UMA NOVA CPR: ENTRE O REMÉDIO E O VENENO

            Há mais de vinte anos fazendo parte do agronegócio, a Cédula de Produto Rural, popularmente conhecida como CPR, institucionalizada pela Lei nº 8.929/94, rapidamente caiu nas graças de produtores rurais e credores, pois enquanto promessa de entrega futura de um produto agropecuário, funciona como um facilitador na produção e comercialização rural.

Originalmente com vinte artigos, a Lei que instituiu a CPR, foi sendo ajustada com o passar dos anos por meio de decretos, medidas provisórias e mais recentemente pela chamada Lei do Agro: Lei nº 13.986/20, passando então por uma mudança tão significativa, que se pode afirmar que a partir da Lei do Agro existe uma nova CPR, com abrangência muito maior do a que a antiga:

Art. 1º Fica instituída a Cédula de Produto Rural (CPR), representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas.   

§ 1º Fica permitida a liquidação financeira da CPR, desde que observadas as condições estipuladas nesta Lei. 

§ 2º Para os efeitos desta Lei, produtos rurais são aqueles obtidos nas atividades:         

I – agrícola, pecuária, de floresta plantada e de pesca e aquicultura, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico, inclusive quando submetidos a beneficiamento ou a primeira industrialização;  

II – relacionadas à conservação de florestas nativas e dos respectivos biomas e ao manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas, ou obtidos em outras atividades florestais que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis.    

§ 3º O Poder Executivo poderá regulamentar o disposto neste artigo, inclusive relacionar os produtos passíveis de emissão de CPR.    [1].

            Abriu-se um novo leque de possibilidades se considerarmos os produtos que podem através dela ser negociados, as garantias (podendo abranger inclusive o patrimônio rural em afetação), os legitimados a emitir, a emissão eletrônica, etc. . Porém, tantas mudanças, que muitos defendem como um aperfeiçoamento à CPR – um simbolismo de mercado privado de crédito com maior liberdade de contratação e transparência – para outros soa como facilitador ao auto endividamento, com comprometimento e risco do patrimônio do emitente. Sendo que muitos produtores, não se aperceberam das tão significativas mudanças pelas quais a CPR passou, hoje um instrumento muito diferente do que outrora, embora com o mesmo nome.

            A questão realmente é delicada e traça uma linha tênue entre o remédio e o veneno, o céu e o inferno. Indiscutível que surgem avanços no crédito rural o que possibilita a ampliação de garantias aos fornecedores de crédito e também maior garantia ao produtor rural; porém,  almeja-se que isso venha acompanhado de taxas de juros mais competitivas, especialmente diante do cenário atual de baixa inadimplência.

Ato contínuo, com a ampliação de garantias e consequentes créditos, muitos reflexos benéficos ao produtor poderão incidir, tais como a desburocratização do financiamento que se trona mais simples e unificado a todos os setores da cadeia produtiva, com a constituição de garantias de forma mais segura e simplificada, o que terá reflexos diretos na geração e circulação de riquezas antes mesmo do plantio, originando também condições positivas à autorregulamentação do mercado.

            O credor sente-se mais escudado, mais protegido, pois a garantia da alienação fiduciária de bem imóvel, antes duvidosamente permitida, passou a ser admitida de forma expressa pela nova Lei do Agro.

Ainda, em caso de eventual impontualidade por parte do devedor, ao credor está disponível uma privilegiada garantia real: o patrimônio rural em afetação, que possibilita o recebimento do crédito de forma extremamente rápida, sequer necessitando de intervenção via judicial.

Em miúdos, o produtor rural constitui uma garantia em sua propriedade (ou parte dela) para oferecer como garantia ao credor da CPR. Vencida e não liquidada, imediatamente o credor poderá transferir para sua titularidade o registro da área que constitui o patrimônio rural em afetação diretamente no cartório de registro de imóveis, ou seja, sem precisar ajuizar qualquer tipo de ação judicial.

            Embora o acesso ao crédito seja mais fácil, e se espera que a oferta de crédito oportunize o desenvolvimento mediante investimento das propriedades rurais,  justamente por esse motivo, pela facilidade de obtenção, o produtor rural devera tomar o maior cuidado na hora da emissão da CPR, pois com as novas modalidades de garantias, que são justamente o que favorecem a liberação de crédito, o que vem fácil pode ir embora ainda mais facilmente, podendo uma operação mal calculada representar na perda rápida de patrimônio do produtor rural inadimplente, o que poderá leva-lo à margem de novos negócios e até inviabilizar sua atividade rural.  

REFERÊNCIAS

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8929.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13986.htm#art42


[1] LEI No 8.929, DE 22 DE AGOSTO DE 1994

Por Raul Mello, advogado com escritórios em Passo Fundo e Cruz Alta. Graduado pela UNICRUZ, pós graduando em Direito Agrário e do Agronegócio pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Atua nas áreas Cível, Trabalhista e criminal, com ênfase no *Direito de Família, Direito Agrário, Direito Penal Empresarial e Defesa Patronal Trabalhista*.Atual Secretario de Eventos da Associação Brasileira de Advogados de Passo Fundo, RS, e membro da Comissão Nacional de Direito do Trabalho da Associação Brasileira de Advogados.

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