o paciente a escolher uma forma de tratamento que não será adequada ou por ser prejudicial.
Para Dalmir Lopes Júnior, a grande diferença entre as duas posições (fraca e forte) quanto à exceção do consentimento pela modalidade do privilégio terapêutico é que na justificativa fraca, as informações seriam passadas de forma gradual, ocultando-se a informação total e imediata, o que possibilitaria com que o paciente, de forma autônoma e futura, tomasse a decisão correta. Já a justificativa forte tem o condão de evitar que uma decisão seja tomada erroneamente ou equivocada por parte do paciente.
Por esses fundamentos, o privilégio terapêutico é medida excepcional e temporária, pois prevalece o dever informacional devidamente esclarecido para que o paciente possa emitir o seu consentimento de forma válida. O dever informacional não finda e nem ocorre a suspensão com a exceção do privilégio terapêutico, apenas fundamenta o seu adiamento, devendo sempre ser observada as condições do dever informacional.
Além das exceções acima, ainda temos que, em casos de emergência, o profissional de saúde está autorizado a agir com base nos mandamentos clássicos da ética-hipocrática estando compreendidas as ações para fazer o bem (beneficência) e evitar o mal (não-maleficiência).
Os esforços para a manutenção da vida ou para a convalescença do paciente de modo digno, é de longe, o eixo principal da ação médica mesmo que definir as situações de emergências não seja tarefa fácil, para tanto, tem-se que observar se o paciente se encontra em situação de necessidade premente, do contrário, certamente surgirá o questionamento se o consentimento não poderia ser colhido noutro momento, após detalhadamente ser informado. Será preciso considerar a complexidade existente na prática clínica, a exemplo, casos em que o paciente esteja inconsciente, ou vice-versa.
Nesse contexto, para que a exceção do colhimento do consentimento seja válida, pela condição da emergência, é importante ser observada a situação de emergência do paciente e que represente um perigo iminente cumulado com a condição de impossibilidade de decidir, não basta o perigo iminente, o paciente não pode estar em condições de decidir para que a exceção da emergência seja válida.
Concluindo, muito embora os requisitos e exceções do consentimento informado na relação médico-paciente não se exaure neste estudo, pretende-se com o mesmo que o leitor tenha uma maior compreensão acerca do tema haja vista que objetiva chamar a atenção para um debruçar mais apurado acerca do tema pois, nos dias atuais, a relação médico-paciente está cada dia sendo pautada no dever informacional versos o direito da autonomia do paciente em decidir sobre sua própria vida e sobre o tratamento indicado.
Em linhas finais, destaca-se a importância de documentar todos os acontecimentos oriundos dessa relação visando resguardar-se de eventuais questionamentos seja em juízo nas esferas civil e ou criminal e ou perante os Conselhos Regionais de Medicina em procedimentos de sindicância e ou apuração ética-profissional por falta de informação.
REFERÊNCIAS
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JUNIOR, Dalmir Lopes. Consentimento informando na relação médico-paciente. Belo Horizonte: Editora D’Plácido. 2018, p.207-210.
OSSWALD, Walter. Toda a verdade ao doente? In: ASCENSÃO, José de Oliveira (coord). Estudos de direito da bioética. Vol. II. Coimbra: Almedina, 2008, p.319.
Por Dra. Djenane Nodari, advogada, Pós-graduada em Direito Civil. Pós-Graduada em Mediação, Conciliação e Arbitragem. Especialista em Direito Médico e da Saúde. Pós-graduanda em Direito Médico. Atuante em Direto Civil, Direito Médico e na Judicialização da Saúde. Presidente da Comissão de Direito da Saúde da Associação Brasileira de Advogados – ABA Mato Grosso e membra da Comissão Nacional de Direitos Sociais e Inclusão da ABA.