VISUAL LAW APLICADO AOS DOCUMENTOS MÉDICOS

Fernanda Layse da Silva Nascimento[1]

RESUMO: O presente estudo tem como finalidade apresentar mecanismos visuais de facilitação de acesso à informação no âmbito da saúde. A aplicação do visual law garante uma linguagem jurídica mais acessível aos documentos médicos. A partir dessa linguagem facilitada, a transparência se torna ferramenta base, o que contribui na corrida para se estar em compliance.

Palavras-chave: visual law; legal design; compliance; documentos médicos.

INTRODUÇÃO

No Direito palavras e expressões difíceis sempre foram comuns, não à toa existem diversos jargões jurídicos. Todavia, essas práticas tradicionais hoje parecem pouco eficazes entre os operadores do direito e a sociedade que convive cada vez mais em um mundo informatizado e atualizado em tempo real.

A pandemia de COVID-19 fez com que a transformação digital evoluísse rapidamente, o que trouxe consigo uma carga informacional gigante, e hoje, a visualização e entendimento de dados é superestimado para orientar a tomada de decisões.

Apesar de uma parcela da população ser bastante engessada e formal, de outro lado, se tem uma parcela que não consegue compreender adequadamente o que se quer dizer por meio de contratos ou determinados tipos de documentos.

O design adotado dentro do mundo jurídico, se coloca como solução de inúmeros problemas, abrindo portas de conexão entre o Direito e o mundo digital, através de recursos de visual law.

Assim, torna-se um dever produzir e disseminar informações de forma clara, didática e rápida como forma de chegar mais perto do nosso interlocutor. E, nessa linha, utilizar uma linguagem visual garante maior persuasão na hora de se comunicar estrategicamente, o que pode ser aplicado também nos documentos médicos a partir do emprego de visual law, como será abordado a seguir.

1. LEGAL DESIGN E VISUAL LAW

A cada dia que passa, se caminha para uma Medicina Preditiva[2] a partir da massiva evolução tecnológica, e, essa tendência confirma que nos próximos anos a área da saúde será cada vez mais personalizada, afinal essa ciência não é única ou individual.

Por outro lado, todo ser humano é designer por natureza. Absolutamente tudo que existe hoje foi encontrado na natureza e/ou criado e adaptado pelo homem. Negócios são criados inconscientemente a partir da transformação do design, considerando soluções que prometem criar um mundo ideal.

Segundo a definição de Margaret Hagan[3] (2017), Legal Design é a aplicação do design no mundo do Direito com foco no ser humano. Assim o ecossistema de produtos e serviços jurídicos passa a ser permeado por técnicas inovadoras de solução de conflitos, buscando auxiliar os sujeitos de direito em suas tomadas de decisões.

Já o visual law consiste em uma subárea do Legal Design por meio do qual a comunicação jurídica é acertada, tornando-a mais acessível e de fácil compreensão através da adoção de recursos de design gráfico como: vídeos, QR Codes, infografia, iconografia, entre outros recursos.

Não se está aqui a fomentar o embelezamento de peças e documentos jurídicos em substituição de termos textuais, mas, repensar a comunicação jurídica, a partir do uso de elementos visuais, como forma de tornar acessível e se fazer entender por todo e qualquer cidadão.

A Justiça deve ser compreendida em sua atuação por todos e especialmente por seus destinatários. Compreendida, torna-se ainda mais imprescindível à consolidação do Estado Democrático de Direito. (AMB, 2007, p. 4)

Por muito tempo, se quis restringir a linguagem jurídica, onde os operadores do direito se comunicam de forma pedante, falando entre si, deixando de se fazer entender por outras pessoas que não detivesse qualquer conhecimento jurídico, o que causava enormes transtornos à sociedade, que sequer conseguia ler e interpretar um contrato de prestação de serviços ou de compra e venda.

O uso exponencial da tecnologia, massificado ainda pelo período pandêmico que se enfrenta, marcaram vários segmentos por uma transformação digital que se reflete numa mudança cultural. Reuniões e encontros online são cada vez mais breves e diretos.

A busca por atenção, no arsenal de informação que bombardeia, diariamente, os indivíduos fica cada vez mais acirrada. Assim o visual law, como leciona Alexandre Zavaglia Coelho (2019), busca entregar informação jurídica de acordo com a necessidade do seu destinatário final, tornando essa relação mais efetiva e empata.

Fica cada vez mais evidente a desigualdade que permeia as relações contratuais e jurídicas, tornando patente comunicar-se de maneira efetiva através de mecanismos eficientes de comunicação; os elementos visuais podem fundir Direito, tecnologia e design, tornando a prática jurídica mais moderna e voltada à experiência do seu interlocutor.

De forma prática e didática, é possível entender que o objetivo do Legal Design é apresentar métodos para visualizar a lei e dar aos operadores do Direito uma maneira mais eficaz de conceber questões jurídicas e de comunicá-las aos seus clientes e usuários. (AGUIAR, 2021)

E para os que acreditam que essa realidade parece distante, Bernardo Azevedo e Ingrid Oliveira (2021) destacam que o próprio Poder Judiciário, já vem debatendo o tema desde 2019, inclusive com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul editou em 2020 o parecer SEI/TJRS – 2131257 que sugere visual law como forma de comunicação.

