Desmistificando a possibilidade de punir a inadimplência alimentar com o cerceamento do direito à convivência entre pais e filhos.
O presente artigo se dispõe a esclarecer que o inadimplemento alimentar não configura barreira ao direito de visitação e convivência entre pais e filhos, elucidando de forma sucinta os instrumentos apropriados para se compelir ao pagamento da obrigação alimentar sem que reste prejudicada a relação familiar.
A Constituição Federal tem como um dos seus pontos basilares a proteção da criança e do adolescente, proteção esta que confere aos menores a convivência familiar e social como fonte de desenvolvimento.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O direito à convivência familiar se estende nos casos em que há o rompimento matrimonial, a fim de que não haja, igualmente, o distanciamento entre pais e filhos. Nesses casos, a manutenção da convivência se dá por meio da visitação pelo genitor que não exerce a guarda em tempo integral.
A visitação mencionada acima tem amparo legal na legislação civil:
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.
Assim, amparados legalmente, pais e filhos podem manter a relação estreita por meio da convivência regular.
Todavia, esta garantia de convívio muitas vezes é rompida em razão da má relação entre os pais após o término do casamento. Para além da alienação parental, vê-se que um dos grandes fatores para que o genitor seja impedido de visitar seus filhos é o inadimplemento em relação à pensão alimentícia.
O dever alimentar, que na relação parental é regulado pelo art. 1.696 do Código Civil, garante que os filhos não fiquem desamparados materialmente quando da ruptura do vínculo conjugal de seus pais, da mesma forma que assegura aos pais que, na velhice, sejam amparados financeiramente por seus filhos, caso haja a necessidade material.
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Assim, entende-se que o dever de prestar alimentos está intimamente ligado ao direito de recebê-los quando falamos das relações parentais. No entanto, há no Brasil um grande índice de descumprimento do dever alimentar por parte do genitor não detentor da guarda, de forma que muitos filhos, além de sofrerem com o fim do relacionamento dos pais, encontram-se, também, desamparados financeiramente.
Diante da inadimplência quanto ao pagamento dos alimentos, abre-se a possibilidade ao genitor que detém a guarda de regulamentar a pensão alimentícia pela via judicial e, quando descumprida a determinação do juízo, executar os alimentos devidos.
A execução se efetiva de dois principais modos, a penhora de bens e a prisão civil, o que podemos considerar penalidades ao devedor, uma vez que o primeiro modo interfere no direito à administração de bens e o segundo resulta no cerceamento de liberdade.
Dessa forma, após apresentadas as formas coercitivas ao pagamento da prestação alimentar, vale dizer que o impedimento à visitação não é – e nem deve ser – uma delas.
A visitação é direito que assiste não só ao genitor não detentor da guarda, como ao filho, este de forma primordial, uma vez que é ser humano em desenvolvimento e merece crescer cercado do afeto de seus familiares, em especial de seus genitores.
Dito isto, a tentativa que compelir o devedor de pensão alimentícia ao seu pagamento por meio do impedimento de convivência com os filhos nada mais é que uma maneira arbitrária e ineficiente, uma vez que a proibição, na maioria das vezes, deságua no desinteresse e no afastamento do familiar, resultando não somente no inadimplemento do débito alimentar, mas também na ruptura de relações entre pais e filhos.
Conclusão
Conclui-se, portanto, que o direito de visitação dos genitores não pode ser impedido tendo por fundamento o inadimplemento alimentar, não por ser um direito que se sobrepõe, mas por haver medidas judiciais próprias para cada caso em específico, sem que haja a necessidade de interferir no direito básico da criança de conviver com sua família para que se imponha a obrigação patrimonial de pagamento de pensão alimentícia.
Referências
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias — 12. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
DIAS, Maria Berenice. Alimentos – Direito, Ação, Eficácia E Execução – 3ª Edição (2020). JusPodivm.
Por Georgia Moraes Sett Rocha Cunha. Membro da comissão de Direito das Famílias e Sucessões da ABA/RJ. Advogada pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões pela UCAM. Assessora Jurídica na Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras – SEINFRA/RJ. Formação teórica em mediação de conflitos pelo MEDIARE – Rio.