Por: Dra. Luciana Marques Farias[1]
- Noções introdutórias
A personalidade é a capacidade que as pessoas possuem para exercer seus direitos e contrair deveres.
Quando uma pessoa nasce com vida ela é identificada como uma pessoa física, passando a ser titular de obrigações e direitos que serão adquiridos e exercidos gradativamente até a sua maioridade civil, é o que chamamos de capacidade civil.
Já a pessoa jurídica, é uma entidade originada por uma ou mais pessoas físicas, com finalidade e/ou propósito específicos como, por exemplo, uma sociedade empresarial, desde que devidamente registradas sob o número de um CNPJ, momento em que adquire a personalidade jurídica, que tem direitos e deveres próprios, característicos e independentes dos direitos e deveres dos seus criadores[1].
“O conceito geral da personalidade jurídica é que ela possui aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, ou seja, ela adquire seus próprios direitos decorrentes da lei como um todo, não sendo separada ou dividida proporcionalmente, em razão de obrigações, com seus sócios”[2].
O principal efeito da personalidade jurídica é a separação das obrigações dos sócios com as da empresa, tornando-a um ente exclusivo, ou seja, a empresa criada responde em nome da pessoa jurídica e não em nome dos seus proprietários.
- Da desconsideração da personalidade jurídica
O artigo 50 do CC dispõe que “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
O objetivo desta regra é evitar a prática de fraudes e o abuso de direito pelo mau uso da pessoa jurídica, quando os proprietários de pessoas jurídicas abusam da autonomia patrimonial que estas possuem para prejudicar terceiros, auferindo injusta vantagem.
Sendo assim, a desconsideração da personalidade jurídica consiste na ideia de transferir a responsabilidade da pessoa jurídica que foi utilizada indevidamente para os seus proprietários e reparar os danos causados.
Entretanto, para que a desconsideração da personalidade jurídica seja decretada é necessária a comprovação da existência de fraude ou do abuso de direito, além da prova material do dano, sempre observando o nexo de casualidade em relação ao agente[3].
- A desconsideração da personalidade jurídica no Direito das Famílias
Não são raras as vezes em que as pessoas utilizam a pessoa jurídica da qual são sócias para prejudicar seus familiares como, por exemplo, adquirindo seus bens particulares em nome da pessoa jurídica com o intuito de burlar a meação e a partilha destes bens ou transferindo seus bens particulares para a propriedade da pessoa jurídica com o intuito de diminuir a sua capacidade econômica e financeira para o pagamento de pensão alimentícia aos filhos.
Diante destas situações, a doutrina passou a defender a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no Direito das Famílias.
Rof Madaleno ensina que a desconsideração da personalidade jurídica no Direito das Famílias ocorre de modo inverso, isto é, desconsidera-se o ato, para alcançar bem da sociedade, para pagamento do credor prejudicado[4].
Desta forma, a desconsideração da personalidade jurídica inversa é um instrumento capaz de combater a fraude e o abuso de direito dentro das relações familiares.
- Desconsideração da personalidade jurídica nas ações de alimentos para filhos
A pensão alimentícia tem como objetivo garantir a sobrevivência digna do filho, sendo assim, está fundamentada no direito à vida (art. 5º, caput da CRFB/88), no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CRFB/88).
Trata-se de um dever patrimonial e moral do devedor da pensão alimentícia.
Ao fixar o valor da pensão alimentícia o magistrado deve observar a necessidade do alimentado e a possibilidade de pagamento do alimentante, sempre buscando o equilíbrio entre estes elementos para evitar o prejuízo no sustento de ambas as partes.
Esta forma de chegar ao valor da pensão alimentícia é chamado de trinômio alimentar.
Geralmente, nestas situações, os alimentados recorrem a teoria da aparência, isto é, recorrem aos indícios e nas presunções de riqueza exteriorizada pelo alimentante, demonstrando que a sua vida social é incompatível com a capacidade contributiva e econômica apresentada perante o Judiciário.
Entretanto, esta é uma tarefa árdua para o alimentado, que precisa da pensão alimentícia para o seu sustento e ter uma vida digna.
Diante disso, a doutrina defende que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada nessas situações, uma vez que os valores jurídicos devem sempre privilegiar os interesses do alimentado, que é a parte mais vulnerável da relação alimentar e precisa da pensão alimentícia para a sua subsistência.
Não restam dúvidas que a desconsideração da personalidade jurídica nas ações que tratam de obrigações alimentares evita que o alimentado seja vítima de fraude praticada através da pessoa jurídica do alimentante, fazendo com que este não obtenha sucesso na sua fraude e repare o dano que causou.
- Referências bibliográficas
- ARAGÃO, Diego Zenetti. A Personalidade Jurídica: Conceito, aquisição, efeitos da aquisição, responsabilidade civil e demais aspectos da personalidade jurídica. Em https://diegozanettiaragao.jusbrasil.com.br/artigos/668360098/a-personalidade-juridica. Acesso em 09/05/22.
- BARTOLOMEO, Felipe: Desconsideração da personalidade jurídica: conceitos, teorias e mudanças. Em https://www.aurum.com.br/blog/desconsideracao-da-personalidade-juridica/. Acesso em 09/05/22.
- FERNANDES, Anderson Antonio. A desconsideração da personalidade jurídica e o novo Código Civil. Em https://www.migalhas.com.br/depeso/1308/a-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-o-novo-codigo-civil – Publicado em 20/03/2003. Acesso em 09/05/22.
- MADALENO, Rolf; MADALENO, Ana Carolina Carpes; Madaleno, Rafael. Fraude no Direito de família e Sucessões – 1ª ed. Rio de Janeiro – Editora Forense, 2021. Páginas 629/633.
- TORRES, Vitor : O que é pessoa jurídica. Em https://www.contabilizei.com.br/contabilidade-online/pessoa-juridica/ . Atualizado em 19/04/22. Acesso em 09/05/22.
[1] TORRES, Vitor : O que é pessoa jurídica. Em https://www.contabilizei.com.br/contabilidade-online/pessoa-juridica/ . Atualizado em 19/04/22. Acesso em 09/05/22.
[2] ARAGÃO, Diego Zenetti. A Personalidade Jurídica: Conceito, aquisição, efeitos da aquisição, responsabilidade civil e demais aspectos da personalidade jurídica. Em https://diegozanettiaragao.jusbrasil.com.br/artigos/668360098/a-personalidade-juridica. Acesso em 09/05/22
[3] FERNANDES, Anderson Antonio. A desconsideração da personalidade jurídica e o novo Código Civil. Em https://www.migalhas.com.br/depeso/1308/a-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-o-novo-codigo-civil – Publicado em 20/03/2003. Acesso em 09/05/22.
[4] MADALENO, Rolf; MADALENO, Ana Carolina Carpes; Madaleno, Rafael. Fraude no Direito de família e Sucessões – 1ª ed. Rio de Janeiro – Editora Forense, 2021. Páginas 629/633.