Por todo o apresentado, a máxima que se extrai é que de agora em diante o ser humano deve ser colocado no centro do processo, e a partir daí, deverão ser construídas formas de comunicação assertiva de acordo com a necessidade de cada indivíduo. Esta acessibilidade na disseminação de informações que o visual law promove, pode ser aplicada, também, na área da saúde.

2. DOCUMENTOS MÉDICOS

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2019), na pesquisa Judicialização da Saúde no Brasil, o perfil de demandas judiciais até 2017 aumentou 130%. A partir dessa conjuntura, pode se fazer uma breve leitura de que o crescimento de demandas judiciais advém uma relação contratual com foco na prestação de serviços em saúde, onde o contratante, nem sempre detém uma visão global do contrato por não compreender bem termos científicos e nomenclaturas de jargões da medicina.

Aqui pode-se entender por documentos médicos todos os documentos que usualmente regem a relação profissional de saúde – paciente assistido, qual seja: termos de consentimento livre e esclarecido, laudo, receituário, contrato de prestação de serviços, termos de uso/envio de imagem, prontuário do paciente, termo de finalização de tratamento, atestados, ou toda e qualquer informação por meio da qual o profissional relata uma questão médica de interesse jurídico.

Todo esse contexto, adentra no cenário dos documentos médicos, que apesar do vernáculo médico são utilizados em todas as relações de saúde, incluindo assistência odontológica, fisioterápica, fonoaudiológicas, de terapia ocupacional, psicológicas, laboratoriais, entre outras.

Mormente, tais documentos trazem o código de classificação internacional de doenças (CID), sintomas, reações comuns ou adversas, parte de órgãos ou do corpo, nomenclatura de fármacos, e recomendações médicas e assistenciais que nem sempre podem ser bem compreendidas pelo paciente.

Documentos médicos com visual law aplicado podem ser compreendidos mais facilmente, o que contribui para a mitigação de riscos e conflitos que podem existir na relação do profissional de saúde com o seu paciente assistido.

A aplicação de elementos gráficos e visuais nos documentos médicos melhora a comunicação e transmissão de informações, garantindo a melhor compreensão do paciente acerca da doença que possui e tratamento que irá realizar, o que só potencializa o entendimento do assistido que passa a confiar cada vez mais no profissional que a partir do prisma da empatia passa a enxergar melhor o seu paciente.

Segundo Coelho e Holtz (2019), estudos comprovam que imagens são reconhecidas de forma mais rápida pelo cérebro. Porém não se quer substituir palavras por imagens, figuras, tabelas infográficos, por isso a aplicação do visual law no documento médico demandará uma habilidade específica para compreender o indivíduo receptor da informação, considerando suas necessidades e desafios para entender os termos apresentados.

Uma informação mais objetiva e assertiva por meio do uso de elementos visuais auxilia na tomada de decisões, garantindo assim a autonomia do paciente, em, por exemplo, aceitar submeter-se a um tratamento, ou não.

Para aplicação dessa técnica, é essencial o auxílio de um advogado, juntamente, na maioria das vezes, com uma equipe multidisciplinar de design, de modo que o profissional do direito aponte os pontos essenciais do documento e o que pode ser alvo de conflito jurídico, garantindo assim uma relação jurídica entre o profissional de saúde e o paciente mais harmoniosa, sempre centrada no indivíduo hipossuficiente.

3. APLICAÇÃO DE VISUAL LAW NA SAÚDE

Constantemente se busca uma via acessível e prática de transmitir informações que possam ser compreendidas ampliando a capacidade de tomada de decisão da pessoa. E o visual law aplicado aos documentos inerentes à prática médica é uma maneira inovadora de garantir a melhor compreensão pelo destinatário final da mensagem.

Para Juliana Ono Tonaki (2021), é preciso ter em mente que o design é feito para funcionar e conseguir traduzir a visualização de linguagens, otimizando a capacidade que cada pessoa tem de visualizar o abstrato que precisa ser dito.

Assim, termos de consentimento, laudos, prontuários, contratos de prestação de serviços devem passar a conter, de maneira estratégica, elementos visuais como imagens, vídeos, gráficos, fluxogramas como forma de serem melhor entendidos, garantindo assim, uma argumentação mais persuasiva do destinatário que corrobora na credibilidade do profissional de saúde que zela por se fazer entender pelo usuário do serviço.

Primeiro se deve entender os problemas e desafios jurídicos relevantes, como forma de propiciar um melhor entendimento do paciente, e depois criar documentos mais ideais e assertivos, porque cada clínica, consultório, laboratório ou farmácia tem um público alvo específico, por isso é importante entender a melhor maneira de interagir com o seu interlocutor.

4. COMPLIANCE NA SAÚDE

Dentro de um setor extremamente regulamentado como o da saúde, necessário se faz estar em compliance, ou seja, exercendo a prestação à saúde do paciente conforme determinações legais, e regulamentares, garantindo assim a transparência, credibilidade do profissional e segurança dos pacientes.

