A afirmação infeliz de um magistrado do TJ-PR expõe a urgência de uma cultura institucional pautada no respeito, na ética e na igualdade de gênero
Por Dante Navarro, jornalista, editor-chefe do Ordem Democrática
Palavras-chave: desembargador Paraná, declarações misóginas, TJ-PR, Associação Brasileira de Advogados, Esdras Dantas, credibilidade do Judiciário, igualdade de gênero, ética judicial
O Poder Judiciário tem como missão garantir a justiça e o equilíbrio das relações sociais. No entanto, quando um de seus membros ultrapassa os limites da prudência e da ética, todo o sistema é colocado em xeque. Foi o que ocorreu recentemente no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), após declarações infelizes e discriminatórias proferidas pelo desembargador Luís César de Paula Espíndola, que afirmou, em sessão pública, que “as mulheres estão loucas atrás dos homens” ao comentar um caso de assédio contra uma menor de 12 anos.
A fala, amplamente divulgada na imprensa, provocou repúdio nacional, sobretudo por reforçar estereótipos de gênero e desconsiderar a gravidade do caso analisado. O episódio levou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a abrir, recentemnte, processo disciplinar contra o magistrado, que está afastado desde 2024, recebendo seu salario (subsídio). O Tribunal de Justiça do Paraná a emitir nota pública declarou que não compactua com as declarações do desembargador.
A reação da sociedade jurídica e o papel da ABA na defesa da dignidade feminina
Entre as diversas manifestações de indignação, destacou-se a da Associação Brasileira de Advogados (ABA), entidade que reúne um grande número de advogados em todo o país e que tem, em sua maioria, mulheres associadas.
A ABA emitiu nota oficial de repúdio, em julho de 2024, e reafirmou seu compromisso com a defesa intransigente dos direitos das mulheres, da ética pública e da imagem da Justiça.
Em declaração exclusiva, o presidente nacional da ABA, Dr. Esdras Dantas de Souza, foi enfático:
“Nenhum juiz, por mais alta que seja a sua função, está acima da responsabilidade moral e institucional. Palavras têm peso — e, quando ditas por um magistrado, podem ferir a confiança da sociedade na Justiça. As mulheres não podem ser vítimas de assédio nem de ironia judicial. A ABA, que tem em suas fileiras um número significativo de mulhares de advogadas, repudia veementemente qualquer manifestação que desrespeite a dignidade feminina e comprometa a credibilidade do Poder Judiciário.”
A fala do presidente da ABA ecoa o sentimento de toda a advocacia brasileira: a de que a imparcialidade judicial não é apenas um dever técnico, mas também ético e simbólico.
A Justiça deve ser o refúgio da dignidade humana — nunca o palco de humilhações.
A fala que mancha a toga: quando a imprudência pessoal se torna crise institucional
O episódio envolvendo o desembargador Espíndola ultrapassa o âmbito individual. Ele se transforma em uma crise institucional, porque questiona os pilares de credibilidade e isenção que sustentam o Poder Judiciário.
Ao emitir juízos de valor impregnados de misoginia durante um julgamento, o magistrado violou não apenas o decoro da função, mas também princípios constitucionais como o da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Em tempos de avanço civilizatório e de luta por equidade de gênero, ouvir de um representante do Judiciário expressões que banalizam o sofrimento feminino é um retrocesso inaceitável.
A fala do desembargador não fere apenas as mulheres — ela fere a confiança pública.
Cada vez que um juiz se desvia de sua obrigação ética, o cidadão perde um pouco da fé nas instituições que deveriam proteger seus direitos.
A Associação Brasileira de Advogados, que há anos se posiciona como uma escola de líderes e uma fábrica de amigos, vem reforçando em suas ações de formação que liderança jurídica também é sinônimo de empatia e responsabilidade social.
Segundo Esdras Dantas, “a ABA não é apenas uma entidade de advogados, mas um movimento de transformação da advocacia brasileira em instrumento de justiça e de respeito à sociedade.”
Responsabilização e exemplo: o que o Paraná e o Brasil esperam agora
A abertura do processo disciplinar pelo CNJ e o afastamento cautelar do desembargador são medidas adequadas, mas insuficientes se não forem acompanhadas de uma postura firme e pedagógica do Judiciário.
É preciso que o caso se transforme em um exemplo de que a magistratura não tolerará mais manifestações preconceituosas, especialmente contra mulheres e crianças.
Instituições como a ABA têm papel fundamental nesse processo, pois dão voz à advocacia e à sociedade civil organizada. A entidade já se colocou à disposição para colaborar com programas de formação em ética judicial e perspectiva de gênero, com o objetivo de contribuir para um Judiciário mais sensível, humano e equilibrado.
“A Justiça só é justa quando respeita todas as pessoas. E isso começa pela linguagem, pela postura e pela consciência de quem julga”, acrescentou Esdras Dantas, ao defender maior rigor ético na formação e na responsabilização de magistrados.
A sociedade espera — e merece — um Poder Judiciário comprometido com os valores que proclama.
A toga deve ser símbolo de serenidade e sabedoria, não de arrogância ou preconceito.
A confiança pública, uma vez abalada, é difícil de reconstruir. Por isso, cabe aos tribunais agir com rapidez e transparência, demonstrando que a honra do Judiciário é inegociável.
Conclusão: a Justiça precisa reaprender a ouvir
O caso do desembargador do Paraná é um alerta. Não basta punir; é necessário repensar a cultura institucional da magistratura brasileira.
A ABA, com sua ampla base de advogados e advogadas, reafirma seu compromisso em continuar lutando por uma advocacia forte, ética e inclusiva, que seja também a guardiã da Justiça e da dignidade humana.
No fim, a lição é clara: um magistrado pode ser experiente, mas se lhe falta sensibilidade, falta-lhe também o essencial para julgar — humanidade.