Sem advogados, a sociedade emudece diante das injustiças

No conturbado ano de 1964, quando as liberdades e garantias individuais passaram a ser objeto de ataque do aparato repressivo do Estado, o poeta fluminense Eduardo Alves da Costa escreveu “No caminho com Maiakóvski”. Ao longo de seus versos, a poesia conta que, omitindo-nos diante das injustiças, de pouco em pouco é roubado o que há de mais importante. Primeiro entraram no jardim para roubar apenas uma flor. Incentivados pelo silencio, pisaram todas as flores e, por fim, entraram em casa para levar-nos a voz.

Silenciando-se frente aos ataques desferidos à advocacia, a sociedade brasileira aceita o risco de perder sua voz. Mais do que uma profissão, é uma atividade voltada a preservar direitos individuais. É ao advogado que compete o múnus público de defender o direito do cliente no Poder Judiciário, independentemente do teor das acusações feitas.

O advogado não pode ser confundido com a pessoa do seu cliente. A sociedade possui o direito de indignar-se com os frequentes casos de impunidade, mas não pode fazer dessa repulsa o pretexto para criminalizar quem está no exercício regular da profissão.

Na reivindicação de que o Poder Público observe direitos fundamentais, o advogado não está exigindo a impunidade de determinada pessoa, mas sim o respeito à Constituição Federal de 1988, que assegura indistintamente a todos os brasileiros o direito de defesa, com todos os recursos inerentes. Sem tal garantia, que é colocada em prática mediante a atuação do advogado, o indivíduo fica impotente diante do aparelho estatal, restando-lhe confiar na infalibilidade e imparcialidade de todos os demais atores do sistema judicial.

Ao defender com altivez seu constituinte, o advogado honra o importante papel que lhe é atribuído no artigo 133 da Carta Cidadã: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Para garantir o efetivo e independente exercício da função, ao advogado são conferidas prerrogativas que não devem ser confundidas com privilégios pessoais, por garantirem a adequada defesa do cidadão e prevenirem as ações autoritárias do Estado.

Resta evidente a natureza inegociável das prerrogativas da advocacia, por atuarem como garante da independência funcional do advogado.

Quando há alguma restrição para que o membro da advocacia desempenhe seu mister na defesa do cliente, colocam-se em risco não só os direitos daquele cidadão defendido em juízo. Todo e qualquer cidadão encontra-se, dali em diante, desprotegido porque poderá, eventualmente, sofrer idêntica afronta quando recorrer ao Poder Judiciário para sindicar direito seu. Sem o advogado, o cidadão emudece diante do Poder Público.

A quem interessa a advocacia cerceada? Apenas a quem deseja uma sociedade muda.

Artigo publicado na Revista Consultor Jurídico, 2 de junho de 2017, 6h49

Esdras Dantas de Souza é advogado, professor, especialista em Direito Público Interno, ex-presidente (membro nato) da Ordem dos Advogados do Brasil e presidente da Associação Brasileira de Advogados (ABA) @esdrasdantas_adv – www.esdrasdantas.adv.br

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