COMBATE À CORRUPÇÃO POR MEDIDAS ESTRUTURAIS

Por Aldemário Araújo Castro

Professor

Advogado

Mestre em Direito

Procurador da Fazenda Nacional

                                               A corrupção foi e é um dos maiores problemas do Brasil. “Para o Fórum Econômico Mundial (Suíça, julho de 2016), o Brasil era o quarto país mais corrupto do mundo, ao lado do Paraguai. Venezuela, Bolívia e Chade estavam à frente” (Fonte: O Jogo Sujo da Corrupção de Luiz Flávio Gomes). Na atualidade, a desenvoltura com que o Centrão ocupa espaços na Administração Pública e no trânsito financeiro-orçamentário das verbas públicas acende o sinal vermelho das preocupações com a probidade administrativa. Não parece razoável imaginar que os integrantes desse aglomerado político tenham sido convertidos, com entusiasmo, para o lado bom/positivo da Força.

                                               São fortíssimos, nesse sentido, os indícios de graves ilícitos no âmbito de uma engenhosa operação envolvendo vultosos recursos públicos identificada recentemente pela imprensa como “orçamento paralelo”, “orçamento secreto”, “tratoraço” ou “bolsolão”. Essa “composição” entre o Executivo e o Legislativo envolveu: a) vários parlamentares, “curiosamente” do Centrão; b) a aplicação ou execução de cerca de 3 bilhões de reais; c) recursos oriundos de “negociações” em torno de emendas do relator ao orçamento para 2021; d) indicações de parlamentares, inclusive em ofícios, de como o dinheiro público deveria ser gasto no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Regional e e) direcionamentos de recursos para a compra de tratores e máquinas agrícolas com claros indícios de sobrepreço (num dos casos levantados pela imprensa, um trator que deveria custar 100 mil reais teve sua compra autorizada com sobrepreço de 259%). Esses elementos e outros tantos foram veiculados no site do Estadão (https://politica.estadao.com.br). 

                                               O eficiente combate à corrupção passa longe, muito longe, de uma simplória cruzada moral contra os degenerados detratores da moralidade e patrimônio públicos e pela busca por mitos, messias, heróis ou salvadores da Pátria. O longo e penoso processo de combate à corrupção e malversações congêneres deve ser centrado fundamentalmente na criação de mecanismos institucionais que cortem o oxigênio dos malfeitores, sem prejuízo de rigorosas verificações éticas para ocupação de postos cruciais nas várias áreas de atuação do Poder Público.

                                               A convenção das Nações Unidas contra a corrupção, conhecida como Convenção de Mérida, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 5.687, de 31 de janeiro de 2006, consiste num emblemático exemplo da inafastável necessidade de construção de instrumentos institucionais (permanentes e impessoais) de combate a esse nefasto fenômeno. São previstas, entre outras, as seguintes medidas a serem adotadas pelos Estados Partes:    a) políticas e práticas de prevenção da corrupção; b) existência de órgão ou órgãos de prevenção à corrupção; c) criação de códigos de conduta para funcionários públicos; d) diretrizes para contratação pública e gestão da Fazenda Pública; e) providências para prevenir a lavagem de dinheiro; f) combate ao tráfico de influências; g) repressão ao enriquecimento ilícito; h) responsabilização das pessoas jurídicas; i) proteção a testemunhas, peritos e vítimas; j) proteção aos denunciantes; k) cooperação com as autoridades encarregadas de fazer cumprir a lei; l) eliminação de obstáculos investigativos baseados no sigilo bancário; m) promoção da cooperação internacional e assistência judicial recíproca; n) adoção de técnicas especiais de investigação; o) providências para recuperação de ativos e p) adoção de departamento de inteligência financeira.

                                               Nessa linha, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (n. 14.133/2021) deu importantes passos no aperfeiçoamento institucional do processo de combate à corrupção e atos assemelhados. Merece destaque o capítulo destinado ao “Controle das Contratações”. No seu âmbito, o art. 169 estabelece: a) práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação; b) a abertura ao controle social; c) a fixação de três linhas de defesa: c.1) servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade; c.2) unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade e c.3) órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas.

                                               Especial importância deve ser reconhecida para os dispositivos que obrigam a prática de atos digitais e conformação de processos eletrônicos disponíveis na rede mundial de computadores (internet). Nesse sentido, os termos do art. 12, inciso VI; art. 17, parágrafo segundo e do art. 25, parágrafo terceiro, da Lei n. 14.133/2021 são esclarecedores. Os dispositivos mencionados possuem, respectivamente, as seguintes redações: “os atos serão preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico”; “As licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, admitida a utilização da forma presencial, desde que motivada, devendo a sessão pública ser registrada em ata e gravada em áudio e vídeo” e “Todos os elementos do edital, incluídos minuta de contrato, termos de referência, anteprojeto, projetos e outros anexos, deverão ser divulgados em sítio eletrônico oficial na mesma data de divulgação do edital, sem necessidade de registro ou de identificação para acesso”.

                                               Essa definição, que condiciona a validade dos editais e atos subsequentes à divulgação eletrônica com acesso franqueado à qualquer pessoa, praticamente elimina uma série considerável de prática voltadas para deturpar os processos licitatórios ou de contratação direta, tais como as obrigatoriedades: a) de aquisição presencial de edital; b) de apresentação presencial de recursos e impugnações; c) de vistoria presencial; d) de entrega física de documentos de habilitação e proposta e e) de presença física para assinatura de documentos. A ampla transparência propiciada pela divulgação em meios eletrônicos (internet) reduz substancialmente as margens para manobras ilícitas no curso dos procedimentos licitatórios e de contratação com o Poder Público (especificações artificiais e fracionamentos indevidos, por exemplo).

                                               Infelizmente, a comemoração de avanços institucionais, como a edição da referida nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, no combate às malversações em relação a coisa pública convive com a forte e crescente atuação maléfica de conhecidos e execráveis grupos políticos. Não surpreende, portanto, a rara decisão da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), adotada em dezembro de 2020, no sentido de constituir um grupo de trabalho para monitorar a corrupção no Brasil.

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