O Conselho Pleno da OAB Nacional reconheceu Esperança Garcia como a primeira advogada brasileira. Ela foi uma mulher negra escravizada que lutou contra a situação a qual ela e outras pessoas foram submetidas. Durante a última sessão do ano, nesta sexta-feira (25), o presidente Beto Simonetti comunicou que a direção nacional da OAB aprovou o reconhecimento e a construção de um busto em homenagem a ela a ser colocado na sede do Conselho Federal da entidade, em Brasília.
O tema foi abraçado pelo CFOAB pela então presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada (CNMA) e hoje presidente da OAB-BA, Daniela Borges, e a então presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade (CNPI) da OAB, hoje conselheira federal Silvia Cerqueira (BA). Ambas fizeram o requerimento em nome da história de Esperança Garcia ainda na gestão 2019-2022, que foi também encampado pelas atuais presidentes dos órgãos, Cristiane Damasceno, na CNMA, e Alessandra Benedito, na CNPI.
“Mulher negra e escravizada peticionou, com o pouco conhecimento que tinha, das letras da lei, ao governador da capitania do Piauí para denunciar as violências pelas quais ela, suas companheiras e seus filhos passavam. A decisão é absolutamente oportuna, especialmente pela simbologia do mês de novembro, em que se comemora no dia 20 o Dia da Consciência Negra”, disse o presidente da OAB Nacional. Ele reforçou, ainda, que a Ordem promove a campanha Novembro Preto, com o objetivo de falar sobre os avanços e impactos das questões raciais.
“Que Esperança Garcia seja reconhecida como a primeira advogada brasileira. Para homenagear a história de Esperança Garcia, nada mais justo que reconheçamos agora a importância e declarar que ela é, sim, a primeira advogada do Brasil”, declarou Beto Simonetti.
HISTÓRIA DA PRIMEIRA ADVOGADA
Esperança Garcia foi uma mulher negra escravizada reconhecida, em 2017, pela OAB-PI, como a primeira advogada piauiense. Em 6 de setembro de 1770, ela escreveu uma petição ao governador da Capitania em que denunciava as situações de violências pelas quais crianças e mulheres passavam e pedia providências. A data foi instituída como o Dia Estadual da Consciência Negra, em 1999.
O documento histórico é uma das primeiras cartas de direito de que se tem notícia. É um símbolo de resistência e ousadia na luta por direitos no contexto do Brasil escravocrata no século 18 – mais de 100 anos antes de o Estado brasileiro reconhecê-los formalmente. Sabe-se que Esperança nasceu em 1751, no Piauí, mas não se sabe a data de sua morte.
O reconhecimento da importância dela feito pela seccional do Piauí teve como ato fundamental a atuação do movimento negro do estado e da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da Ordem do Piauí, então presidida pela professora Maria Sueli Rodrigues. À época, foi produzido o “Dossiê Esperança Garcia: Símbolo de Resistência na Luta pelo Direito”, de 149 páginas, que resultou no ato simbólico, 247 anos depois da carta, também chamada de “o primeiro habeas corpus do Brasil”.
O dossiê destaca que, ainda que na época não existisse direito formalmente constituído como na Constituição de 1988, a carta tem natureza jurídica, uma vez que adota caráter de petição. Esperança demonstra conhecer a função das autoridades, do poder exercido pelo governador na época e dos seus poucos direitos. Sua carta se atém apenas a violações às quais foi submetida que desrespeitavam leis como o Decreto 1.695 de setembro de 1869, que proibia a venda de escravos debaixo de pregão, separar o marido da mulher, o filho do pai da mãe, salvo quando maiores de 15 anos. Outro aspecto jurídico da carta de Esperança é a natureza coletiva das reivindicações.
Possivelmente, Esperança Garcia aprendeu a ler e escrever português com padres jesuítas. Após a expulsão da congregação do Brasil, pelo marquês de Pombal, e a passagem da fazenda para outros senhores de escravos, ela foi transferida para terras do capitão Antônio Vieira de Couto. Longe do marido e dos filhos maiores, usou a escrita como forma de luta para reivindicar uma vida com dignidade. A carta foi encontrada em 1979 no arquivo público do Piauí, pelo pesquisador e historiador Luiz Mott.