A Agência Nacional de Saúde – ANS, editou a resolução normativa 443/2019, com normas de governança corporativa com ênfase em controles internos e gestão de riscos e programas de compliance, com foco numa mudança cultural fundamentada na governança, riscos e compliance através de mecanismos de transparência, equidade e responsabilidade.

Nesse contexto, comumente, o paciente alheio ao cenário da medicina não consegue entender determinadas ações executadas na assistência prestada à sua saúde. E essa falta de transparência e criação de mecanismos de comunicação eficaz vai de encontro a um padrão de conduta que transmita a confiabilidade necessária na relação entre o profissional de saúde e o seu paciente.

Dessa forma, a releitura de contratos de saúde e documentos médicos se torna patente uma vez que há a necessidade de se assegurar ao paciente uma maior segurança na hora da contratação do tratamento médico, bem como, garantir sua autonomia.

E o emprego dessas técnicas de comunicação visual só tende a reduzir o número de insatisfação dos pacientes que se sentem lesados, o que por sua vez corrobora na redução de demandas judiciais em face de profissionais de saúde, garantindo assim uma boa reputação do profissional de saúde no seu mercado.

Se diz que dados são o novo ouro dessa era, mas nessa disputa acirrada por atenção em meio a tantas informações, tornar uma mensagem acessível e bem compreendida, se traduz como a melhor decisão no mundo dos negócios, garantindo a diferenciação dentro do mercado. Entender direitos e deveres garante aos prestadores de serviços estar em compliance e ser mais eficiente e rentável.

CONCLUSÃO

Praticamente tudo no Direito hoje, é feito como se fazia há cerca de 50 ou 100 anos atrás, e comumente nos pegamos fazendo algo de determinada forma, sem nem saber o motivo pelo qual se executa de determinada forma algo que se faz naquele momento.

Cada vez mais se torna necessário uma comunicação assertiva e empática, que vá na contramão do retrabalho, e a partir desse entendimento, o visual law, busca transformar conceitos mais complexos em ideias mais simples que possam ser consumidas de forma intuitiva.

Para isso, é necessária uma atualização do ensino jurídico, para que temas que acompanhem a evolução da sociedade possam ser incluídos nas grades curriculares, de maneira que os novos operadores do direito quebrem crenças limitantes e objeções acerca do uso de novas soluções garantindo a constante inovação para dentro da prática jurídica.

O mundo e as relações se tornam cada vez mais multidisciplinares e essa influência precisa chegar até o Direito. Por fim, não será primordial que um advogado seja design gráfico, apesar de ser um ponto positivo deter essa habilidade, mas o profissional do direito precisa ser capaz de criar pontes de facilitação, como forma de garantir uma sociedade mais igualitária.

REFERÊNCIA

_____.Associação dos Magistrados Brasileiros. O judiciário ao alcance de todos: noções básicas de Juridiquês. 2.ed. Brasília: AMB, 2007.

AGUIAR, K.S. Transformação jurídica digital: Do uso da tecnologia ao Visual Law. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/345132/transformacao-juridica-digital-do-uso-da-tecnologia-ao-visual-law> Acesso em: 09 de jan. 2022.

AZEVEDO E SOUZA, Bernardo de.; OLIVEIRA, Ingrid Barbosa. Visual Law: Como Os Elementos Visuais Podem Transformar o Direito. Thompson Reuters, 2021.

BRASIL. Agência Nacional de Saúde – ANS. Disponível em: <https://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzY3MQ⇒ Acesso em: 10 dez. 2021.

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Judicialização da saúde no Brasil: Perfil das demandas, causas e propostas de solução. CNJ. Brasília, 2019.

COELHO, A. Z.; HOLTZ, Ana Paula U. Legal Desing/Visual Law: Comunicação entre o universo do Direito e os demais setores da sociedade. São Paulo. Thompson Reuters, 2020.

HAGAN, Margaret. Law by Design. Stanford Law School, 2017. Disponível em: <https://www.lawbydesign.co/>. Acesso em: 12 nov. 2021

TONAKI, J. O. Justiça Digital e o Futuro do Direito. 2021. (Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra).

PENA, S.D.J.; AZEVEDO, E.S. O projeto genoma humano e a medicina preditiva: avanços técnicos e dilemas éticos. In: Costa SIF, Garrafa V, Oselka G, organizadores. Iniciação à bioética. Brasília: CFM; 1998. p. 139-56.


[1] Advogada especialista em Compliance e Direito Médico e da Saúde. Pós graduada em Direito Civil e Processo Civil e Direito Médico. Membro da Comissão Nacional de Direito Médico da ABA.

[2] Segundo Pena e Azevedo (1998) medicina preditiva é a capacidade de fazer predições quanto à possibilidade de um indivíduo vir a desenvolver alguma enfermidade de base genética, no futuro. É a mensuração, através de testes genéticos, da predisposição deste indivíduo e, talvez, de seus familiares, para tal tipo de adoecimento.

[3] Margaret Hagan é diretora do Legal Design Lab da Stanford Law School, professora do Stanford Institute of Design e uma das principais autoras sobre o tema.

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